AmBev e Coca-Cola investem para garantir o abastecimento futuro de seu principal insumo
A indústria de bebidas começa a olhar de forma mais cuidadosa para a base de seus produtos, a água. Maior fabricante de cerveja do país, a AmBev vai traçar este ano sua "pegada de água". A ideia é monitorar quanto de H2O é gasto de ponta a ponta na cadeia, da produção de cevada ao balcão do bar ou à prateleira do supermercado, e racionalizar o uso. A Coca-Cola, líder global de refrigerantes, inicia um esforço para chegar a 2020 como empresa "neutra em água". Quer, até lá, garantir que cada litro usado na produção resulte em um litro de bebida a ser vendido.
Identificar e adotar novos mecanismos para gestão e uso racional desse insumo, hoje bastante disponível e praticamente gratuito, é fundamental para o futuro dos negócios em um mundo que deve sofrer grandes modificações hidrológicas por conta das mudanças climáticas. O quadro delineado pelos cientistas para as próximas décadas aponta mudanças importantes nos padrões de chuva, enchentes e seca, no fluxo dos rios e na vegetação. Até 2030, segundo as projeções, 47% da população mundial estará em áreas de alto estresse hídrico. O fantasma da escassez de água, que já aparece em algumas regiões onde há fábricas, precisa ser driblado.
"Água significa 95% da produção da cerveja e precisamos garantir que não teremos falta de água, o que já está acontecendo na China e na Califórnia", explica o executivo Sandro Bassili, que até o ano passado dirigia a área de eventos da AmBev e agora é responsável pela centralização das ações de responsabilidade social e meio ambiente da companhia.
Na Coca-Cola, "a água é a principal matéria-prima da companhia e como tal deve ser cuidada", diz José Mauro de Morais, diretor de meio ambiente e assuntos regulatórios. "É preciso assegurar o suprimento e, ao mesmo tempo, preservar a fonte", diz.
Bassili terá R$ 20,1 milhões neste ano para investir em uma plataforma ampla, que engloba desde um estudo detalhado para racionalizar ainda mais o manejo da água até ampliar o uso de materiais como cavaco de madeira, palha de arroz e gás metano para substituir óleo diesel nas suas fábricas e limitar a emissão de gases de efeito estufa.
O objetivo da AmBev é reduzir custos, garantir a continuidade do negócio, tendo como pano de fundo uma visão de mais longo prazo, e comunicar ao consumidor o que está sendo feito, ajudando, assim, a construir a imagem de uma companhia socialmente responsável.
"Nossa visão nessa área é pragmática, é pró-business", diz Bassili, há 18 anos na empresa, conhecida por sua política rigorosa de controle de gastos e de metas de vendas. Para avançar no campo hídrico, a AmBev começa a traçar suas "pegadas de água" - um estudo detalhado, encomendado à ONG holandesa Water Foot Print Network, em parceria com a USP de São Carlos, cujo objetivo é delinear o caminho da água usada desde a plantação da cevada até a ponta final do consumo. "O gasto maior de água se dá na ponta da agricultura, pelo que já vimos. Daí a parceria com a WFP", diz Bassili.
A gestão da água não é uma novidade para a indústria de bebidas. A AmBev, segundo Bassili, controla seu uso há 17 anos e também procura aproveitar subprodutos para fazer funcionar suas caldeiras, em uma ofensiva para limitar o consumo de energia. Na Coca-Cola, o quadro é semelhante. "O primeiro ponto a ser atacado é a eficiência dentro de casa", explica Morais. Treinamento de pessoal, reciclagem, tratamento de efluentes, consumo racional e reuso são algumas das medidas incorporadas aos processos de produção.
Em cinco anos, a AmBev conseguiu reduzir sensivelmente o gasto de água. Em 2003, para cada litro de cerveja produzido gastava-se 4,9 litros de água. Em 2008, a média baixou para 4,11 litros, chegando a 3 litros em algumas unidades fabris, um "benchmark mundial", segundo Bassili. Na Coca-Cola, os números são também vistosos. Há dez anos, cada litro produzido consumia 5 litros de água. No fim de 2008, eram 2,1 litros, incluída a água da própria bebida. Mas é apenas o começo do caminho.
Com pressão crescente da sociedade - na Índia, por exemplo, a Coca-Cola é alvo de ambientalistas que a colocam como responsável pela apropriação de água que servia a agricultores - e o surgimento de problemas de abastecimento em áreas onde a água não faltava, as empresas ampliam iniciativas ambientais.
AmBev e Coca-Cola agora olham diretamente para a fonte. A fabricante de cerveja assinou em dezembro um contrato com a World Wild Foundation (WWF) para dar início a um projeto em bacias hidrográficas. A primeira ainda será definida, mas a ideia é "como podemos influenciar, conservar as bacias", diz Bassili. O estudo poderá, por exemplo, apontar técnicas de replantio de mata ciliar, com o objetivo de proteger a nascente de água.
Na Coca-Cola está em curso o programa Água das Florestas Tropicais Brasileiras, em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, que prevê reflorestamento de três mil hectares, com investimento R$ 27 milhões até 2011 e plantio de 3,3 milhões de mudas de espécies nativas.
A Ambev tem estações de tratamento de água nas suas 28 fábricas e R$ 8,6 milhões, do total dos R$ 20,1 milhões a serem investidos neste ano por Bassili, serão gastos para troca de equipamentos de modernização das instalações.
A AmBev também trabalha com oito usinas de biomassa, movidas a insumos não-poluentes como palha de arroz, cavaco de madeira e casca de coco de babaçu. Nessa área serão investidos neste ano R$ 10 milhões. O valor inclui modernização de equipamentos e compras de algumas dessas usinas, atualmente na mão de terceiros. Há mais duas em Sergipe e Piraí (RJ), que receberão R$ 1,5 milhão para que o gás metano possa ser queimado em maior quantidade do que o diesel - o uso desse gás chega a reduzir a emissão de dióxido de carbono em mais de 50%
Veículo: Valor Econômico