As sociedades de prestação de serviços formadas por profissionais liberais tentam obter seu quinhão no pacote de desoneração fiscal promovido pelo governo na Medida Provisória nº 449. Desde que começou a tramitar na Câmara dos Deputados, em 17 de dezembro, a medida já ganhou 371 emendas - uma delas prevê um parcelamento das dívidas de Cofins dessas empresas em 240 vezes, sem multas e com juros calculados pela TJLP. Uma outra emenda, ainda em estudo, poderá incluir na mesma MP a permissão para que as sociedades com faturamento superior a R$ 48 milhões, que recolhem seus tributos pelo regime do lucro real, possam pagar a Cofins pelo sistema cumulativo. Por ele, as sociedades garantiriam uma alíquota de 3,65%, enquanto pelo sistema não-cumulativo ela seria de 9,25%.
As emendas à MP nº 449 são uma nova investida das empresas para tentar amenizar os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 17 de setembro julgou constitucional a incidência da Cofins sobre seu faturamento e garantiu a retroatividade da cobrança do tributo sobre as sociedades de profissionais liberais. Desde então, elas correm o risco de serem autuadas pelo fisco e obrigadas a recolher a Cofins não paga nos últimos cinco anos.
A estratégia atual é uma das poucas saídas que restam aos contribuintes diante da derrota em uma disputa que se estende há pelo menos dez anos no Poder Judiciário. O caso ganhou maior dimensão quando, em 2003, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou a Súmula nº 276 garantindo a isenção da Cofins às sociedades - gerando uma corrida à Justiça que chegou a contar com 23 mil processos judiciais, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), e transformando a disputa em uma das maiores em número de processos já encerrada pelo fisco.
O cenário , no entanto, não demorou para começar a mudar. Desde 2004, quando a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deu início a uma estratégia de tentar reverter a posição contrária amargada no STJ, são sucessivas as derrotas dos contribuintes (veja quadro ao lado) - e não por falta de bons advogados, já que entre as sociedades afetadas pela tributação estão os escritórios de advocacia, que têm sido os mais atuantes na defesa da não-incidência da Cofins. "A isenção estava em vigor, até que um caso mal conduzido acabou parando no Supremo", diz o advogado Antônio Corrêa Meyer, presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa).
Depois de levado o caso ao Supremo, todas as teses desenvolvidas pelos contribuintes fracassaram. Uma das mais relevantes - apresentada já na sessão do pleno que acabou por definir a disputa - foi a tentativa de fazer o fisco provar de seu próprio remédio. Ou seja, de tentar convencer os ministros do Supremo a abandonarem o recurso extraordinário já com maioria de oito votos a um a favor do fisco e reiniciarem o julgamento do caso, mas em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) apresentada pelo PSDB, cujo placar ainda estava zerado. A tese - de que uma ação de chamado controle concentrado de constitucionalidade deve se sobrepôr a um recurso, válido apenas para a parte que por meio dele litiga - é a mesma usada pelo fisco na maior disputa tributária em curso no país. Em 13 de agosto, a PGFN conseguiu convencer os ministros do Supremo a abandonarem um recurso extraordinário que pede a declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins já com maioria a favor dos contribuintes, substituindo-o por uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC), com placar zerado.
A tese, no entanto, não emplacou. E seguiu-se o julgamento, que confirmou a vitória do fisco. Na mesma sessão, o pleno analisou um pedido de modulação dos efeitos da decisão - ou seja, sua não-retroatividade -, mas, diante de um placar de cinco votos a cinco, a tese também fracassou. "Foi um julgamento conduzido muito apressadamente pelo ministro Gilmar Mendes", afirma Meyer. Esse é um dos pontos em que ainda há uma possibilidade de reversão na Justiça. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve recorrer da decisão sobre a modulação, com o argumento de que não é necessário um placar de dois terços dos ministros para aprová-la - mas apenas maioria simples. O acórdão do julgamento do Supremo foi publicado na sexta-feira, mas os prazos estão suspensos em função do recesso dos tribunais superiores, que retomam as atividades apenas em fevereiro. Também ainda tramita a Adin do PSDB, rejeitada monocraticamente, mas com agravo regimental já interposto. "A Adin não deve ser julgada no mérito, mas ainda tenho a esperança de que o Supremo seja sensível à modulação", diz Meyer.
No Legislativo, as emendas à MP nº 449 não são a primeira investida das empresas. Já foram apresentados dois projetos de lei sobre o tema - um deles previa o parcelamento da Cofins também em 240 meses, mas apenas para os escritórios de advocacia. Outro projeto, que tramita no Senado desde o início de novembro, é ainda mais generoso: prevê a anistia das dívidas de Cofins para todas as sociedades de profissionais liberais.
Veículo: Valor Econômico