Por que o Tiger Global, o fundo de investimento do co-fundador americano Charles Coleman (um dos 300 homens mais ricos do mundo), colocaria até US$ 500 milhões na B2W, de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira - uma empresa que está desde 2011 no prejuízo e que, por três anos seguidos, cresceu menos que o mercado? Mais do que isso, injetaria essa soma na B2W para ter uma participação minoritária sem acordo de acionistas ou ingerência na governança?
O que a princípio parece fazer pouco sentido, nas análises do mercado fica mais compreensível. Na avaliação de especialistas que acompanham a empresa, os fundos de investimento do Tiger podem ter entrado agora para sair da operação, a médio e longo prazo, provavelmente por meio da venda da B2W a empresas (inclusive com estrangeiras no páreo). A hipótese é que ele ganhe nessa saída.
A equipe da Bradesco Corretora vê dois cenários possíveis para o Tiger: rentabilizar o investimento com a possível 'virada' da B2W ou ganhar quando a B2W for vendida. "Na nossa visão, o Tiger deve fazer uma aposta a longo prazo no comércio on-line do Brasil e na sua consolidação, juntamente com uma 'virada' da empresa, já que é um investidor ativo em ações de internet e tecnologia no mundo", escrevem em relatório Ricardo Boiati e Pedro Bueno. "Ou podem tentar sair por meio de uma venda ou fusão com outro competidor local ou estrangeiro".
Na avaliação de Guilherme Assis, da Brasil Plural, "por enquanto, o mais óbvio passo seguinte seria uma negociação potencial para vender B2W a um jogador estrangeiro, mas ainda parece ser uma ideia improvável e, para nós, o risco é muito alto e há fatores complicadores", escreveu em relatório.
Com US$ 6 bilhões em ativos no mundo, o Tiger deve entrar na empresa para atingir participação de, no mínimo, 7%, e no máximo 19%, a depender do volume da capitalização, que pode variar de R$ 459,17 milhões a R$ 1,2 bilhão, segundo fato relevante publicado na sexta-feira. Os fundos de investimento dessa operação são Tiger Global Long Opportunities Brazil e Tiger Global Brazil.
"É pouco provável que tenham entrado [o Tiger] sem saber se os donos da Lasa [Lojas Americanas] topariam ou não uma venda ou fusão lá na frente", disse um analista ouvido ontem pelo Valor. Com a capitalização, os sócios poderiam "arrumar a casa" rapidamente e atrair interessados no negócio.
De acordo com o estatuto social da B2W, acionistas minoritários têm direito a uma oferta por seus papéis (tag-along) apenas se outro investidor atingir uma participação de 20% do capital - o que não é o caso nessa capitalização. Com o Tiger Global ficando com, no máximo, 19% da empresa como foi acordado entre o Tiger e os sócios da Lojas Americanas, os minoritários não terão esse direito. A compra da fatia minoritária não contempla assinatura de acordo de acionistas e nem acordo relacionado à governança da B2W.
A entrada na B2W reforça o portfólio do Tiger no país. Apesar de seu foco em tecnologia e comércio on-line, em especial nos países emergentes, o fundo ainda tinha uma operação pouco relevante no Brasil. Por aqui, é sócio minoritário na Netshoes desde 2009 e no Peixe Urbano em 2011. Ao incluir a B2W nesse grupo, a carteira ganha um salto pela importância dos ativos. São líderes de um setor que deve crescer em torno de 30% no país ao ano entre 2011 e 2016, segundo a Forrester Research - versus alta de 13% a 15% no mundo.
Globalmente, o Tiger é acionista da Amazon, maior varejista on-line do mundo e com planos de expandir atuação no Brasil. A Amazon é uma antiga interessada que já visitou a operação da B2W no anos atrás, apurou o Valor.
O que também pode explicar o interesse do Tiger na B2W é algo que a própria controladora Lojas Americanas anda fazendo questão de ressaltar. Houve melhorias na operação, após três anos de perdas e queda nos níveis de serviço. O prejuízo já diminuiu em 2013 após ajustes nas despesas. O que os controladores podem ter mostrado é que, com mais um "empurrão", a empresa entraria novamente no rumo certo. O novo sócio, agora, conta com isso.
Capitalização pode abrir espaço para retorno ao lucro
O anúncio da capitalização na B2W pela Lojas Americanas e pelo fundo Tiger Global, com prêmio estimado superior a 60%, puxou o preço das ações ontem. A alta foi de 41,61%, para R$ 21,95. A ação não atingia esse patamar desde abril de 2011. O valor de mercado da varejista on-line, em R$ 2,46 bilhões no fim da semana passada, atingiu ontem R$ 3,5 bilhões.
A expectativa de que o aporte coloque a B2W de volta ao lucro, após três anos no vermelho, elevou os ânimos dos investidores e analistas. Estes revisaram para cima o preço alvo da ação - ainda abaixo, porém, dos R$ 25 ofertados por papel na operação de aumento de capital, estimada em R$ 2,38 bilhões.
Se alcançar esse soma bilionária, será possível cobrir necessidades de investimentos e de capital de giro até 2018, calcula a equipe de análises da Brasil Plural. Os analistas estimam R$ 1,3 bilhão em gastos em investimentos e mais R$ 1,1 bilhão em capital de giro nos próximos cinco anos. Para a Votorantim Corretora, a estimada perda líquida de R$ 141, 8 milhões para a B2W em 2014 se transformou, por causa do aporte, em previsão de lucro líquido de R$ 41,5 milhões no ano. O Bank of America Merrill Lynch (BofA) prevê agora redução de 76% no prejuízo para 2014, mas a empresa continuaria com perdas, de R$ 31,3 milhões no ano. A dívida líquida diminuiria de R$ 3 bilhões para R$ 700 milhões.
Todas as casas de análise ressaltaram o efeito positivo do novo fôlego que a B2W ganha. A capitalização é um "divisor de águas", diz a equipe do Credit Suisse, também pelo potencial de aumento da liquidez e de redução das despesas financeiras. Alguns analistas destacaram efeitos negativos para a controladora a Lojas Americanas. As ações preferenciais desta fecharam ontem com leve alta de 1%, a R$ 14,90. Pelo acordo, a Lojas Americanas deve injetar até R$ 1,02 bilhão na B2W e a Tiger Global, entre R$ 459,2 milhões e R$ 1,2 bilhão.
Na XP Investimentos, o aporte é avaliado de forma negativa para a controladora. Pesa nas análises o elevado desembolso de caixa à B2W num período em que o caixa da Americanas soma R$ 5 bilhões e o endividamento, R$ 7,7 bilhões.
A decisão da controladora mostra como ela está "comprometida" com o negócio, escreve Ricardo Boiati, analista do Bradesco. No entanto, "a real criação de valor dependerá de a empresa alcançar bons números operacionais consistentes, construindo uma vantagem e geração de fluxo de caixa competitivo daqui para frente". O último aumento de capital (de R$ 1 bilhão em 2011), diz Boiati, não criou um "caminho de auto-financiamento para a B2W".
A Lojas Americanas tem hoje 62,2% da B2W e o fundo com maior participação na empresa hoje é o Massachusetts Mutual Life Insurance, seguradora e gestora de fundos de investimento americana, por meio de sua subsidiária Oppenheimer. Os fundos do Tiger Global se tornarão o segundo maior acionista da B2W.
Analistas ouvidos ontem não acreditam que a ação ON da empresa chegará, até o fim do ano, nos R$ 25 ofertados na capitalização anunciada. O valor máximo, após revisão do preço alvo pelas casas de análise ontem, está em R$ 20 - ainda distante dos R$ 25, mas o número chegou a dobrar - caso do Credit Suisse, de R$ 10 para R$ 20
Veículo: Valor Econômico