Tributaristas querem ampliar as operações definidas como hedge

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Um grupo de especialistas começou a apresentar novos argumentos jurídicos que podem amenizar a tributação sobre as perdas com derivativos e ao mesmo tempo prometem abrir uma discussão milionária entre empresas e fisco. Os prejuízos com derivativos são considerados dedutíveis integralmente do Imposto de Renda (IR) quando possuem a função de hedge. Ou seja, a função de proteger direitos a receber ou obrigações a pagar. Se o derivativo for especulativo, a legislação estabelece grandes restrições para impedir a dedução total da perda para IR. 
 

Até esse ponto, nenhuma novidade. O argumento novo é que os direitos e obrigações que podem ser protegidos por um derivativo com função de hedge não se limitariam a ativos e obrigações já contratados, como compromissos de importação ou exportação ou dívidas e outros recebíveis em moeda estrangeira. Também poderiam ser protegidos dos efeitos da variação cambial os investimentos planejados em subsidiárias no exterior e os fluxos futuros de caixa baseados em projeções de venda ou compra para um determinado período de tempo. 


A idéia está sendo defendida por um grupo que reúne tributaristas do Mattos Filho, um dos maiores escritórios de advocacia do país, e professores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Com isso, os especialistas defendem um conceito de hedge mais amplo do que o aplicado usualmente. Isso garantiria uma dedutibilidade maior no IR que poderá ser aproveitada já para as perdas apuradas em 2008. 


"Todos pensam em hedge como relacionado a um ativo como estoque, por exemplo. Mas hoje as empresas já fazem derivativos para se defender de variações para operações futuras, como fluxo de caixa", diz Roberto Quiroga Mosquera, sócio do Mattos Filho Advogados. "A única diferença é que as empresas nunca registraram essas operações como hedge", argumenta. 


Pelas normas tributárias em vigor, explica Quiroga, são classificadas como hedge operações destinadas à proteção contra riscos resultantes de oscilações de preços ou de taxas. O alvo de proteção deve estar relacionado com as atividades operacionais da empresa e também podem ser protegidos os direitos e obrigações da companhia. Dentro dessa linha, sustenta Quiroga, a empresa pode proteger seu fluxo de caixa. Trata-se de um direito, embora seja um direito futuro. "Muitas empresas fazem operações para evitar o impacto futuro que as operações de compra e venda projetadas podem ter sobre o resultado da empresa." 


Quiroga diz que sempre houve insegurança das empresas em classificar tais operações como hedge, mas as normas tributárias dão base para isso. Essa interpretação teria sido confirmada pela edição da norma de nº 14 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). A norma foi submetida a consulta pública em outubro e aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por deliberação emitida em 17 de dezembro último. 


Essa norma, diz Alexssandro Broedel Lopes, professor de contabilidade e finanças da FEA, estabelece uma contabilização especial para o hedge e explicita a possibilidade de se fazer hedge para fluxo de caixa. Ele lembra, porém, que é necessário comprovar a necessidade de proteção do direito e de seu impacto na empresa. A expectativa de fluxo de caixa futuro, segundo ele, tem de estar bem-fundamentada. A empresa também precisa sustentar que o hedge era necessário "Pode ser documentada de várias formas, com o histórico de exportação da companhia e de sua capacidade de produção", exemplifica. Relatórios macroeconômicos também podem subsidiar a documentação, acredita. 


O professor da FEA lembra que, caso as expectativa de venda ou compra não se realizem por completo, o derivativo só será considerado hedge na parte em que as projeções foram cumpridas. Nesse caso, a dedutibilidade também só poderá ser aproveitada de forma parcial, relativamente à parte em que a projeção foi cumprida. Isso permite que a empresa faça novas projeções no decorrer do ano e também aproveite as deduções à medida que as operações previstas forem se realizando. Broedel vai ainda mais longe. "A nova norma contábil para hedge também permite que instrumentos não financeiros também tenham a função de proteção", lembra. Segundo ele, dívidas em moeda estrangeira também podem ter função de hedge para proteger um ativo já contratado ou o fluxo de caixa futuro. 


Broedel explica que o CPC nº 14 deve ser observado pelas companhias abertas para os balanços encerrados em 31 de dezembro. A vantagem dessa contabilização especial para operações de hedge é a dedutibilidade para Imposto de Renda, argumenta Quiroga. Segundo ele, essa dedutibilidade também pode ser usada para o ano base de 2008. Como havia muitas empresas com esse hedge, diz o advogado, elas devem verificar os efeitos da contabilização desde o início do ano. "Nesse caso, é possível até que elas apurem créditos tributários de IR relativos a deduções não aproveitadas anteriormente." 


Procurado pelo Valor, Gustavo Haddad, sócio do Lefosse Advogados, diz que os argumentos são inovadores, mas acredita que eles fazem sentido dentro das atuais normas contábeis. Ele lembra que a norma contábil nº 14 é clara ao estabelecer o hedge para fluxo de caixa. O único problema, para ele, é saber se realmente o fluxo de caixa futuro será considerado como um direito ou obrigação para fins tributários. Ou seja, na prática, se ele realmente será considerado dedutível para fins de cálculo do IR. 


Haddad lembra que já foi estabelecido que a nova lei contábil, editada em 2008, não deverá ter impactos tributários. "O mesmo vale para todas as novas normas que surgiram como decorrência da alteração na lei contábil. E o CPC nº 14 está entre elas", explica. "Se foi garantida neutralidade tributária, por que essa nova norma contábil teria impacto no IR?" 


Nesse caso, diz Quiroga, o contra-argumento é que a regra contábil não inovou, apenas explicitou um direito que as normas tributárias sempre garantiram ao contribuinte. O advogado acredita que o assunto ainda deverá ser alvo de muita discussão. "O entendimento da Receita pode ser outro." 


Também consultado pelo jornal, o tributarista Luís Rogério Farinelli, do Machado Associados, conta que já chegou a defender a contabilização, como hedge, de projeções de investimento em subsidiárias estrangeiras. "A empresa fez o hedge para garantir o valor dos investimentos em moeda estrangeira", conta. Da mesma forma, a cada realização de investimento, a operação de derivativo era liquidada e, em caso de perda, a dedutibilidade era garantida. De forma semelhante, ele acredita ser viável defender o hedge para projeções de venda ou compra. "Mas isso não pode ser feito com base em achismo. É preciso ter as expectativas fundamentadas, comprovando a contratação das operações com natureza de hedge, a exposição e a necessidade de proteção."

 

Veículo: Valor Econômico


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