São Paulo - Historicamente menos afeito a investimentos em tecnologia do que outros setores, o comércio brasileiro avançou na implantação de soluções nos últimos anos, com foco em ferramentas de gestão com retorno rápido. O aporte na dita transformação digital, no entanto, ainda gera receio no setor, e só deve ganhar mais força com a retomada da economia.
Mesmo com os avanços recentes, a propensão dos varejistas para investir em inovação ainda é baixa no Brasil, em comparação com outros ramos e com índices globais. O cenário fica evidente na 'Pesquisa Anual do Uso de TI', realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
De acordo com o levantamento, dentre todos os setores da economia, o comércio é o que menos investe em TI. Enquanto o ramo de serviços chega a aportar 11% do faturamento líquido em soluções tecnológicas, o varejo investe só 3,5%. Já na indústria a fatia é de 4,5%.
"O varejo investe menos por uma questão de estrutura da operação. A indústria tem margens maiores, assim como o setor financeiro, elevando o CAPEX. O comércio tem muita receita para pouco resultado. Em todos os mercados há essa diferença", afirma o presidente da Sociedade Brasileiro de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra. A despeito da constatação, ele ressalta que o nível de investimentos ainda é baixo, e inferior aos indicadores globais.
O atraso vem de uma tradição do varejo nacional, que historicamente sempre foi reticente em relação a desembolsar capital para aportes em tecnologia, explica o coordenador do centro de excelência em varejo (GVCev) da FGV de São Paulo, Maurício Morgado.
Outro aspecto que deixou o setor para trás, na visão da diretora de operações da consultoria GS&COMM, Caroline Giordani, foi a falta de incentivo do poder público. "A indústria sempre teve uma série de incentivos para investir em tecnologia. No varejo isso nunca existiu. É um aporte que vem só de um lado", afirma.
O cenário descrito pelos dois especialistas, contudo, tem mudado recentemente, e tende a evoluir ainda mais nos próximos anos. "O setor começou a acordar e percebeu quem quiser sobreviver no ramo terá que se mexer nesse sentido", afirma Morgado.
Apesar de ter 'acordado', o diretor do segmento de varejo da Totvs, André Veiga, aponta que boa parte do investimento do comércio em TI ainda é voltado para soluções de gestão e ferramentas que gerem otimização de processos e redução de custos. "Quando falamos em transformação digital e em tecnologias que ofereçam uma experiência diferenciada para o consumidor, o empresário do varejo ainda se mostra receoso", afirma Veiga.
Isso ocorre, segundo o executivo da gigante de TI, porque os investimentos em gestão têm um retorno mais rápido e de fácil mensuração. Já o aporte em tecnologias como inteligência artificial, realidade aumentada e big data demora para surtir efeito em termos financeiros e impõe uma complexidade maior na hora de mensurar resultados. Por essas questões, o diretor da Totvs acredita que a transformação digital só deva ganhar maior relevância para o comércio depois da recuperação da economia.
O presidente da SBVC, Eduardo Terra, concorda: "A agenda relacionada a tecnologias inovadoras ficou distante do setor nos últimos anos, por ser de longo prazo. Mas, conforme a situação melhorar, a tendência é que o setor invista cada vez mais nisso".
Aporte por segmento
Além da distinção dos investimentos por tipo de tecnologia, Veiga aponta que também há uma diferença nos aportes de acordo com os segmentos do varejo. O de supermercados, por exemplo, é um dos mais avançados, na visão do especialista. "Os supermercados têm um investimento muito grande em softwares de gestão e reposição, até por uma necessidade específica do negócio", afirma.
A maior demanda do segmento é comprovada pela Consinco, empresa que fornece soluções tecnológicas para supermercados e redes de 'atacarejo'. Atualmente, a companhia atende 220 empresas, fornecendo ferramentas para cerca de 2.400 lojas. De acordo com o diretor comercial, Silvio Sousa, a própria crise econômica mobilizou os varejistas no sentido de aumentar os investimentos em tecnologia, principalmente nas que gerem uma redução de custos e uma melhora na eficiência operacional.
"Temos visto uma preocupação maior do empresário de supermercados em relação a isso", afirma Sousa. Um exemplo é o aporte nos chamados 'self checkouts', que tem crescido exponecialmente no Brasil, mesmo durante a crise. O executivo cita também o aporte em soluções de e-commerce e de integração dos canais (omnicanalidade) como algumas das demandas.
"Outra área que o setor tem mostrado interesse é a de CRM, para entender o comportamento do cliente e realizar promoções direcionadas", afirma. Nesse sentido, a Consinco lançou há cerca de dois meses um a ferramenta que monitora o fluxo de clientes, e que através do sinal emitido pelo celular acompanha o caminho que os consumidores fazem dentro das lojas. Já para o ano que vem, a companhia tem programado o lançamento de um aplicativo de realidade aumentada.
"Temos um protótipo, mas devemos lançar ao mercado em maio do ano que vem", diz. Com a solução, o consumidor poderia apontar o smartphone para qualquer produto exposto nas gôndolas dos supermercados, e as informações sobre o item apareceriam na tela do celular.
Fonte: DCI São Paulo