Universidade escocesa desenvolve nova geração de produto, que aumenta vida útil dos alimentos
Todos os anos, milhares de pessoas são internadas no mundo com intoxicação alimentar. Quase sempre, trata-se de casos em que o consumidor não prestou atenção na data de validade do alimento ou simplesmente a ignorou, na mais equivocada aplicação do ditado "o que não mata, engorda".
Mas uma nova geração de plásticos promete reduzir de forma significativa episódios assim. O anúncio mais alardeado foi feito em janeiro pela Universidade Strathclyde, na Escócia: os cientistas desenvolveram uma embalagem que muda de cor caso o alimento tenha sido refrigerado de forma incorreta, se a embalagem foi danificada ou à medida que o alimento ultrapassa a validade.
Desenvolvida pela equipe de Andrew Mills, pesquisador do Departamento de Química Pura e Aplicada da Strathclyde, o produto contou com investimento de US$ 523 mil e pode resolver outro problema grave até nos países mais desenvolvidos: o desperdício de alimentos, uma vez que a mudança de cor do plástico passa a ser o melhor termômetro de frescor.
"Esperamos reduzir os riscos de pessoas ingerirem alimentos que não podem ser mais consumidos e prevenir o desperdício de alimentos, prejudicial tanto ao ambiente quanto à economia", disse Mills, que espera ver em breve o uso comercial da tecnologia nas indústrias de carnes e frutos do mar.
A embalagem de Strathclyde é um pulo tecnológico perseguido por praticamente todos os grandes laboratórios acadêmicos e empresas da área química do mundo, e faz parte do novo conceito de material no qual a própria embalagem informa o consumidor sobre um fato ou, melhor ainda, atua diretamente sobre o produto.
"As embalagens do futuro terão de ir além da função básica de contenção do produto. Elas terão que estender a vida útil do produto também", diz Eloísa Garcia, gerente do grupo de embalagens plásticas do Centro de Tecnologia de Embalagens (Cetea), do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital).
Há dois anos, a DuPont começou a pesquisar embalagens a pedido da indústria de salmão do Chile. O desafio era criar uma resina que permitisse o fluxo exato de oxigênio para manter a integridade do pescado - nem mais, o que avançaria sua decomposição, nem menos. E conseguiu, graças ao rearranjo que permitiu espaçamento maior da cadeia molecular.
"Começamos com o salmão do Chile, mas esta é um tecnologia com vocação de exportação para outros produtos", afirma Silverio Giesteira, líder da América Latina para o setor de polímeros. Segundo ele, a DuPont investirá este ano US$ 100 mil em pesquisas relacionadas a filmes plásticos para o mercado de carne - outro grande filão da indústria -, em parcerias com o Centro Tecnológico da Carne (CTC), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Cetal.
Mas se dosar a entrada de oxigênio na embalagem começa a ser uma realidade, o objetivo inverso ainda é um desafio: como retirar o oxigênio que naturalmente transpassa o plástico? Essa é a resposta de alguns milhares de reais que as gigantescas indústrias de sucos e de embutidos gostariam de ter.
Os pesquisadores do Cetea se debruçam há dez anos sobre isso. É o que, no mercado, chama-se "unmet needs" - necessidades para as quais ainda não existem soluções.
"Trabalhamos com pesquisa aplicada à indústria. E o mercado está de olho nisso", afirma Eloísa, a especialista do Cetea no assunto. De acordo com ela, as principais linhas de investigação científica hoje são voltadas à agregação de funções. Além das embalagens que "comem" o oxigênio ou controlam o seu fluxo, há também aquelas "ativas" que, como próprio nome sugere, atuam sobre o produto.
Com um histórico no Brasil mais recente - as pesquisas no Cetea datam de três anos para cá -, as embalagens ativas trabalham basicamente com agentes microbianos. Eles inibem o crescimento natural de microorganismos nos alimentos. Pense em uma embalagem que retarde o emboloramento de um sanduíche natural. Ou em uma garrafa Tetra Pak de suco de laranja. "Hoje, muitas bebidas necessitam de tratamento térmico para manter o equilíbrio de microorganismos. Com uma embalagens dessas, estende-se a durabilidade do produto", explica Eloísa.
A grande demanda, no entanto, ainda é a melhoria de performance do plástico com olhos na sustentabilidade. Nesse sentido, a Dow Química, outra gigante do setor, vem apostando muitas de suas fichas. Sem revelar detalhes nem investimentos, por uma questão de segredo de negócio, a múlti americana no país afirma que trabalha com a polimerização no limite de arquitetura molecular.
Em outras palavras, tenta criar uma embalagem plástica com menos matéria-prima e mais resistência. Mariana Mancini, líder de Suporte Técnico e Desenvolvimento América Latina para embalagens rígidas e duráveis da Dow, exemplifica: se uma garrafa de detergente contém 19 gramas, seu peso poderia ser reduzido em 5%. Dependendo da embalagem, é possível chegar à redução de 10%. "O plástico do futuro é o que ajuda a reduzir o impacto na cadeia", diz a executiva. "O desafio é criar garrafas com menos matéria-pria mas que mantenham suas propriedades - se sustentem em pé e não quebrem quando empilhadas".
A Braskem, maior petroquímica das Américas, segue a mesma trilha. Fabio Lamon, gerente de desenvolvimento de produtos da petroquímica, diz que o ponto de partida foi entre 2006 e 2007, quando o grupo fez o depósito da patente de seu plástico inteligente. Sem revelar detalhes, Lamon afirma que o grupo não segue a tradicional rota de pesquisa com íons metálicos (à base de cobre, por exemplo). "Temos nossa tecnologia própria".
Veículo: Valor Econômico