A economia no uso da água, com ênfase na reutilização, e investimentos em novas tecnologias para reduzir emissões são os aspectos mais evidentes dos esforços da indústria brasileira em busca da sustentabilidade da produção, mas o setor reconhece que ainda há muito por fazer. "A indústria está fazendo a lição de casa desde 1972 (quando foi criado o Departamento de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp), mas sabemos que temos muito que fazer para essa nova travessia", disse Mario Hirose, diretor da área ambiental da Fiesp, durante o painel "Diálogos sobre Mudança do Clima" realizado na quarta-feira, no evento Humanidade 2012, realizado paralelamente à Conferência Rio+20.
Segundo Luiz Augusto Carneiro, gerente de meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), pesquisa feita pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que 70% das empresas industriais do país já possuem metas de redução do consumo da água e 65% fazem o chamado reúso do líquido. O diretor de assuntos ambientais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Rinaldo Mancin, disse que cerca de 85% da água utilizada pelo setor é reciclada, apesar da sua imagem negativa, e de ele ser visto como um dos vilões da degradação ambiental.
No setor siderúrgico, responsável pela transformação da maior parcela da produção mineral e também associado à baixa sustentabilidade, o esforço é pela busca de tecnologias que permitam utilizar nessa transformação fontes de energia menos poluentes. Segundo Marcelo Behar, diretor corporativo da CSN, especializada na produção de aços planos e que se prepara para entrar no segmento de aços longos, a empresa vem estudando utilizar carvão vegetal, produzido a partir de florestas plantadas, como fonte de energia para sua futura usina de vergalhões, fios e similares. O carvão vegetal entra como substituto das tecnologias de carvão mineral e de fornos elétricos (mini-mills).
Segundo Behar, o problema é que o custo da floresta plantada ainda é maior do que o da energia elétrica usada nas chamadas mini-mills. "O importante é haver a convergência de fatores que torne viável a mudança da rota tecnológica", disse. O diretor da CSN acrescentou que havendo "vontade do governo" e recursos no setor privado para investir, em sete a oito anos, que é o prazo necessário ao amadurecimento de uma floresta plantada, a nova tecnologia estará em condições de ser posta em prática comercial no país.
Paralelamente, de acordo com o executivo, a CSN trabalha para ampliar cada vez mais a cogeração de energia elétrica a partir de fontes renováveis. Ele ressaltou que a maior fonte de emissões da siderurgia vem da energia utilizada. Sobre a legislação brasileira, Behar disse que o melhor seria ter um "modelo nacional que não seja punitivo e nem restritivo à competitividade", ressaltando que a construção de um mercado de carbono no país precisa ser "uma construção conjunta" e não imposta às empresas.
Hirose, da Fiesp, ressaltou a necessidade da criação de mecanismos de redução das emissões "por meio de novas tecnologias" e citou o exemplo da indústria automobilística a partir da introdução do catalisador como equipamento obrigatório nos veículos para a redução das emissões poluentes.
Custo deve ser diluído na cadeia produtiva
A incorporação dos custos sociais e ambientais à cadeia de produção é um dos requisitos para a sustentabilidade ganhar escala no setor empresarial brasileiro. A ideia foi defendida no seminário "Produção e Consumo Sustentável: Governança Nacional e Global, Avanços da Indústria no Brasil e Perspectivas Pós-Rio+20", no terceiro dia do fórum Humanidade 2012, promovido pelas federações das indústrias de São Paulo (Fiesp) e Rio de Janeiro (Firjan) no Forte de Copacabana.
Reeducação dos padrões de consumo, desenvolvimento tecnológico e incentivo governamental também poderiam garantir um novo patamar à produção industrial no país com menos impacto no meio ambiente.
"O desafio é incorporar os custos ambientais e sociais ao preço do produto. Parece difícil, mas no dia em que esse produto se tornar economicamente atraente, todo mundo só vai querer comprá-lo, por causa dos atrativos sociais e ambientais", defendeu Jorge Souto, diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem.
"Enquanto não se disseminar a concepção de que sustentabilidade tem que ser medida e ao mesmo tempo dar lucro, teremos empresas que fazem muito e empresas que não fazem nada, todas pressionadas pelo mercado", disse Marlúcio Borges, diretor do Departamento de Meio Ambiente da Fiesp. "Todo mundo é a favor da sustentabilidade, mas para que alguém mude seus hábitos de consumo é preciso um processo de reeducação", afirmou Leonardo Miyao, diretor comercial de perecíveis do Grupo Pão de Açúcar.
A apresentação de um vídeo com os avanços em sustentabilidade promovidos pelo setor industrial brasileiro abriu o encontro que reuniu representantes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), do Ministério do Meio Ambiente e da indústria nacional. O trabalho mostrou que 48% das indústrias brasileiras têm projetos para reduzir a emissão de gases do efeito estufa e que está consolidada a posição do país de campeão mundial na reciclagem de latas de alumínio de cervejas e refrigerantes.
Jorge Soto, da Braskem, revelou que a indústria nacional tem padrões de produção mais sustentáveis que as do resto do mundo em parte por causa da matriz energética limpa. Ele disse ainda que o Brasil é o maior produtor mundial de biopolímeros a partir da tecnologia da cana-de-açúcar que captura CO2 da atmosfera. O diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem chamou a atenção também para a importância de o consumidor avaliar o ciclo de vida de cada produto antes de decidir, por exemplo, se o uso de uma peça de madeira é mais sustentável que uma de plástico.
"A sustentabilidade é irreversível. Muitas empresas têm incluído o desenvolvimento sustentável como estratégia de negócio", afirmou Jorge Soto. "No curto prazo, o salto das empresas brasileiras em sustentabilidade depende de incentivo para o desenvolvimento de pesquisas tecnológicas ou da redução de tributos."
Leonardo Miyao, do Pão-de-Açúcar, que tem 1.802 lojas e detém 23,5% do mercado, com vendas que chegaram a R$ 53 bilhões no ano passado, destacou os programas que a rede varejista tem adotado para combinar a sustentabilidade à melhoria dos produtos oferecidos ao consumidor.
Uma das iniciativas de sucesso foi o programa Qualidade Desde a Origem, que garantiu a redução de 1.800 toneladas de batatas devolvidas por ano por falta de qualidade para 300 toneladas. O programa levou os fornecedores a adotar programas de aprimoramento no plantio e evitou emissões desnecessárias de CO2 com o transporte de produtos estragados.
O que no começo era despesa, porque era preciso contratar agrônomo, tornou-se ganho de renda. O executivo acredita que a dificuldade da iniciativa da rede de supermercados em substituir os sacos plásticos por sacolas é reflexo de uma das dificuldades na transição para uma economia sustentável: a resistência do consumidor em mudar seus hábitos de consumo. "Insistir em medidas que desagradam o consumidor é um sinal de coragem e este é um dos desafios do setor industrial engajado na defesa da sustentabilidade", disse Leonardo Miyao.
Veículo: Valor Econômico