A novela societária mais acompanhada nos últimos dois anos, a convivência na maior companhia de varejo do país, Pão de Açúcar, entre o grupo francês Casino e o sócio Abilio Diniz, da família fundadora, está mais próxima de um desfecho.
O Valor apurou que ambos os lados trabalham num modelo convergente para que o casamento, iniciado em 2006, termine com uma separação amigável. A operação tem potencial para movimentar de R$ 7,5 bilhões a R$ 8 bilhões.
Está na mesa uma estrutura em que Abilio Diniz, agora minoritário na empresa, entregaria ao controlador Casino suas ações ordinárias de Pão de Açúcar e as lojas físicas que possui - cerca de 60 pontos, pelos quais recebe um aluguel anual de R$ 165 milhões ao ano - para ficar com o controle da empresa de eletroletrônicos Via Varejo e a companhia de comércio eletrônico Nova Pontocom.
Já parte das preferenciais que o empresário tem na empresa seriam usadas para uma oferta à família Klein, minoritária na Via Varejo, com 47,5% do capital. Contudo, essa fase da negociação não começou, pois depende do passo inicial - um acordo com o Casino. No passado, porém, o tema já foi alvo de conversas.
Os representantes de Abilio e Casino estão empenhados em tirar do papel esse modelo, que inclui detalhes que - no caso dos sócios em questão - costumam dar trabalho nas negociações. Abilio, por exemplo, coloca como ponto crucial ficar com a sede do Pão de Açúcar, a unidade na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na cidade de São Paulo, conhecida por ser a Loja nº 1, onde iniciou o negócio ao lado do pai, o fundador do grupo Valentim dos Santos Diniz.
Com essa estrutura em que os interesses de ambos os lados estão alinhados, fica em segundo plano a migração da empresa para o Novo Mercado como parte importante para dissolução do nó que se tornou a convivência entre os três principais acionistas - Casino, Abilio e família Klein.
Embora a adesão ao nível máximo de governança corporativa nunca tenha sido oficialmente admitida, ela esteve presente em modelos anteriormente conversados e era uma aposta dos acionistas de bolsa. Só neste ano, o valor de mercado do Pão de Açúcar teve valorização de 37%. Na sexta-feira, valia R$ 24 bilhões na BM&FBovespa.
A despeito de os dois lados estarem efetivamente mais abertos para uma negociação, o clima de desconfiança continua. Por essa razão, ambos mantêm "cartas na manga" que terminam por gerar ainda mais insegurança e, por vezes, paralisa o diálogo.
De um lado, Abilio Diniz está com seu "plano B" todo pronto. Caso não haja negócio com o Casino, está estruturado para iniciar a venda das preferenciais na bolsa. Porém, a ideia não é colocar tudo de uma única vez. O empresário detêm 22% das preferenciais - que valem hoje R$ 3,2 bilhões. A transação, porém, só ocorre se o espaço para diálogo com o grupo francês se esgotar.
Jean-Charles Naouri, dono do Casino, marcou uma reunião para amanhã, terça-feira, em que receberá Michael Klein para uma conversa. Nesse encontro, a família Klein pode apresentar uma nova proposta para ficar com a maioria, mas não a totalidade, do capital da Via Varejo, retomando o controle da empresa (ver abaixo).
A reunião ocorrer num momento delicado, já que a empresa está no meio de conversas com Abilio.
A Via Varejo é resultado da união de Ponto Frio e Casas Bahia, adquiridas pelo Pão de Açúcar em 2009 e 2010, respectivamente. Tão logo o negócio foi fechado, a família Klein mostrou-se arrependida.
Além disso, o Casino vem desmontando parte de contratos derivativos de ações preferenciais pelos quais mantinha o poder sobre cerca de 5% do capital do Pão de Açúcar. O grupo francês costuma desfazer essas operações próximo do fim do ano, por conta do balanço anual da empresa. Consultado, o Casino não comenta e confirma só uma pequena movimentação divulgada ao mercado.
O clima entre Naouri e Abilio Diniz é de desconfiança desde 2010, quando o empresário brasileiro - prestes a formalizar a passagem do controle para o sócio francês, com quem tinha um acordo desde 2006 - negociou unilateralmente uma complexa operação em que assumiria o Carrefour no Brasil. Como Casino não aprovou a transação, o negócio não se concretizou. Desde então, além de uma disputa arbitral a respeito do acordo de acionistas de 2006, o episódio rendeu demonstrações de descontentamento com a convivência.
Abilio tem garantido em contrato direito de saída para as ações ordinárias do Pão de Açúcar, abrigadas na holding Wilkes, que pode ser exercido entre 2014 e 2022. Porém, além dessas condições não serem as mais vantajosas no momento, o empresário já não esconde o desejo de sair da companhia.
Com a antecipação da saída de Abilio, que tem o direito de veto e a presidência do conselho de administração, o Casino poderia imprimir sua personalidade ao negócio com menos dificuldades culturais.
Veículo: Valor Econômico