Com uma estratégia ousada, a cervejaria Schincariol lança um novo produto, surpreende a concorrência e tenta conquistar espaço em regiões onde sempre patinou
Depois de alguns anos sem nenhuma emoção, com executivos e marqueteiros comportados além do normal, o mercado brasileiro de bebidas foi recentemente surpreendido por uma novidade que avivou a milionária e tradicionalíssima disputa das cervejarias. Com uma estratégia de marketing que deve consumir 100 milhões de reais neste ano, a Schincariol pegou os concorrentes desprevenidos e lançou, durante o Carnaval, uma cerveja feita para incomodar a líder AmBev na Região Sudeste, o principal mercado de consumo no país. Personificada pela dublê de apresentadora e festeira profissional Paris Hilton, a Devassa Bem Loura invadiu os sambódromos do Rio de Janeiro e de São Paulo - e, pelo menos nessas praças e durante o período de folia nacional, conseguiu fazer mais barulho que a rival. Os executivos da AmBev bem que tentaram, mas nem mesmo a contratação às pressas da popstar Madonna, disfarçada de doação de 1 milhão de dólares a uma ONG de proteção a crianças, fez o tradicional camarote da Brahma atrair mais atenções do que o da Devassa com sua polêmica loira. Numa espécie de metáfora carnavalesca da situação, a escola de samba Unidos da Tijuca, patrocinada pela Schincariol, foi a campeã do Carnaval carioca. A Grande Rio, apoiada pela AmBev, ficou em segundo lugar.
Até chegar aos sambódromos, a Devassa fez um longo "ensaio". Tudo começou em 2007, quando a pequena cervejaria artesanal carioca foi comprada pela Schincariol, com sede em Itu, no interior de São Paulo. "Havia a intenção de colocar a marca Devassa no mercado de massa, mas levamos alguns meses para amadurecer a ideia", diz Adriano Schincariol, de 34 anos, acionista e presidente da cervejaria que leva seu sobrenome. O plano começou a ganhar corpo em setembro do ano passado. Sua base era dividir a marca em duas. Uma era a Devassa original, uma cerveja sofisticada, cara e bem aceita no mercado carioca. A outra era a Devassa Bem Loura, concebida para concorrer com as líderes de mercado Brahma e Skol, ambas da AmBev.
Manter a estratégia em sigilo era fundamental. A AmBev, por exemplo, tem profissionais dedicados a monitorar o mercado e descobrir possíveis novidades para que a empresa prepare contraataques. A tática foi usada, por exemplo, antes do lançamento da Sol, da Femsa, em 2006 - a empresa começou a vender um produto batizado de Puerto del Sol, com a clara intenção de desgastar a cerveja rival que chegaria ao mercado meses depois. Para manter a Devassa Bem Loura em segredo, a Schincariol envolveu o menor número possível de pessoas em cada fase do projeto. Todos que tinham acesso às informações eram obrigados a assinar termos de confidencialidade com multas pesadas em caso de quebra de sigilo. Os 100 veículos que seriam utilizados para distribuição da nova cerveja foram guardados por 45 dias em um depósito em Paulínia, cidade do interior paulista localizada a cerca de 70 quilômetros da sede da cervejaria - só dentro do depósito eles receberam os adesivos Devassa. Os rótulos das garrafas foram impressos em gráficas no exterior para evitar o vazamento da informação. O contrato com Paris Hilton foi fechado em outubro e as gravações do comercial com ela ocorreram em Los Angeles. "No fim do ano, mais de 100 pessoas estavam envolvidas e todas guardaram segredo", diz Adriano. Quando a concorrência se deu conta, pouco pode fazer. Além de contratar Madonna, teria fomentado processos no Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) contra a campanha publicitária da nova rival.
Ao traçar sua estratégia, a Schincariol, procurou escapar de um erro já cometido por outros concorrentes: o de apostar só no marketing. Foi o que aconteceu com a Sol há quase quatro anos. Apesar dos mais de 300 milhões de reais investidos em seu lançamento, a Sol nunca chegou a ter nem sequer 1 ponto percentual de participação nas vendas - em grande medida porque a bebida não caiu no gosto do consumidor e era difícil encontrála em bares e restaurantes. O fracasso dessa empreitada deixou claro que, além de campanhas certeiras, as novas marcas de cerveja precisam de bons líquidos dentro de suas garrafas e de um sistema de distribuição capaz de romper as barreiras impostas por quem domina o mercado. "Apenas 20% de nosso investimento foi feito no marketing. Colocamos muito dinheiro no desenvolvimento do produto e nos preparamos fortemente para os obstáculos de distribuição", afirma Johnny Wei, vice-presidente comercial da Schincariol. e braço direito de Adriano nessa empreitada.
A maior preocupação entre os executivos da empresa é fazer com que a Devassa chegue aos consumidores. É na distribuição que a disputa com Am- Bev e Petrópolis, dona das marcas Itaipava e Crystal, deve ter as batalhas mais sangrentas. Até hoje a Schincariol não conseguiu quebrar a resistência dos pontos de venda cariocas a seus produtos. A cervejaria já patrocinou o Flamengo com a marca Nova Schin, comprou a Cintra (que no passado chegou a ter 10% do mercado local) e mesmo assim não emplaca nos bares e nas barracas de praia. Somadas, todas as suas marcas têm hoje apenas 2,6% de participação no Rio de Janeiro. "A AmBev e a Petrópolis têm um relacionamento muito próximo com os pontos de venda e concedem benefícios que vão de brindes a bonificações, que garantem a fidelidade dos revendedores", diz um executivo do setor. Para encarar os rivais, a Schincariol contratou e treinou 200 funcionários dedicados a cuidar exclusivamente das vendas e da distribuição da Devassa. "Agora temos uma marca forte, que vai nos permitir investir mais em ações nos pontos de venda", diz Luiz Cláudio Taya, diretor de marketing da empresa. De acordo com pessoas próximas à Schincariol, o objetivo com a Devassa é ganhar pelo menos 3 pontos percentuais do mercado nacional (a cervejaria não confirma a meta). Hoje, a Schincariol tem 12% do mercado. Cada ponto percentual equivale a aproximadamente 120 milhões de litros - ou um faturamento de 400 milhões de reais por ano.
Em janeiro, pouco antes do lançamento da Devassa Bem Loura, circularam rumores de que a Schincariol estaria negociando a compra da Petrópolis (o boato, aliás, é recorrente). As duas empresas se complementam de forma quase perfeita. A Schincariol, é forte no Norte e no Nordeste, enquanto a Petrópolis vence no Sudeste, Sul e Centro- Oeste. A Petrópolis tem ótima rede de distribuição - ponto fraco da Schincariol. - e precisa de fábricas mais modernas e eficientes - algo que a Schincariol já tem. Segundo pessoas próximas às cervejarias, depois de inúmeras conversas ao longo dos últimos três anos, o empresário Walter Faria, dono da Petrópolis, teria finalmente estabelecido um preço - considerado alto demais pela concorrente. Adriano nega as conversas. "Nos respeitamos, há complementaridade, mas esse negócio não vai sair porque nenhum dos lados quer." Restou uma loira devassa para tentar ocupar o espaço da noiva ideal.
Veículo: Revista Exame