Há um ano, o Casino tornou-se o controlador isolado do Grupo Pão de Açúcar, a maior companhia de varejo do Brasil, com 1,9 mil lojas, 151 mil funcionários e receita bruta que pode superar R$ 63 bilhões neste ano. A operação brasileira é responsável por 42% das vendas totais. No primeiro ano dos franceses no controle, o conselho de administração do grupo se tornou palco de queda de braços com o sócio brasileiro e atual desafeto, Abilio Diniz.
A despeito da guerrilha pública entre os principais acionistas - Jean-Charles Naouri, do Casino, e Abilio - depois que este tentou uma associação com o Carrefour em 2011, o mercado deu o benefício da dúvida sobre os efeitos do conflito no negócio. O valor de mercado de GPA cresceu, nos últimos 12 meses, de R$ 19,6 bilhões a R$ 25,2 bilhões. O maior valor em bolsa foi alcançada em maio, quando superou R$ 30 bilhões. O grupo, que passou por uma guinada estratégica de 2008 a 2012, tenta extrair das decisões de seu comando melhores números.
Nesse ambiente de poucos amigos, mas com as principais linhas estratégicas desenhadas, o Casino exerceu seu comando por meio do fortalecimento do poder em torno de Enéas Pestana, presidente executivo do GPA - vindo da gestão de Abilio. Sem o sócio fundador no comando, Pestana é a figura que o controlador precisava. A política do grupo francês em seus negócios internacionais é ter a administração nas mãos de gestores locais. O Casino tem negócios também na Colômbia, Tailândia e Vietnã.
O desempenho registrado nos balanços (ver ao lado) tem sido sustentado pela manutenção do direcionamento que os sócios, antes das desavenças, já vinham dando ao negócio.
Num olhar a médio prazo, o Casino tem alguns focos mais estratégicos de atuação para o grupo. Entre eles, uma ação mais agressiva no negócio de pequenos shopping centers. A operação do GPA Malls & Properties ganhou força no grupo a partir de 2011.
Naouri também quer um trabalho mais forte no segmento de marcas próprias. Entende que é um negócio que poderia ser bem maior dentro do grupo, e vai usar a experiência que tem no mundo para isso. Abilio e Casino também concordam em um outro ponto: nos próximos anos, os negócios da bandeira de comércio atacadista Assaí e do Minimercado Extra devem crescer.
O clima positivo dos balancetes, porém, não se repete no conselho de administração da companhia. Seu presidente executivo e responsável pela interação com os gestores, Abilio não tem mais a confiança do controlador e vice-versa. O papel de um conselho é, em essência, cuidar de questões estratégicas relevantes e fiscalizar a administração.
O aniversário do Casino no Brasil coincide com os primeiros sinais de que os problemas de convivência entre os dois principais sócios começam a se espraiar e a troca de cartas envolvendo os sócios - que se tornou corriqueira neste ano - ganhou maiores proporções.
Há cerca de um mês, Antonio Ramatis surpreendentemente deixou a presidência da Via Varejo, braço de eletroeletrônicos do grupo. Ficou apenas cinco meses à frente da operação, vindo da diretoria de GPA. Registrou em carta, sem meias palavras, os motivos para a saída: sofria interferência de executivos em seu trabalho e não concordava com o plano de opções de ações, parte importante de sua remuneração.
Na semana passada, foi a vez Claudio Galeazzi deixar sua carta na história desse movimentado conselho. Escolhido por Abilio para ocupar uma das três vagas a que tem direito no conselho de GPA, renunciou com uma correspondência que trazia críticas pesadas ao estilo de gestão do Casino - muito mais aos problemas de convivência do que questionamentos estratégicos. Ele sentiu-se pressionado por ser também consultor da BRF, a fabricante de alimentos cujo conselho de administração é presidido por Abilio. Casino apontava haver conflito de interesses na sobreposição dessas funções.
O conselho de administração de GPA, neste primeiro ano sob o comando do controlador francês, sofreu mudanças relevantes. O colegiado passou a ser composto por 15 membros, sendo oito indicados pelos franceses.
Os embates nas reuniões desse grupo foram cansando também os demais participantes, sempre copiados nas correspondências belicosas entre os acionistas -o Valor teve acesso a essa comunicação diversas vezes.
Cândido Bracher renunciou no começo deste ano, depois de passar um período ausente dos encontros. Foi substituído pela ex-presidente a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Maria Helena Santana, que coordena o comitê de governança corporativa da empresa. O executivo Fabio Schvartasman, presidente da Klabin, também estava propenso a deixar o colegiado por conta das discussões, mas acabou demovido da ideia.
A preocupação de quem assiste ao conflito de fora - minimizada pelos bons resultados do negócio até o momento - é com a duração desse cenário, já que o direito de saída de Abilio tem validade até 2022. Há consciência de que não é sustentável o prejuízo à eficiência do conselho de administração por conta das desavenças entre os sócios.
A presidência do conselho e o papel de ponte entre a gestão dos negócios e o colegiado são garantidos a Abilio pelo contrato assinado em 2005.
O discurso recorrente de Abilio e do Casino é da existência de esforços para blindar a companhia dos problemas entre eles. E a centralização do poder em Pestana é um dos caminhos adotados.
A abertura de processos na câmara de arbitragem também servem para transferir para um tribunal externo alguns embates, especialmente sobre a existência ou não de conflitos de interesses no fato de Abilio ocupar a presidência dos conselhos de BRF e GPA, bem como a tentativa de negociação com o Carrefour. Foi uma forma de tentar limitar efeitos nocivos ao conselho e eventualmente à operação da empresa.
Neste primeiro ano do Casino no comando, também houve uma preocupação de colocar o GPA no modelo do controlador. Para isso, aos poucos, os hábitos do antigo dono e suas marcas estão, lentamente, sendo retirados da rotina da empresa.
Abilio estava habituado a gerir o negócio com uma estrutura aberta entre os membros da diretoria, chamada Direx, seguindo o modelo Ambev de governar. Mas a Direx não trabalha mais nesse modelo desde o fim de 2012.
Com a demissão de três executivos da diretoria em agosto de 2012, ela foi encolhida de 8 para 5 pessoas. Neste ano, sobraram 4 executivos na sala da Direx, com a transferência de um vice-presidente a um prédio anexo à sede. Agora, todos os diretores de cada bandeira trabalham nos prédios onde estão os seus negócios e se reúnem com Pestana a cada semana.
Outra rotina de Abilio eram as famosas reuniões plenárias de segunda-feira, criadas por ele há duas décadas, para 300, 400 pessoas. Agora, a reunião ocorre mensalmente. Ela perdeu o sentido, na análise do controlador. Custava caro pois era preciso trazer funcionários de todo o país, uma vez por semana, para um encontro de duas horas. E ficou pequena para um negócio que cresceu muito. A plenária foi substituída por encontros semanais de cada negócio (supermercados, hipermercados, atacado, venda on-line e varejo eletroeletrônico) com Pestana.
A marca do Casino é deixar suas operações no exterior nas mãos de gestores locais. Não há o desejo de implantar uma "cultura Casino". O objetivo dos franceses é transmitir a ideia de uma gestão profissionalizada, conduzida por executivos sem idiossincrasias.
Foram esses executivos as peças-chave para que questões essenciais ao dia-a-dia da operação conseguissem avançar. Pestana deixou claro aos diretores que aquela era uma questão de acionistas, não do corpo executivo. Ajudou a blindar a companhia, que tem registrado resultados que mostram que a empresa está "no caminho certo", segundo relatórios de bancos.
O Grupo Pão de Açúcar acumula indicadores crescentes de rentabibilidade. No ano passado, a receita líquida avançou 9,3%, para R$ 50,9 bilhões. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) subiu três vezes mais: 30,3%, somando R$ 3,67 bilhões, com margem de 7,2%. E o lucro líquido saltou 60,7%, para R$ 1,15 bilhão. O ritmo no primeiro trimestre deste ano também é positivo.
Veículo: Valor Econômico