Foi-se o tempo em que o trabalho dos escritórios de advocacia no combate à pirataria limitava-se às disputas na Justiça contra fabricantes ou vendedores de produtos falsificados. Hoje, o papel dos advogados na defesa das marcas que representam é muito mais amplo e começa pela prevenção, como forma de evitar a entrada dessas mercadorias no país - o que nem sempre pode ser realizado sem atritos com a Receita Federal. Atualmente, as bancas e entidades interessadas na questão mantêm uma espécie de "parceria" com a Receita cujo objetivo é fornecer aos fiscais das alfândegas, por meio de palestras e cursos, subsídios para que possam diferenciar as características das marcas originais daquelas pirateadas. No entanto, apesar das medidas preventivas adotadas, uma questão relacionada ao tema tem feito os advogados recorrerem com freqüência ao Judiciário. O motivo seria o fato de a Receita Federal não repassar informações de importadores de mercadorias suspeitas aos interessados, por considerá-las sigilosas - o que era autorizado até meados de 1990.
Na prática, esse entendimento cria um entrave para que os advogados levem adiante investigações contra esses importadores. A legislação brasileira estabelece que o titular dos direitos da marca será notificado para comprovar perante a Receita, em dez dias, que o produto apreendido é realmente pirateado. Para atingir esse objetivo, a estratégia tem sido a proposição de ações judiciais contra o órgão, exigindo-se o fornecimento dos dados e a prorrogação do prazo de retenção da mercadoria por mais dez dias.
A Justiça tem concedido em quase todos os pedidos liminares nesse sentido. Neste ano, por exemplo, o advogado Eduardo Ribeiro Augusto, do escritório De Vivo, Whitaker, Castro e Gonçalves Advogados - que defende marcas do ramo de higiene pessoal, produtos de informática, brinquedos e produtos esportivos - obteve sucesso em cerca de 80 mandados de segurança contra a Receita Federal que pleiteavam o fornecimento de dados de importadores de produtos sob suspeita. Já a banca Daniel Advogados propôs dez mandados de segurança somente em novembro.
O fornecimento dos nomes dos importadores é necessário para que por meio de uma nova ação judicial seja pedida a suspensão do desembaraço da mercadoria até o julgamento de mérito da discussão. Em um caso recente, o advogado Guilherme Abrantes, sócio do Daniel Advogados, que defende a marca americana de sandálias "Croc", ganhou uma disputa judicial contra um importador após a apreensão de 15 mil pares falsificados. "Às vezes a empresa importa de boa-fé, mas sem a autorização do dono da marca", diz Abrantes. O advogado Luiz Edgard, do Montaury Pimenta Advogados, que representa as marcas Oakley e Quick Silver, afirma que na maioria das vezes os clientes ficam satisfeitos só com a apreensão da mercadoria e não dão seguimento à ação.
A reclamação quanto ao entendimento da Receita Federal não é apenas dos advogados de propriedade industrial. Associações de combate à pirataria e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) discutem com a Receita Federal a possibilidade de alteração de procedimentos aduaneiros em 2009. Em janeiro, será enviado um documento à Receita Federal para pedir a regulamentação do procedimento de fornecimento de dados de importadores sob suspeita para as empresas que sofrem com a pirataria de seus produtos. Além disso, outro problema que será abordado no documento é o fato de o Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), da Receita Federal, não disponibilizar, desde 1998, a informação completa sobre cada operação de importação. De acordo com a Fiesp, a preocupação é desburocratizar e agilizar as linhas de comércio exterior.
Para o advogado Luiz Cláudio Gare, do Gare & Ortiz do Amaral Advogados e consultor Brand Protection Group (BPG) - criada em 2002 por empresas como a Nike, Bic, e Chanel com o objetivo de atuar no combate à falsificação de suas marcas - a interpretação da Receita vai contra o acordo internacional TRIPs, que estabelece regras de proteção de propriedade industrial, do qual o Brasil é signatário.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal afirmou que sua atividade segue regras estabelecidas no Código Tributário Nacional - a Lei nº 5.172, de 1996. Segundo a Receita, pela legislação, as informações decorrentes do exercício da profissão da autoridade fiscal são protegidas por sigilo fiscal. O órgão informa ainda que vem intensificando suas operações de combate ao contrabando e à pirataria. Em 2006, por exemplo, foram realizadas 1.316 operações e, em 2007, foram 2.403. No aspecto de estruturação, a Receita diz que adotou diversas medidas para o incremento das atividades de vigilância e repressão aduaneira, como a compra de lanchas e helicópteros para o patrulhamento.
Veículo: Valor Econômico