A ABInBev adota nos Estados Unidos e na Europa os modelos agressivos e polêmicos que levaram a AmBev a dominar o mercado brasileiro
A Ambev anunciou há alguns dias um acordo de patrocínio com a Fifa (Federação Internacional de Futebol) para a Copa do Mundo de 2010, que será realizada na África do Sul. A Brahma será a patrocinadora oficial do evento, ocupando o lugar antes cativo da Budweiser. A iniciativa está em sintonia com a sua estratégia de marketing que prevê a transformação da Brahma em uma marca global. Essa decisão, porém, envolve algo muito maior. Trata-se de um movimento que comprova a intenção da empresa de levar o modelo de gestão consagrado no Brasil para outros países. Nos últimos anos, esse formato revelou-se tão eficiente quanto polêmico. Ao mesmo tempo em que trouxe resultados financeiros substanciais para o grupo, também levou a cervejaria a enfrentar acusações de concorrentes, fornecedores e distribuidores. Vai funcionar no Exterior?
O primeiro sinal dessa estratégia ficou evidente numa ação iniciada discretamente em fevereiro deste ano. Empresas que prestam serviço para a ABI nBev receberam uma carta do comando da cervejaria.
O texto informava os novos termos para o pagamento de fornecedores das áreas de mídia, como agências de publicidade e organizadoras de eventos. Segundo o comunicado, o prazo para quitação de débitos com essas empresas passaria de 30 para até 120 dias. "Se você não é capaz de trabalhar com essa mudança, nós podemos buscar um fornecedor alternativo", informava a carta em seu último parágrafo.
O tom foi tão surpreendente que o ministro da economia da Bélgica, Vincent Van Quickenborne, solicitou investigação aos órgãos de concorrência local para analisar se o grupo estava abusando de seu poder econômico. Essa postura agressiva não é estranha ao mercado brasileiro. Em 2001, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado colheu depoimentos de distribuidores da AmBev que acusavam a cervejaria de reduzir a rentabilidade de seus parceiros no Brasil. Segundo a acusação, eles eram pressionados a diminuir suas margens e aceitar as imposições da AmBev, sob o risco de perderem contratos com o grupo.
No mais recente relatório de resultados da ABInBev, que comenta a revisão dos contratos com parceiros, uma outra mudança foi comunicada aos acionistas. Os bares e restaurantes da Europa passaram a participar de "programas de lealdade de clientes". Isso ocorreu principalmente na Rússia, mercado atendido pelas marcas Budweiser e Beck's. No Brasil, programas semelhantes de fidelidade vêm causando transtornos à AmBev. Em julho, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) multou a empresa em R$ 352,7 milhões. O motivo: a criação em 2003 de um plano de relacionamento, batizado de "Tô Contigo", com bares, restaurantes e supermercados. Para o Cade, a ação induzia o varejo a dar exclusividade às cervejas da AmBev ou a limitar a comercialização de marcas concorrentes.
Especialistas esperavam pela migração de estratégicas desenvolvidas no Brasil para mercados estrangeiros. "Os brasileiros da InBev são famosos pela visão fortemente financeira do negócio", diz David Kolpak, analista da Victory Capital Management. "Isso acabaria impactando a Bud de qualquer forma." Pesada e lenta demais para os padrões da InBev, a Anheuser iria inevitavelmente enfrentar um choque de gestão. A questão era apenas de que forma isso ocorreria. "Ninguém duvidava que, pelo tamanho do desembolso da InBev pela Anheuser, iríamos assistir a uma brutal mudança de estilo que acelerasse ao máximo o retorno financeiro", diz Marcel Hooijmaijers, analista da Landsbanki/Kepler. "Agora, só não se sabe quando isso vai acabar."
A espinha dorsal do choque de gestão está baseada em duas ferramentas principais: o ZBB (sigla em inglês para Orçamento Base Zero) e o Blue Ocean, nome dado ao plano de corte de gastos na Anheuser. O ZBB (que neste ano foi importado da AmBev, no Brasil, para a ABI nBev) dá à cervejaria a liberdade para refazer suas planilhas de gastos a cada ano, começando sempre do zero.
Na AmBev, esse sistema existe há 12 anos. Nos EU A, o ZBB já fez a empresa cortar gastos com gasolina e reduzir o consumo de energia até nos elevadores sociais. Em 2008, trabalhadores informaram ao sindicato local de Saint-Louis, no Missouri, sede da Anheuser, a existência de um recado preso às paredes da empresa: "Por que não pegar as escadas?". O Blue Ocean é ainda mais incisivo. Nesse caso, a cervejaria decide em quais áreas vai deixar de gastar e o tamanho da economia. Nos últimos meses, foi imposto um forte controle no uso de telefone celular e até de canetas esferográficas.
Os celulares de executivos de segundo escalão foram devolvidos a pedido da empresa e só liberados para quem justificasse a necessidade do uso. Canetas novas eram entregues aos funcionários apenas se as já usadas fossem apresentadas. Juntos, os dois modelos de controle de custos irritam empregados e atiçam sindicatos.
Ganhos de sinergia com a integração da Anheuser-Bush devem atingir US$ 2,2 bilhões e resultados desse processo já engordam Ebitda da companhia
O que se quer, no final das contas, é ecomizar US$ 2,2 bilhões com a reestruturação na Anheuser e a integração ao modelo da belgabrasileira InBev. Defendidas pelo CEO do grupo, o brasileiro Carlos Brito, as ferramentas têm dado resultados. "Como consequência dessas ações, nosso Ebitda registrou um crescimento orgânico de 31,7%", reforça o relatório relativo ao período de abril a junho de 2009.
No Canadá, ganhos de sinergia e "disciplina operacional" levaram a um aumento no Ebitda de 15,8% no trimestre seguinte. Esse desempenho também foi obtido às custas de aumentos nos preços das cervejas, o que foi feito principalmente nos Estados Unidos. No Brasil, a AmBev fez o mesmo. No final de 2008, ela reajustou em 5% o valor das cervejas no Brasil. "O negócio é um só, por isso as medidas são universais", diz um analista setorial da AmBev no Brasil. Procurado pela reportagem, o comando do grupo cervejeiro não se manifestou sobre as mudanças na companhia.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro