Concorrência: Órgão tem procurado as empresas para discutir previamente e assim consegue fechar acordos
As empresas estão recorrendo cada vez menos à Justiça contra as decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Relatório que será divulgado hoje pela Procuradoria Jurídica do órgão mostra que, ao contrário do início da década, quando todas as decisões do conselho iam parar no Judiciário, hoje, mais de 80% das determinações são cumpridas voluntariamente pelas empresas.
O motivo principal é que os conselheiros passaram a negociar acordos com as empresas e, com isso, muitas determinações antitruste são previamente discutidas, e não impostas diretamente.
Em 2009, as empresas que sofreram reveses no Cade, como multas e imposições para que retirem cláusulas de seus contratos, ingressaram com apenas 46 processos no Judiciário. É menos da metade de 2008, quando foram registrados 105 novos processos. Houve também uma redução significativa no número de incidentes processuais (os recursos, agravos e petições que advogados de empresas entram contra o Cade na Justiça). Em 2008, a Procuradoria Jurídica do órgão teve de responder a 320 incidentes contra as decisões do conselho. Em 2009, esse número caiu para 132 incidentes.
Essa redução parecia impossível até 2004, ano em que o Cade vetou a compra da Garoto pela Nestlé e recorrer à Justiça era prática comum para os advogados que não conseguiam a aprovação de fusões e aquisições. Entre 2002 e 2004, apenas 3,78% das multas aplicadas pelo órgão antitruste haviam sido efetivamente pagas, pois todas as empresas recorriam ao Judiciário. Havia um dado ainda pior: entre 1994 e 2005, apenas 18% das condenações por cartel ou conduta abusiva de empresas no mercado haviam sido cumpridas.
Nessa conta, está a condenação do cartel do aço - um acordo entre CSN, Usiminas e Cosipa para reajustar os preços, que teria sido feito em 1996. O cartel foi condenado em outubro de 1999, mas, até hoje, não houve uma decisão final no Judiciário.
Agora, os advogados das empresas sentam à mesa de negociações com os conselheiros do Cade e discutem o pagamento antecipado de multas para livrá-las de processos de cartel. Isso aumentou a arrecadação voluntária de valores pelo Cade e criou uma nova relação com as companhias.
"As empresas estão aderindo mais às decisões do conselho", afirmou ao Valor o procurador-geral do Cade, Gilvandro Araújo. "Isso é resultado de um diálogo constante", completou. Segundo Araújo, os conselheiros estão assinando cada vez mais acordos com as companhias.
Em novembro de 2007, a Friboi e a Lafarge assinaram os primeiros acordos para pagar R$ 13,7 milhões e R$ 43 milhões, respectivamente, e, com isso, as acusações de cartel contra elas foram retiradas. Hoje, o Cade possui um grupo específico para negociar a assinatura de acordos desse tipo e os pagamentos espontâneos de multas aumentaram. Foram 79 depósitos, em 2009, ante 64, em 2008.
Além das negociações, o Cade também obteve vitórias importantes no Judiciário, o que desmotivou empresas a recorrerem. Em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a imposição de restrições à Vale pela compra de oito mineradoras. No ano passado, a Justiça proferiu 109 sentenças envolvendo o órgão antitruste e 70% das decisões foram mantidas.
O caso Vale mudou a reputação do Cade no mercado: de leão sem dentes, quando as empresas conseguiam derrubar as suas decisões no Judiciário, o Cade passou a ter dentes de leite - expressão cunhada pelo presidente, Arthur Badin, para mostrar que a Justiça passou a manter decisões antitruste. Hoje, é um leão que conversa com as empresas, definiu Araújo.
Outro fator, segundo o procurador-geral, é que o Cade passou a condenar menos. Apesar de multas de grande repercussão, como a punição de R$ 352 milhões à AmBev, o órgão antitruste impôs restrições às empresas em apenas 49 decisões, no ano passado. A maioria é de determinações pequenas, como a retirada de cláusula de não concorrência de um contrato entre duas empresas. Dessas 49 decisões, 83% foram cumpridas voluntariamente pelas empresas. Já a AmBev, condenada por causa de um programa de fidelização de pontos de venda, recorreu à Justiça e o dinheiro da multa está sob fiança. Ainda não foi pago ao Cade.
Veículo: Valor Econômico