Bom para ambas as partes

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Entenda como funciona a Convenção Coletiva de Consumo, um instrumento instituído pelo Código de Defesa do Consumidor para que varejistas e consumidores possam prevenir e solucionar juntos conflitos em questões relativas a atendimento ou preço

 

A criação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em 1990, representou uma evolução para o varejo e contribuiu para tornar mais ética a relação entre lojistas e clientes. No entanto, com o código prestes a completar duas décadas, muitas leis permanecem como uma incógnita para grande parte dos comerciantes e consumidores. Poucos conhecem, por exemplo, a Convenção Coletiva de Consumo (CCC), definida no artigo 107 do CDC como um acordo firmado entre entidades civis de consumidores e associações de fornecedores ou comerciantes com o objetivo de solucionar questões relativas ao direito do consumidor. Funciona como uma espécie de auto-regulamentação estabelecida entre ambas as partes, que pode abranger questões relativas à qualidade, preço, atendimento e reclamações.

 

De acordo com o presidente do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idecon), Reginaldo Araújo Sena, a principal vantagem deste mecanismo para os varejistas é auxiliar na prevenção e na solução de conflitos com os clientes. Dessa forma, evitam-se processos judiciais que se estenderiam por um longo período nos tribunais, já que as entidades envolvidas podem se encarregar de buscar soluções para os problemas de forma mais ágil e sem intermediários. “Além disso, as lojas também ganham em credibilidade e fidelidade com a Convenção, já que investir em ações desse tipo demonstra respeito e preocupação com o consumidor”, completa Sena.

 

Abertos ao diálogo

 

Foi justamente para melhorar o atendimento e aumentar a credibilidade dos supermercados junto aos clientes que entrou em vigor, em outubro passado, a primeira Convenção Coletiva de Consumo do Estado de Mato Grosso do Sul. Firmada entre a Associação Sul-Mato-Grossense de Supermercados (Amas) e a Associação Brasileira da Cidadania e Defesa do Consumidor (ABCCON/MS), a iniciativa surgiu por intermédio do Procon para marcar o aniversário de 18 anos do CDC, em 11 de setembro. “A idéia inicial era sugerir também aos bancos e às farmácias a criação de Convenções Coletivas de Consumo, mas os supermercadistas foram mais receptivos, o que demonstra um avanço na mentalidade do setor”, conta Lamartine Santos Ribeiro, superintendente do Procon/MS e responsável pela negociação com os varejistas.

 

Para se chegar a um consenso sobre quais cláusulas fariam parte da Convenção Coletiva de Consumo, partiu-se de uma pauta inicial, sugerida pelo Procon de acordo com as principais reclamações dos consumidores relacionadas aos supermercados. “Elenquei as queixas mais recorrentes e encaminhei tanto para a Amas como para a Delegacia do Consumidor (Decon) e para o Ministério Público do Consumidor, pedindo sugestões, alterações ou redução do que havíamos proposto. Nada foi imposto, e sim discutido exaustivamente por todas as partes”, explica Ribeiro.

 

A partir de 12 itens propostos – que abrangem fracionamento de produtos, limite de aquisição de mercadorias por cliente, encargos de cartão de crédito, entre outros – foram definidas nove cláusulas (veja box na pág. 43),  sendo que algumas abrangem mais de um tema. “Temas que acabaram ficando de fora foram o estacionamento gratuito (já que muitos estabelecimentos terceirizam o serviço) e a identificação de origem dos produtos hortifrutigranjeiros (outra polêmica, pois os varejistas compram de fornecedores como o Ceasa e não teriam como reconhecer a procedência das mercadorias)”, diz Ribeiro. No entanto, segundo o superintendente do Procon, a intenção é que estes assuntos sejam reavaliados dentro de um ano, quando expira o prazo da Convenção Coletiva de Consumo e será estudada a possibilidade de renovação do acordo.

 

Código adaptado

 

Nenhuma das cláusulas aprovadas chega a ser uma novidade para o comércio, já que todas foram estabelecidas conforme normas já previstas no Código de Defesa do Consumidor e que dizem respeito, basicamente, a informações prestadas ao consumidor no ponto-de-venda. Para Ribeiro, o que houve foi uma adaptação do CDC à realidade dos supermercados. A partir de agora, por exemplo, todos os estabelecimentos filiados à Amas terão que colocar cartazes nos checkouts  informando que, se forem detectados preços diferentes na gôndola e no caixa, vale o menor valor.

 

Segundo Adeilton Feliciano do Prado, presidente da Amas, outra questão que gerou polêmica entre os supermercadistas refere-se à identificação de valores à vista e parcelados, que devem ser redigidos com o mesmo tamanho no material promocional, evitando confusões quanto ao preço total das mercadorias. “Houve uma discussão maior principalmente entre as grandes redes, que alegaram dificuldade em cumprir a norma devido ao grande número de itens de eletro e eletrônico”, relata. Uma das regras da CCC é que ela só é válida para os estabelecimentos associados à entidade que assinou o acordo. No caso do Mato Grosso do Sul, vale para todos os 350 supermercados do estado filiados à Amas. Os que não se adequarem às normas estão sujeitos a multas entre R$ 200 e R$ 3 milhões.

 

A Convenção Coletiva de Consumo do Mato Grosso do Sul pode ser considerada inédita, já que não há registro de iniciativa semelhante no País, com foco apenas nas relações de consumo. “O que existe são ações mais pontuais, firmadas entre instituições do varejo e associações civis de consumidores, que se referem ao congelamento de preços de determinados produtos em períodos de crise ou entressafra”, esclarece o advogado Vicente de Paula Maciel Júnior, titular da 28ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

 

Consumidoras ativas

 

A primeira CCC de que se tem registro data de 1993 e foi firmada entre o Movimento de Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais e uma rede de supermercados da cidade – o antigo Mineirão, hoje pertencente ao Carrefour. O objetivo era estabilizar o preço dos itens essenciais da cesta básica, numa época em que a inflação subia vertiginosamente dia após dia. “Fizemos diversas reuniões com os lojistas e definimos um preço que não os prejudicasse, mas que também fosse acessível aos consumidores. Ao todo, 37 produtos da cesta básica entraram no acordo, que teve validade por 15 dias”, conta Lúcia Pacífico, presidente do MDC-MG.

 

A iniciativa deu tão certo que, ao todo, oito Convenções Coletivas de Consumo já foram estabelecidas pelo Movimento das Donas de Casa no estado, sendo duas com supermercados, três com o setor de panificação, duas com o setor de hortifrutigranjeiros e uma com os produtores de carne. “A mais recente foi feita com a Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão), em setembro, para regular o valor do quilo do pão, já que os preços estavam muito diferentes entre si.” Esta ação vai valer por três meses e, até lá, as padarias associadas à Amipão não poderão cobrar mais do que R$ 8 pelo quilo do produto.

 

Segundo Lúcia Pacífico, negociar com os varejistas é uma tarefa que requer habilidade e muito diálogo. “Os comerciantes são duros na queda, mas é compreensível, porque quando a ação interfere nos preços, eles dependem também da boa vontade dos fornecedores”, afirma. Em certas ocasiões é muito difícil chegar a um acordo, como na última tentativa feita pela entidade para firmar uma Convenção Coletiva de Consumo com os supermercados, em setembro. “Foi quando começou essa história de crise nos Estados Unidos e nós queríamos garantir um patamar para os preços dos principais produtos da cesta básica”, explica Lúcia. “Mas não teve como negociar, pois os supermercadistas exigiram isenção de certos impostos cobrados pelo governo estadual, o que não tem nada a ver com a CCC.”

 

Reginaldo Sena, do Idecon, acredita que uma das razões da resistência por parte dos varejistas – e que pode justificar o número ainda pequeno de iniciativas semelhantes no País – é a falta de informação sobre o mecanismo e um certo receio em relação a órgãos como o Procon. “O lojista confunde a Convenção Coletiva de Consumo, que é algo voltado para a relação com os clientes, com alguma medida que vai interferir no negócio dele. Isso é um grande equívoco, já que o varejo só tem a ganhar com a instituição das CCCs em relação ao atendimento e à visibilidade das empresas”, alerta.

 

Direitos reforçados

 

Confira as cláusulas da Convenção Coletiva de Consumo firmada pelos supermercadistas do Mato Grosso do Sul

- Os refrigerados e fracionados de gêneros alimentícios deverão conter rótulo com peso, preço, prazo de validade e demais informações na parte frontal da embalagem, observando o que regulamenta o Manual de Boas Práticas, sendo vedada a sobreposição de etiquetas nas referidas embalagens, seguindo por conseguinte a legislação local do estabelecimento comercial.

- Divulgar ao consumidor que é seu direito, quando detectados preços diferentes na gôndola e no banco de dados, o pagamento do menor valor, sendo que essas informações deverão estar afixadas nos caixas, por meio de cartazes. A correção da inexatidão no banco de dados deverá ser imediata à comunicação da ocorrência, feita pelo consumidor.

- O preço sugerido na embalagem pelo fabricante não vincula o estabelecimento comercial.

- A limitação à aquisição de produtos e a limitação de produtos por loja deverão ser amplamente informadas aos consumidores, quando houver publicidade do mesmo por meio da imprensa escrita, radiodifusão e televisiva, de forma clara e ostensiva.

- Deverá ser dada divulgação interna aos consumidores quando houver limitação à aquisição de produtos e limitação de produtos por loja, quando a promoção do produto for feita no interior do estabelecimento supermercadista.

- Na contratação de cartão de crédito deverá ser informado clara e adequadamente ao consumidor sobre a cobrança de encargos de manutenção de conta e taxa de juros de forma expressa, por meio de cartaz afixado no estabelecimento supermercadista.

- É vedado ao estabelecimento supermercadista a cobrança por emissão de carnê de pagamento ou boleto bancário, conforme disposto na Lei Estadual 3.523 de 3 de junho de 2008.

- Que seja amplamente divulgado aos consumidores que, caso os produtos anunciados não sejam encontrados, serão substituídos por outro de igual ou superior característica e qualidade, mediante cartazes afixados no interior do estabelecimento supermercadista.

- É obrigatória a identificação de preço à vista idêntico ou superior ao padrão de fonte da publicidade do preço a prazo.

 

Veículo: Revista do Empreendedor


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