Uma rede de cinco cooperativas que reúne cerca de 130 catadores da Zona Sul de São Paulo lança hoje sua pedra fundamental, com direito a apresentação de logomarca, peças de comunicação e até um slogan - "Transformando vidas e gerando negócios sustentáveis" -, pouco usuais neste segmento. É um projeto-piloto da PepsiCo que começou a ser estruturado há cerca de um ano e meio, envolveu 416 horas de capacitações e treinamentos e pretende, segundo Regina Teixeira, gerente de assuntos corporativos da empresa, transformar o trabalho de coleta e separação de resíduos sólidos em um negócio social, além de estimular a reciclagem de plásticos.
A rede é um dos pontos de partida para a reciclagem das embalagens de salgadinhos - vendidos pela companhia e por outras empresas de alimentos -, que hoje, após diferentes etapas de reprocessamento, voltam em parte aos pontos de venda na forma de displays. Mas ainda sem o volume, a regularidade e a velocidade que a empresa gostaria de ter. E também em um patamar tímido em relação aos objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, que prevê a responsabilidade compartilhada de fabricantes, comerciantes, consumidores e governos para reduzir os impactos ambientais pós-uso dos produtos, ainda em processo de negociação para sua implantação por meio de acordos setoriais.
Aumentar a hoje incipiente reciclagem do BOPP, o filme plástico flexível usado nos saquinhos de salgadinhos e material de pouco mais de 68% das embalagens utilizadas na divisão de alimentos da PepsiCo, requer esforços em várias frentes. "Primeiro é preciso mostrar que é reciclável, que tem valor", afirma Regina. O BOPP é leve e seu preço é menos atrativo que o do PET, requer mais volume para ganhos proporcionalmente menores.
Os integrantes das cooperativas da zona sul receberam treinamento para classificar o material, "que tem vários tipos diferentes", explica Telines Basílio do Nascimento Jr., conhecido como Carioca, um dos coordenadores da rede. Os catadores já sabiam que o BOPP era passível de reciclagem, mas o material ia para o aterro, diz. Até que "perceberam uma oportunidade de mercado", a partir da capacitação feita pela Gaia, ONG contratada pela PepsiCo para conduzir o processo de capacitação dos catadores e de estruturação e desenvolvimento do negócio, que entra agora em fase de incubação, que deve se estender por 24 meses.
O preço é um gargalo importante. O BOPP é comercializado, segundo Carioca, a R$ 700 a tonelada em comparação a R$ 2 mil do PET. "Estamos estruturando uma viabilidade para a comercialização", conta. Desde o começo do ano, quando fizeram algumas vendas, as cooperativas da rede apenas estocam o material. Hoje têm quatro toneladas prontas e estão em busca de recicladores.
A necessidade de azeitar as negociações em torno de preço e qualidade fica mais evidente na ociosidade de 39% nas 762 recicladoras de plástico em operação no país, segundo dados do Plastivida Instituto Socioambiental dos Plásticos. "A reciclagem tem várias frentes que precisam ser bem encaminhadas, mas o crucial é o material estar disponível para a indústria da reciclagem", diz Miguel Bahiense, presidente da entidade. Isso começa com educação ambiental para o cidadão fazer a separação do que é reciclável, passa por serviços de coleta seletiva e pela preparação das cooperativas para segregar o material, explica.
"Hoje está provado que gerar volume não é tão difícil', diz Lusimar Guimarães Pereira, gerente do projeto da rede de cooperativas ligado à ONG Gaia. Sem volume, não há escala. A atual falta de suprimento regular precisa ser administrada pela Fábrica de Ideias, que produz os displays em BOPP usados pela PepsiCo. "Não é uma linha que você pede e está na mão", diz Alexandre Rey Silveira, vice-presidente e sócio da empresa de injeção de plástico que faz estoques para garantir o fluxo de produção.
Cerca de 10% do faturamento anual de R$ 58 milhões da Fabrica de Ideias vêm dos displays feitos para a PepsiCo, diz Silveira. Desde que começou a fornecer para a fabricante de alimentos, em 2010, ele calcula ter transformado 90 milhões de embalagens - traduzidas em 450 toneladas de plástico. Este ano serão 75 mil displays do material. Entre 2012 e 2013, 82,40% dos displays produzidos para a PepsiCo foram de BOPP, diz Regina.
Além de pavimentar o caminho que leva o plástico ao reciclador é preciso garantir que exista uso para o que for reprocessado. "Diferentemente da lata de alumínio, o BOPP não tem aprovação da Anvisa para ser retransformado em filme e embalar alimentos novamente", explica Guilherme Brammer, presidente da Wise Waste, que desenvolve soluções para materiais de difícil reciclagem. Apesar de não ser possível fechar o ciclo - recolocar o material na linha de produção - ele diz que existem grandes oportunidades de transformar o BOPP em itens que possam ser aproveitados pelas indústrias, como pallets.
"A quantidade de BOPP no mercado é estimada em 10 mil toneladas/mês. É muito BOPP que vai para o aterro porque não há uma aplicação industrial", diz Brammer, cuja empresa, que começou a operar em 2012 com faturamento de R$ 450 mil, deve movimentar R$ 2,5 milhões neste ano. Os negócios com reciclados também avançam na Fábrica de Ideias. "É uma tendência crescente", diz Silveira. Em 2008, a empresa não tinha reciclados em seu portfólio, hoje eles são a base de cerca de 50% da produção. "Antigamente havia até preconceito contra reciclados."
Veículo: Valor Econômico