Abilio tenta manter poder no conselho

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A profecia está se realizando. A briga de forças para definir quem domina a negociação pelo grupo Pão de Açúcar está tornando a convivência entre a rede francesa Casino e Abilio Diniz, da família fundadora, cada dia mais difícil.

Ontem, Abilio encaminhou uma carta a Jean-Charles Naouri, presidente e dono do Casino, na qual se recusa a convocar uma reunião do conselho de administração - e, posteriormente, uma assembleia de acionistas do Pão de Açúcar - para tratar de uma possível reforma de estatuto da companhia proposta pelo grupo francês. Ele fará apenas uma convocação resumida, para uma das matérias propostas, que trata do plano de opções de ações para executivos.

Abilio alega que as sugestões são tentativas do Casino de, aos poucos, reduzir seu poder como presidente do conselho de administração da empresa, o que feriria o acordo de acionistas que existe entre ambos desde 2006.

Desde junho do ano passado não há mais confiança entre os sócios. Na época, Abilio propôs ao Casino uma combinação com o Carrefour que, na prática, além de ampliar o grupo, anularia o acordo feito há seis anos. Nesse acordo, o filho do fundador, Valentim dos Santos Diniz, aceitou entregar o controle da rede neste ano, tornando-se um minoritário relevante, com alguns vetos. A transição de poder ocorreu em 22 de junho.

De lá para cá, inúmeras tentativas de se desfazer essa sociedade já estiveram na mesa, mas nada avançou, especialmente, por falta de consenso a respeito de preço e sobre o que Abilio Diniz poderá ou não fazer no setor de varejo caso venda sua posição no grupo Pão de Açúcar.

Por trás desse episódio de ontem, está o desejo do Casino e de Abilio de mostrarem sua força sobre a empresa e, com isso, obter vantagem numa negociação.

De um lado, o Casino sugeriu que pretende adotar várias medidas para preparar, gradualmente, a companhia para uma migração para o Novo Mercado. Entre elas, a criação de um comitê de auditoria, um comitê de governança corporativa e a criação de um cargo de vice-presidente do conselho de administração do Pão de Açúcar.

Do outro, Abilio alega que as medidas visam, no fundo, reduzir seu papel de presidente do conselho de administração. Entre os exemplos citados por Abilio para indicar essa intenção está a sugestão feita pelo Casino de que as reuniões do conselho possam ser instaladas com a presença de apenas oito membros, no lugar dos dez atualmente exigidos.

Desde junho, quando a rede francesa assumiu o controle de fato do Pão de Açúcar, o conselho da empresa é formado por 15 membros, sendo oito do Casino, três de Abilio e quatro independentes. Portanto, a sugestão apresentada pelo atual controlador lhe daria condições de fazer uma reunião e aprovar medidas sozinho.

"Diversas alterações demonstram a intenção (...) em criar formas de obstar o exercício de meus direitos e prerrogativas nos termos dos acordos de acionistas (...). As alterações pretendidas, a depender das circunstâncias vindouras, podem colocar em risco a preservação da titularidade do cargo do presidente do conselho de administração por mim, vez que podem impedir ou dificultar a supervisão geral dos negócios e atividades da companhia, o que pode levar a empresa a resultados que permitiriam meu afastamento do cargo", diz Abilio, na carta.

A prova de que por trás dessa discussão está apenas uma briga de poderes para a negociação é o fato de Abilio não ter direitos previstos suficientes para evitar que o assunto seja levado para o conselho e para a assembleia do grupo Pão de Açúcar. Com a recusa do presidente do órgão de fazer a convocação da reunião, outro membro pode assumir esse papel e fazer o assunto prosseguir normalmente, conforme rege o estatuto da empresa.

Na quarta-feira, a reforma do estatuto sugerida será alvo de um debate no conselho de administração de Wilkes, a holding controladora da companhia e na qual estão as ações ordinárias dos agora rivais. Como se trata de uma matéria sobre a qual Abilio não tem veto previsto no acordo de acionistas, a proposta pode a ser aprovada.

Na sua carta de ontem, Abilio pede a reconsideração do Casino de suas sugestões. Consultado, um porta-voz do empresário afirmou que ainda não há uma decisão sobre os próximos passos caso o grupo francês siga adiante com esses planos.

Os temas sobre os quais Abilio possui veto já estão garantidos no acordo e no estatuto de Wilkes e, sendo assim, nem mesmo poderiam prosseguir até o Pão de Açúcar, em caso de discordância do empresário.

Em sua carta, Abilio pede então que "a possibilidade de migração para o Novo Mercado" seja alvo de uma avaliação profunda e cuidadosa da companhia e de seus administradores, caso "a real intenção do Casino seja promover um trabalho conjunto na constante melhoria da governança corporativa" da empresa.


Episódio pode afetar negociações


Esse episódio entre Abilio Diniz e o sócio francês Casino "desceu quadrado" para os representantes de cada um dos lados na negociação para antecipar uma possível saída do empresário do grupo Pão de Açúcar, conforme fontes que acompanham de perto os diálogos. Embora as negociações existam, elas estão paradas há cerca de um mês e meio.

O evento e suas repercussões não ajudam em nada nas conversas. Daí, o entendimento de alguns dos participantes de que se trata de uma briga por poderes para colocar na mesa. Enquanto o Casino quer deixar claro que manda, Abilio não perde a oportunidade de mostrar o que pode fazer, ainda que seja apenas expor o conflito. Tudo isso ajuda na barganha por preço.

Existem duas possibilidades de saída para Abilio que ainda estão na mesa: receber por suas ações ordinárias e preferenciais apenas em dinheiro ou fazer um acerto que lhe permita sair do negócio com a área de eletroeletrônicos organizada na Via Varejo (que reúne as redes Casas Bahia e Ponto Frio). Os valores envolvidos estão entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões.

Abilio é representado, na parte legal, pelo advogado Marcelo Ferro. As negociações são conduzidas pela butique financeira Estáter, que há anos faz as transações do grupo brasileiro. O Casino conta com a assessoria legal de Marcelo Trindade, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os diálogos negociais são liderados pela BR Partners. O banco Rothschild é o representante histórico dos franceses e também auxilia nas conversas, embora não se envolva nessa rotina.

Abilio tem assegurado para si o direito de vender sua participação ao Casino entre 2014 e 2022 pelo maior valor entre uma fórmula matemática com indicadores do Grupo Pão de Açúcar e de companhias pares ou por 95% do valor das preferenciais no mercado. Esse direito é válido apenas para as ações ordinárias que estão vinculadas em Wilkes (a holding controladora da varejista).

Não há nenhum acordo a respeito das preferenciais que o empresário possui.

Após as aquisições do Ponto Frio e das Casas Bahia, o grupo Pão de Açúcar tornou-se uma companhia de receita líquida superior a R$ 40 bilhões (R$ 46,6 bilhões em 2011). Seu valor de mercado está em R$ 23,3 bilhões, considerando a cotação de ontem das ações negociadas em bolsa.

O evento pode agora ou paralisar o debate com questões jurídicas - o principal temor dos negociadores - ou deflagar nova rodada de conversas para breve



Veículo: Valor Econômico


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