Raphael Klein quebra o silêncio: "Eu gostaria de ficar mais dois anos"

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Neto de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia, Raphael Klein é graduado em administração pela Ford University. Iniciou sua carreira na concessionária Marlin Mazda, em Miami (EUA), e foi gerente geral de uma autorizada da Ford em Coral Gables. Preside a Viavarejo desde a fusão entre Casas Bahia e Ponto Frio.

Às vésperas de deixar a presidência da Viavarejo, Raphael Klein admite que queria mais tempo para fazer seu trabalho "Uma fusão desse tamanho envolve muitos desafios. A implementação é muito mais complicada. Acho que devíamos ter pensado mais na operacionalização do que na negociação. Entre combinar e implementar, há uma grande diferença"

Raphael Klein ainda não começou a limpar as gavetas, mas o discurso já está pronto: "Isso está previsto desde que assinamos o acordo de 2010. Tivemos dois anos para nos preparar. Não há nenhuma surpresa". Daqui a dez dias, ele vai deixar a presidência da Viavarejo, dona das redes Casas Bahia e Ponto Frio, para ocupar uma cadeira no conselho de administração da empresa. Em seu lugar entrará um executivo indicado pelo Grupo Pão de Açúcar, sócio majoritário na Viavarejo.

Apesar da fala conformada, Raphael admite a vontade de ficar mais um tempo à frente da companhia criada por seu avô, Samuel Klein, um imigrante polonês que se tornou um dos mais importantes empreendedores do país ao criar a Casas Bahia a partir de uma charrete e um estoque de toalhas e lençóis baratos, que vendia de porta em porta no ABC paulista. "Gostaria de ficar mais dois anos, não tenho problema em dizer isso. Acredito que meu trabalho ainda não terminou."

Raphael faz questão de dizer que sua família "não está deixando a empresa", já que ele e o pai, Michael, serão atuantes no conselho. Mas estar fora do comando executivo da Viavarejo não parece um tema completamente resolvido para a família que era dona absoluta da Casas Bahia, até fazer uma fusão com o Pão de Açúcar no final de 2009.

Em três anos de sociedade, eles já ameaçaram desfazer o negócio, conseguiram um acordo melhor logo após a fusão e passaram a procurar uma alternativa para assumir o controle da Viavarejo. Nos últimos meses, foram atrás de bancos em busca de assessoria e recursos para levar a intenção adiante.

Na quinta-feira, quando concedeu esta entrevista, Raphael recusou-se a comentar a informação de que sua família preparava uma oferta pela Viavarejo. No sábado, no entanto, o Estado noticiou que seu pai Michael estará amanhã em Paris para apresentar ao grupo Casino, hoje dono do Pão de Açúcar, uma proposta para aumentar sua participação de 47% para algo entre 70% e 75% da Viavarejo. Com isso, os Klein assumiriam o controle da empresa. Nesta entrevista, Raphael fala pela primeira vez sobre o tumultuado relacionamento de sua família com o Pão de Açúcar e faz um resumo dos dois anos em que comandou a Viavarejo.

Dia 22 de novembro será seu último dia na Viavarejo. O que vem depois?

Último dia na presidência executiva. Depois, vou para o conselho de administração. Mas há um ponto importante aqui: a família Klein não está deixando a empresa. Vamos ter dois membros no conselho, meu pai e eu, e seremos muito atuantes. A operação do dia a dia vai ter um executivo, que o Grupo Pão de Açúcar vai indicar. O conselho será mais atuante na companhia. Houve uma modificação e as reuniões, que eram a cada 60 dias, serão feitas a cada 30 dias.

Mas a Casas Bahia, do jeito que seu avô Samuel construiu, está acabando, não? Agora ela faz parte do Grupo Pão de Açúcar e você será o último da família a comandar o dia a dia da empresa... Isso está previsto desde que assinamos o acordo de 2010. Tivemos dois anos para nos preparar, nos estruturar. Não há nenhuma surpresa. É o caminho natural das coisas.

Não dói nem um pouquinho?

Eu gostaria de ficar mais dois anos, não tenho problema em falar nisso. Acredito que meu trabalho ainda não terminou. Gostaria de ficar mais dois anos para terminar. Amo essa empresa, sou apaixonado pelas pessoas que a construíram. Comecei a frequentar a Casas Bahia com seis anos de idade. Nas férias escolares, todo mundo ia fazer alguma coisa, meu pai me levava para a loja. Andava de Velotrol lá dentro, ajudava a arrumar o estoque, às vezes atrapalhava, conhecia todo mundo... Mas a mudança estava prevista e a gente se preparou para isso.

O que Samuel Klein pensa disso?

Meu avô costuma dizer que o que nos trouxe até aqui não é necessariamente o que nos levará ao futuro. A empresa precisa se perpetuar e essa fusão é uma forma de fazer isso. No Pão de Açúcar acaba de acontecer a mesma coisa. Tanto Seu Samuel quanto Abilio Diniz não têm mais o controle das empresas que criaram. O desafio agora está com os executivos. Terão de se provar competentes e que conseguem tocar a Viavarejo sem a família Klein na operação. Mas estaremos no conselho.

Hoje sua família tem 47% da Viavarejo. Fontes próximas a vocês dizem que a intenção é aumentar a participação para ficar com o controle...

Temos um contrato assinado em 2010. É um bom contrato.

Temos informações de que vocês vão apresentar ao Casino uma proposta para aumentar a participação da família para algo entre 70% e 75% ...

Você está no seu direito de fazer a pergunta, mas não posso comentar.

Nem dizer se há interesse?

Prefiro não comentar.

É melhor ser sócio de Abilio Diniz ou do Casino?

Que pergunta! Não sei, estamos começando uma página nova agora. Daqui a dois anos a gente pode conversar. Se pudesse ver o futuro, eu te falaria. Também adoraria saber. Mas espero que o Casino, que controla o Pão de Açúcar, seja bem sucedido no Brasil como é em várias partes do mundo. A partir de agora, eles podem indicar toda a diretoria. Espero que façam bom uso disso.

A relação com seus sócios tem sido difícil desde o começo. Vocês já refizeram o contrato uma vez e agora há um novo questionamento a respeito dos números do Ponto Frio. Vocês se arrependeram de ter feito negócio com o Pão de Açúcar?

Não. Tenho certeza de que o contrato que assinamos em 2010 (o segundo) é bom. Não estou arrependido.

Por que há tantos problemas?

Uma fusão desse tamanho envolve muitos desafios. Quando se faz um negócio desses, o Power Point e o Excel aceitam qualquer coisa. A implementação é muito mais complicada. Tivemos problemas? Tivemos. Acho que devíamos ter pensado mais na operacionalização do que na negociação. Entre combinar e implementar, há uma grande diferença.

É por isso que vocês brigam tanto?

Briga é uma palavra muito forte. Temos divergências societárias, mas elas vão se ajeitando ao longo do tempo. Acho que todo mundo aprendeu com nossa fusão, para o bem ou para o mal. Conforme a gente vai implementando o contrato surgem questões e a gente as discute. Faz parte.

Com base numa análise preliminar da KPMG, vocês questionaram os números do Ponto Frio na época da fusão. E ameaçaram ir para uma arbitragem se o Pão de Açúcar não quiser discutir o assunto de forma amigável...

Tem um trabalho da KPMG sendo feito, aprovado por todos os membros do conselho. É a única coisa que posso dizer sobre isso.

Pessoas ligadas ao Pão de Açúcar dizem que vocês não conseguiram se desgarrar do papel de donos da Casas Bahia. Dizem que vocês usam aviões da empresa em situações particulares, que alugam seus imóveis para a

Viavarejo...

Tudo o que se refere a partes relacionadas (contratos da Viavarejo com outras empresas ligadas aos acionistas) foi levado ao conselho da empresa para ser debatido, com total transparência. Tem as lojas da família e tem também lojas alugadas para o Pão de Açúcar, que pertenciam ao Extra Eletro. Sobre as aeronaves, há uma proposta de contrato que vai definir quais as regras para usá-las.

Como foi juntar duas empresas tão grandes, com culturas tão diferentes?

As duas empresas estavam em momentos diferentes: o Ponto Frio tinha ficado à venda por muito tempo e a Casas Bahia era uma empresa familiar que, depois da fusão com o Pão de Açúcar, estava partindo para uma gestão de empresa de capital aberto. Criamos uma cultura da Viavarejo, que é diferente da Casas Bahia antiga, do Ponto Frio antigo, do Pão de Açúcar. Implantamos o sistema operacional de vendas da Casas Bahia no Ponto Frio, numa madrugada, com cerca de 2 mil pessoas trabalhando nisso. Tivemos que quebrar diversos paradigmas, de um lado e de outro.

Como o quê?

Até 2010 éramos concorrentes. Juntamos milhares de pessoas que pensavam diferente, competiam entre si. Remar no mesmo barco para o mesmo lugar é uma quebra de paradigma. A Casas Bahia, como empresa familiar, tinha mais flexibilidade nas metas. O Ponto Frio tinha um problema estrutural de logística. Ele vendia e depois precisava ver como fazia para entregar. Agora, só vende se tiver no estoque. Não tem, não vende. No Ponto Frio fizemos um posicionamento de imagem. Não tinha um slogan, agora tem. Do mesmo jeito que Casas Bahia tem "Dedicação total a você", Ponto Frio agora tem "Viva inovação". É uma marca de grande potencial. As lojas conceito do Ponto Frio são modernas, respiram tecnologia, têm um leque diferente de produtos. Temos um treinamento específico para essas lojas. Antigamente eles iam atrás do que a Casas Bahia fazia.

Apesar das mudanças na companhia, a fusão ainda não foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)...

O Cade ainda não aprovou a fusão. Precisamos manter operações logísticas separadas, temos CNPJ separados... Mesmo assim, tenho certeza de que os resultados são crescentes, positivos e que a empresa que entrego hoje tem resultados sustentáveis. Em 2010, nossa despesa operacional era de 25,1%. No último trimestre, foi 21,2%. Saímos de um grande prejuízo em 2010, de quase R$ 300 milhões, para entregar um lucro acumulado em nove meses em 2012 de R$ 88 milhões. Na minha visão, é muito bom. Estamos no caminho certo.



Veículo: O Estado de S.Paulo



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