Memórias de um cervejeiro

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O ex-dono da Kaiser e agora produtor de cachaça Luiz Otávio Pôssas quer fazer de sua aguardente uma bebida premium capaz de concorrer com vinhos. É bom não duvidar de quem encarou Brahma e Antarctica


O empresário Luiz Otávio Pôssas, 67 anos, é um mineiro dos mais tradicionais. Sem fazer alarde, conseguiu grandes feitos como empreendedor e agora, de forma tão discreta quanto antes, prepara outra de suas ousadias. Produtor da cachaça Vale Verde, fabricada em uma de suas fazendas em Betim, nos arredores de Belo Horizonte (MG), Pôssas notou que era possível transformar o caldo de cana fermentado – usado apenas como matéria-prima na produção da aguardente – em uma espécie de “vinho de cachaça”, servido como aperitivo.


Por enquanto, só o empresário e amigos mais chegados experimentaram o tal produto, mas nos próximos meses ele pretende comercializá-lo, inclusive em larga escala. É bom não duvidar das ideias pouco convencionais de Pôssas. Nas últimas décadas, sua trajetória profissional foi marcada pelo pioneirismo.


Em 1982, foi chamado de maluco ao criar a Kaiser, que nasceu com a árdua missão de competir com Brahma e Antarctica, as gigantes que dominavam o mercado. Anos depois, foi o primeiro a vender água de coco em caixinha, algo até então considerado impossível. Agora, quer fazer do vinho de cachaça uma bebida premium capaz de concorrer com tintos e brancos de verdade.


“Esse negócio de bebida me persegue”, disse Pôssas à DINHEIRO. “E pensar que eu quase não escapei de virar bancário”, brinca Pôssas. Filho de banqueiro – seu pai fundou o Banco Mercantil, hoje Mercantil do Brasil –, ele foi empurrado logo cedo para uma das agências do banco. Suportou apenas alguns dias. “Os bancários, por ganharem tão pouco, eram chamados de mendigos de gravata. Eu não queria fazer parte daquilo”, conta. “Então, meu pai me obrigou a carregar caixa de Coca-Cola pelo interior.”


Sua família era dona do grupo Gonçalves-Guarany, proprietário de duas grandes distribuidoras de Coca-Cola no Estado de Minas Gerais. Como os vendedores tinham dificuldade em posicionar a marca de refrigerante em pequenas cidades mineiras, o pai de Pôssas achou que aquele seria um batismo de fogo para o filho. “Foi uma luta danada. Tive de enfrentar a maldição da venda casada”, lembra o empresário.  Na venda casada, os donos de bar, se quisessem contar com determinada cerveja, eram obrigados a levar também refrigerantes do mesmo fabricante. Como a Coca-Cola não tinha linha de bebidas alcoólicas, era praticamente impossível enfrentar a concorrência.


No auge da prática da venda casada no Brasil, entre 1977 e 1980, o grupo  Gonçalves-Guarany ficou perto da falência. Em Minas Gerais, não conseguia ultrapassar 17% do mercado. Pôssas tentou convencer os executivos da Coca-Cola a instalar uma fábrica de cerveja no Brasil, argumentando que a empresa sofria uma concorrência desleal.


Não só ouviu um rotundo “não” do então vice-presidente mundial da Coca-Cola, Donald Keugh, como recebeu dele uma nota de US$ 1. Foi a “generosa” contribuição de Keugh para a fábrica de cerveja que Pôssas pretendia construir no País. Na época, Keugh disse apenas uma frase ao empresário brasileiro: “Não me chateia mais com isso que eu estou te ajudando.”


Pôssas aguentou a ironia (mais tarde, emoldurou a nota e pendurou o quadro na parede do escritório) e decidiu montar sua cervejaria por conta própria. Pediu um empréstimo de US$ 6 milhões e foi buscar no Amazonas um dos maiores cervejeiros do mundo, um português que havia instalado fábricas da Heineken em Angola e que, assustado com a guerra civil no país africano, veio para o Brasil. “Ao contratar esse cervejeiro, acabei chamando a atenção da Heineken. Primeiro, eles ficaram furiosos. Depois, perceberam que o meu trabalho era sério e resolveram comprar 10% da minha companhia.”


A Kaiser foi lançada em abril de 1982 e teve uma ascensão meteórica, chegando a 19% de participação no mercado nacional, segundo Pôssas. O sucesso da cervejaria chamou a atenção da Coca-Cola. Numa dessas ironias que por vezes parecem improváveis, a Coca-Cola, que havia recusado antes a oferta de se associar a Pôssas, acabou mais tarde comprando 10% da Kaiser. 


Mesmo assim, lembra Pôssas,  a convivência com a multinacional americana foi difícil. “Eles diziam que a cerveja iria contaminar a marca Coca-Cola e eu rebatia dizendo que seria o contrário.” A Kaiser foi uma história de sucesso até 1999, quando Brahma e Antarctica se uniram para criar a AmBev. “Isso eliminou para sempre qualquer tipo de competitividade no ramo de bebidas no Brasil”, diz Pôssas. Um dos players mais importantes do setor de cervejas, ele incomodou tanto que hoje é tratado com ironia por seus antigos rivais. “Pôssas? Esse eu não conheço”, diz Magim Rodrigues, ex-presidente da AmBev.


Ele criou a kaiser com um  empréstimo de uS$ 6 milhões. depois, vendeu a empresa por US$ 91,8 milhões


Em 2002, Pôssas vendeu à canadense Molson, por US$ 91,8 milhões, os 12% que detinha da Kaiser.  Com o dinheiro, montou a Amacoco, que introduziu no mercado a água de coco vendida em embalagem longa vida. No ano passado, por valores não revelados, vendeu a Amacoco para a PepsiCo. O motivo? “Eu queria me dedicar mais à cachaça”, afirma.


Atualmente, é dono de cerca de vinte empresas (além de bebidas, possui negócios no setor imobiliário e de logística). A cachaça  é um negócio pequeno em seu portfólio, o que não impede de esta ser a sua maior aposta. A Vale Verde fatura R$ 3 milhões e suas cachaças premium são vendidas no Sudeste do Brasil. Segundo ele, o vinho de cachaça tem potencial para fazer barulho. “Ele funciona como um aperitivo sensacional.”


Como se trata de um negócio novo, Pôssas ainda não desenhou a estratégia que vai adotar para tornar sua invenção popular. Ainda neste ano, ele fará alguns testes nos mercados de São Paulo e Minas Gerais. De cerveja, ele quer distância. “As cervejas nacionais ficaram todas iguais, pouco encorpadas, sem gosto algum. Daqui a pouco serão vendidas  no setor de água mineral”, diz o empresário. Agora ele tem outro plano em mente. Quer produzir biodiesel a partir dos frutos da macaúba, palmeira nativa das regiões Centro-Oeste e Sudeste do País. Enquanto a tecnologia não é desenvolvida, não é difícil imaginar que, no futuro, Pôssas apareça vendendo um revolucionário uísque de macaúba.


Veículo: Isto É Dinheiro


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