Fisco vence processo contra Colgate

Leia em 5min 50s

A Colgate-Palmolive perdeu no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), antigo Conselho de Contribuintes, uma discussão milionária que envolve a compra da Kolynos, efetuada pela companhia em 1994. Nesta semana, após cinco anos de discussões, o órgão administrativo pôs um ponto final na questão. A empresa tentava anular uma autuação da Receita Federal que questiona a operação realizada pela Colgate-Palmolive para a aquisição da Kolynos. Na Câmara Superior do conselho, o julgamento foi desempatado, em favor do fisco, pelo chamado voto de qualidade do presidente do órgão, o conselheiro Carlos Alberto Barreto, que manteve o auto de infração.

 

A operação de compra foi realizada por meio de um empréstimo estrangeiro de US$ 760 milhões. Na multa lavrada em 2000, o fisco questionava o fato de a empresa ter deduzido os juros pagos pelo empréstimo da base de cálculo do IR nos anos de 1996, 1997 e 1998. A Receita Federal não possui uma estimativa do valor da causa, mas, segundo fontes ouvidas pelo Valor, a autuação envolveria cerca de R$ 80 milhões, em valores atuais. A discussão é o leading case do tema. E caso a empresa recorra da decisão na Justiça, esta será a primeira vez que o Judiciário também avaliará esse tipo de operação.

 

A compra e venda foi realizada a partir de um planejamento complexo que incluiu a criação de novas empresas no Brasil, nos Estados Unidos e no Uruguai. Os ativos e direitos da Kolynos foram formalmente vendidos por uma empresa uruguaia criada pela Laboratórios Wyeth-Whitehall, que era, na época, a fabricante da marca no Brasil. A compra também foi feita por outra empresa uruguaia criada pela Colgate. Os recursos usados para a operação no Uruguai, de US$ 760 milhões, foram repassados por uma empresa criada pelo grupo Colgate no Brasil, a K & S Aquisições, que possuía capital social de apenas R$ 100. Os recursos que chegaram à K & S Aquisições não foram, porém, formalmente declarados como investimento estrangeiro para a compra de participação acionária, mas como empréstimo contraído de outra empresa do grupo Colgate, instalada nos Estados Unidos, a KAC Corp.

 

A estrutura montada no Brasil e no exterior para a compra da Kolynos pela Colgate foi questionada pelo Banco Central, que aplicou uma multa correspondente a cerca de 23% do total de ativos da Colgate-Palmolive. No entanto, em 2007, a operação foi considerada regular pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional - instância administrativa de julgamento de recursos contra penalidades administrativas aplicadas pelo BC - e o processo foi arquivado.

 

Na autuação de 2000, o fisco alegou que por ter sido feita fora do Brasil, a operação evitou a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital. Mas, tendo em vista que a operação foi considerada legal pelo BC, no recurso que chegou ao Carf, o fisco teve de mudar a estratégia e passou a questionar outro ponto da operação. Conforme dados do processo, o fisco argumenta que os juros pagos pela brasileira K&S Aquisições à KAC Corp, em razão do empréstimo de US$ 760 milhões, não poderiam ter sido deduzidos como despesa do IR devido no Brasil, pois não se enquadrariam como uma necessidade para a atividade da empresa. Conforme o artigo 242 do Regulamento do Imposto de Renda de 1994, as despesas não necessárias às atividades do contribuinte devem ser adicionadas ao lucro contábil, e não lançadas como despesas.

 

A Colgate saiu vitoriosa no julgamento do Primeiro Conselho de Contribuintes, antiga instância inicial do Conselho de Contribuintes. O entendimento do conselho era o de que, ao contrário de países como os Estados Unidos e o México, não existe no Brasil qualquer regra de limitação de dedutibilidade de encargos de financiamentos feitos pelo próprio sócio da empresa. Mas, esta semana a Câmara Superior do Carf alterou o posicionamento. Apesar de reconhecerem que não há no país uma legislação específica para limitar o empréstimo estrangeiro, os conselheiros que votaram favoravelmente ao fisco consideraram que a operação de empréstimo ocorreu de fato no Uruguai, e que, ao pagar dívidas que seriam da empresa uruguaia, a empresa brasileira não poderia deduzir os juros como se ela própria tivesse tomado o empréstimo.

 

De acordo com Paulo Riscado, procurador que coordena a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Carf, a polêmica do caso e a forma da operação influenciaram a decisão. Segundo ele, foi levado em consideração a desproporção entre um empréstimo de milhões para uma empresa cujo capital social corresponde a R$ 100,00. "A aquisição feita pela empresa americana tratou-se, na verdade, de um planejamento tributário com o objetivo de reduzir custos no Brasil", afirma Riscado.

 

Apesar de ser um caso isolado, a decisão pode ser um precedente contra esse tipo de planejamento. Para Riscado, embora cada planejamento tributário tenha sua especificidade, o julgamento da Kolynos é um precedente importante que poderá ser utilizado pela Receita no questionamento de casos envolvendo operações complexas de empréstimos estrangeiros. Na opinião do advogado Luis Guilherme Gonçalves, do Noronha Advogados, é comum observar-se operações desse tipo, pois o empréstimo permite mais flexibilidade ao investidor. "No caso do aumento de capital, o investidor fica mais engessado, pois ao devolver o montante para o exterior, o investimento será tributado como ganho de capital", diz .

 

Procurada pelo Valor, a Colgate-Palmolive preferiu não se pronunciar sobre o julgamento.
 


Contexto

 

A compra da marca Kolynos pela Colgate-Palmolive marcou o início da era das grandes aquisições no país, além de ter estabelecido, pela primeira vez, parâmetros mais rígidos em relação à concentração de mercado. A operação foi questionada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com a aquisição, a Colgate, que já tinha 27% de participação no mercado brasileiro de cremes dentais, passou a responder por 78% do total. Para impedir o domínio da multinacional, o Cade determinou a retirada da marca Kolynos por quatro anos, o que levou ao lançamento da marca Sorriso. O prazo expirou em 2002.

 

Dois anos depois da operação, iniciada em 1994, o cenário tributário para a aquisição de empresas brasileiras também mudou. Em 1996, entrou em vigor a Lei nº 9.249, que instituiu a possibilidade de dedução de juros pagos ao acionista até o limite da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Até então, os juros decorrentes do pagamento de investimentos, que resultavam em aumento de capital, não podiam ser deduzidos do cálculo do Imposto de Renda (IR), o que tornava a aquisição de empresas por meio de empréstimos externos muito mais vantajosa em relação a investimentos diretos feitos por estrangeiras em companhias brasileiras.
 


Veículo: Valor Econômico


Veja também

Fazenda paulista volta a protestar contribuintes

Tributário: Fiesp desiste de ação e abre caminho para o fisco paulista  A Fazenda paulista vo...

Veja mais
Yakult é condenada por quebra de contrato

Societário: Multinacional desistiu de comprar indústria de cosméticos  A frustrada opera&cced...

Veja mais
Multa trabalhista tem preferência na massa falida

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais, em uma discussão inovadora, julgou qual é a naturez...

Veja mais
Fazenda regulamenta uso de seguro-fiança

As empresas poderão utilizar com mais confiança o seguro-garantia em ações judiciais de cobr...

Veja mais
Arbitragem se consolida

A arbitragem empresarial está consolidada no Brasil. Essa é uma das principais conclusões de pesqui...

Veja mais
Começa hoje parcelamento de débitos junto ao governo federal

As empresas que compensaram crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e que, com a de...

Veja mais
STF começa a julgar hoje incentivo para exportador

Se derrotadas, empresas poderão ter de pagar R$ 200 bilhões em IPI   O Supremo Tribunal Federal (ST...

Veja mais
Decisão sobre crédito de IPI será contestada

O julgamento que acontece amanhã no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o crédito-prêmio de Imposto...

Veja mais
Cade altera cálculo e eleva valor das multas

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu alterar a forma de cálculo das multas que apli...

Veja mais