SAB usa mandioca para baratear cerveja na África

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Até Bruno de Castro ter recebido algumas boas notícias recentemente, sua vida não vinha sendo nada fácil. Ele administra um projeto rural do governo local de Cacuaco, uma pequena cidade a cerca de 30 quilômetros de Luanda, capital de Angola, cuja incansável expansão vem engolindo propriedades agrícolas. Além disso, o rio Seco, que flui pela região, recentemente teve uma inundação, deixando os agricultores mais pobres sob ainda mais pressão.

 

Portanto, foi uma surpresa bem-vinda para Castro, 40 anos, quando a cervejaria anglo-africana SABMiller ofereceu-se há algumas semanas para comprar a produção local de mandioca, tubérculo similar à batata, que floresce na região e há muito é um alimento básico na África Ocidental, Sudeste Asiático e América Latina.

 

"Foi um choque porque apenas havíamos ouvido falar [de] cervejas feitas de cevada e milho", diz Castro, enquanto supervisiona os campos em que a planta cresce livremente em meio a gigantescos baobás. "Este novo projeto significa que as pessoas daqui vão cultivar mais mandioca e ter um mercado garantido. A companhia comprará tudo."

 

A poucos quilômetros dali, a SAB construiu uma cervejaria de última geração, que é um de seus maiores investimentos do tipo no mundo. Em um local encravado no meio do mato, os trabalhadores dão os toques finais nas instalações, de US$ 125 milhões, onde neste ano deverá começar a produção de uma nova cerveja de mandioca, além de refrigerantes e cervejas tradicionais.

 

Com os mercados de cerveja e refrigerantes já saturados na Europa, América do Norte e em muitos países em desenvolvimento, os grupos de bebidas veem as nações africanas menos desenvolvidas cada vez mais atrativas.

 

A SAB obtém quase 70% do lucro de países emergentes e está na dianteira dessa tendência. Até 1990, suas operações basicamente estavam limitadas a seu mercado doméstico, na África do Sul, onde, por exemplo, sua cerveja tipo lager Castle é uma marca famosa e com boas vendas. Em 2009, além do investimento em sua nova cervejaria angolana, a SAB gastou mais US$ 250 milhões em outras três novas instalações africanas, no Sudão, Moçambique e Tanzânia.

 

Novos produtos, como a cerveja de mandioca - produzida ao agregar-se mandioca ralada seca como aditivo de amido ao malte de cevada - é um elemento inovador nos esforços da empresa. A cerveja feita de mandioca tem sabor apenas ligeiramente diferente do produto normal, mas seus ingredientes, produzidos localmente, são mais baratos do que o milho importado. A SAB pretende cobrar, pelo menos, um valor 20% inferior pela nova cerveja, em comparação às marcas existentes. Isso permitirá à SAB elevar as vendas em grupos de baixa renda, que não poderiam comprar cerveja de outra forma. A estratégia já mostrou ser bem-sucedida em outros países africanos. A cerveja Eagle, feita de sorgo, vem sendo feita em Uganda desde 2002, onde representa 50% das vendas da SAB.

 

Enquanto Angola se recupera de 30 anos de guerra civil, os benefícios decorrentes das vendas de petróleo à China e dos crescentes investimentos e comércio exterior com países como Brasil, África do Sul e sua antiga governante colonial Portugal começam a chegar aos poucos aos consumidores mais pobres. Um dos resultados desse novo quadro é que o consumo de cerveja e refrigerantes está em alta, especialmente entre a população urbana mais pobre.

 

A SAB espera que sua iniciativa, paralelamente a suas ambições comerciais, ajude esse processo. Consequentemente, Castro e seus colegas estão organizando cerca de 500 agricultores de culturas de subsistência em uma cooperativa.

 

O dinheiro obtido com um contrato de longo prazo com a SAB vai disseminar-se pela economia local, assim como os salários dos cerca de 500 maquinistas e outros funcionários da cervejaria. Ao treinar esses trabalhadores em novas funções, a SAB estará ajudando a aliviar a falta de especialização da mão de obra local. A recuperação econômica de Angola é altamente dependente de milhares de trabalhadores importados da China.

 

Mas a iniciativa está longe de ser puramente filantrópica. Os mercados africanos são particularmente atraentes em termos comerciais porque a demanda potencial é muito alta. Embora o consumo per capita de cerveja, de 6 litros por ano, equivalha a cerca de 12% da média global, o álcool é popular.

 

A SAB estima que o mercado informal no continente africano, quase sem regulamentação, seja cerca de quatro vezes maior do que o formal e que cerca de 4 bilhões de litros de cervejas, vinhos e outras bebidas artesanais feitas de sorgo, painço, palma e outros ingredientes locais sejam consumidos a cada ano, movimentando um total de US$ 3 bilhões.

 

O problema para as cervejarias é que os mercados africanos frequentemente são difíceis e caros de operar. Como a indústria e a agricultura são tão subdesenvolvidas na África, produtos como caixas, garrafas e até matérias-primas como cevada e lúpulo precisam ser importados. As estradas e a infraestrutura básica normalmente são deficientes, o que eleva o custo de distribuição. Os portos, como o de Luanda, são irremediavelmente congestionados e ineficientes. Tais fatores tornam a cerveja importada inacessível para a vasta maioria da população. A resposta da SAB a essas dificuldades é ampliar o número de bens obtidos localmente.

 

Em Angola, a SAB já compra a maior parte do vidro que usa para garrafas de uma empresa montada pela Castel, uma empresa francesa de bebidas forte na África francófona e que coopera com a SAB. Esta assinou contratos de longo prazo para comprar caixas de um produtor local e possui acordo similar para obter latas fabricadas na região a partir de 2011. Em 2012, a SAB deverá ter condições de comprar a maior parte do açúcar que usa nos refrigerantes de um produtor angolano.

 

Sam Jerónimo, diretor-gerente da SAB em Angola, diz que tais transações também trazem outros benefícios. Ele prevê que as mudanças reduzirão o número de contêineres que precisam ser importados de 18 mil para 2 mil ou 3 mil por ano. "Haverá bem menos dores de cabeça logísticas", diz ele. "Isso nos poupará muita confusão e reduzirá significativamente o investimento em capital de giro."

 

A introdução de colheitas plantadas na região é a mudança mais abrangente. Ao ajudar a integrar os agricultores locais à economia, a SAB expandirá o mercado potencial para seu próprio produto.

 

Algo similar já ocorreu em outros lugares na África: a SAB obtém cevada de 12,7 mil agricultores em Uganda, Moçambique, Maláui, Gana, Tanzânia, Zimbábue e Zâmbia. A SAB espera atrair até 2012 mais 45 mil agricultores. Ainda mais importante, a mandioca plantada localmente não apenas é mais barata do que o milho, mas também, quando produzida na quantidade certa, é uma fonte rica de amido.

 

Isso significa que o preço da cerveja pode ser muito mais atrativo, o que ajudaria a elevar as vendas, como já ocorreu em Uganda.

 

Ainda é difícil prever se a cerveja de mandioca será tão bem-sucedida em Angola. Mas há sinais promissores. Francisco Domingo, que administra um bar pequeno no distrito pobre de Sambizamba, em Luanda, está otimista. Domingo, que vende 25 caixas de cerveja por dia nos fins de semana, diz que seus clientes são maleáveis. "É uma boa ideia, especialmente se for mais barato", diz.

 

Apegar-se à mesma fórmula de negócios em diferentes países pode funcionar em alguns setores globalizados, mas, definitivamente, não dá certo no de bebidas, segundo a SABMiller. Mark Bowman, diretor-gerente das operações da companhia na África, sustenta que o sucesso requer um modelo diferente do usado nos países mais desenvolvidos. Com as matérias-primas importadas representando normalmente cerca de 80% dos custos finais, é essencial desenvolver a produção local de embalagens e matérias-primas.

 

Bowman diz que as empresas operando em regiões menos desenvolvidas precisam repensar as ideias convencionais de economia de escala. Como a infraestrutura na África é muitas vezes muito ruim, as cervejarias precisam estar mais próximas dos consumidores e com um tamanho menor do que o usual nos países desenvolvidos.

 

Na África, SAB deve centrar-se no que Bowman chama de "linha completa de bebidas", para chegar a mercados menores e mais fragmentados. Isso, como em Angola, pode significar equipar as cervejarias para produzir refrigerantes e uma série mais diversa de cervejas.(Tradução de Sabino Ahumada)
 

 

Veículo: Valor Econômico


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