Ypióca vai da aguardente ao papelão no Nordeste do Brasil

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Em Maranguape, a 41 quilômetros de Fortaleza, no interior do Ceará, um grupo de turistas olha curioso na direção de Everardo Telles, presidente do grupo Ypióca, que, entusiasmado, explica como algumas máquinas agrícolas funcionavam naquele local no passado. Em frente ao museu que conta a história de sua família e do produto que deu origem ao grupo, a cachaça, Telles é tratado como celebridade. Olhares interessados vêm de todas as direções e os visitantes mais ousados até mesmo pedem para tirar foto ao lado do homem que está à frente de uma das mais antigas empresas familiares do Brasil - fundada em 1846 - desde 1970.

 

Saudoso, o executivo relembra do tempo em que morava em uma das casas da fazenda, que hoje foi transformada no complexo turístico Ypióca. "Era bom demais. Pegava meu jegue ali e ia para escola", contou, apontando com a mão na direção dos arredores de um casarão antigo, completamente preservado. Hoje, o engenheiro agrônomo, que quando assumiu o grupo administrava apenas uma fábrica, coordena seu império pilotando helicóptero. "A paixão por voar é antiga. Somando avião e helicóptero tenho mais de 20 mil horas de vôo", disse. Segundo Telles, o hobby o ajuda a economizar tempo, já que a mesma distância percorrida em até cinco minuto de helicóptero levaria mais de uma hora para ser feita de carro. "E tem a nossa fábrica no Rio Grande do Norte, a fazenda no Tocantins", explica, deixando claro a dimensão do grupo.

 

Cerca de 70% da receita do grupo Ypióca - palavra que significa terra roxa em tupy guarani -, ainda vem das vendas de aguardente, mas a diversificação da produção é marca da gestão de Telles. Hoje, o grupo produz papel, cachaça, garrafas plásticas, tilápia, ração para peixes; tem criação agropecuária; é engarrafadora de água; atua no segmento de lazer com o YPark, onde está localizado o Museu da Cachaça; e se prepara, com a inauguração de uma nova fábrica no segundo semestre de 2009, para ampliar a produção de álcool combustível.

 

Apesar de ainda ser o principal produto da empresa, a cachaça passa longe da casa dos Telles. "Nunca bebi. E o Paulo também não bebe", diz o executivo apontando para o filho. Além de Paulo, outras cinco filhas também trabalham no grupo.

 

De acordo com o executivo, apesar de ter sido assediado, não há o menor interesse em abrir o capital da empresa nos próximos anos. "Não está no nosso projeto", disse. Nesta entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil Telles contou também que o grupo deve faturar cerca de R$ 300 milhões este ano, alta de 10% em comparação com 2007. A seguir os principais trechos da entrevista.

 

Gazeta Mercantil - Hoje a Ypióca atua em diversas áreas, da cachaça a criação de tilápia, passando pela fabricação de papel, garrafas e o engarrafamento de água. Qual o maior desafio para comandar uma empresa tão diversificada?
Trabalhamos com muito planejamento. Investindo o próprio lucro na empresa para assim diversificar cada vez mais e verticalizar, porque essa é a melhor maneira de reduzir custos e manter qualidade. A diversificação não ajuda muito a reduzir custos, mas sim riscos. Você pode ter um ramo de atividade que passa por uma fase não muito boa e as outras atividades que seguram a fase ruim.

 

Gazeta Mercantil - Mas a empresa não corre o risco de perder o foco atuando em tantas áreas?
Os riscos são menores do que ter só uma atividade. Até a geração passada (Everardo Telles faz parte da quarta geração que comanda a Ypióca) só tínhamos uma atividade, a cachaça, e um pouco de pecuária. Depois entramos na indústria de papel e papelão para fabricar nossas caixas, que também vendemos para terceiros. Nosso projeto é expandir mais a pecuária. Temos uma propriedade no Tocantins e gostaríamos de ampliar a produção de nelore.

 

Gazeta Mercantil - A cachaça vem perdendo importância no faturamento da empresa?
As outras áreas crescem, mas a cachaça também. Mas a idéia é diminuir o peso da cachaça.

 

Gazeta Mercantil - O mercado de cachaça cresceu pouco. Quanto a Ypióca cresceu em 2007? A lei seca pode atrapalhar o desempenho do ano?
O mercado como um todo está crescendo 2%, 3%, mas, por conta do nosso bom trabalho de distribuição e marketing, crescemos 10% ao ano na média dos últimos três anos e devemos fechar 2008 com esse índice. Além disso, a exportação aumentou entre 30% e 40%. A Lei seca teve um impacto pouco significativo. Pesando os dois lados, é uma lei positiva.

 

Gazeta Mercantil - Diante desse crescimento, a Ypióca pretende ampliar a produção de cachaça?
Estamos construindo uma unidade que será a maior do grupo. Hoje, a maior está no Rio Grande do Norte. Essa que estamos construindo será um pouquinho maior que a do Rio Grande do Norte, que tem capacidade para 4 mil toneladas de cana por dia. Será na margem do rio Jaguaribe. Lá tem terra fértil e água abundante. Essa fábrica será montada com as condições para produzir álcool hidratado (combustível) e aguardente.

 

Gazeta Mercantil - Quanto será o investimento nessa nova fábrica? Quando deve iniciar operação?
Foram investidos cerca de R$ 80 milhões e a fábrica deve começar a funcionar em agosto de 2009.

 

Gazeta Mercantil - Como será financiada ?
Os recursos são próprios.

 

Gazeta Mercantil - Essa nova fábrica será a primeira da empresa a produzir álcool hidratado?
Recentemente passamos a produzir álcool no Rio Grande do Norte e no Ceará. A fábrica que estamos construindo talvez inicialmente produza mais álcool, porque as outras estão com folga de produção. Estamos produzindo álcool porque a produção de aguardente já foi suficiente para o mercado.

 

Gazeta Mercantil - E quais as expectativas para o mercado de álcool?
Na verdade não é um bom negócio. O preço é muito baixo e os custos são altos. Vamos fabricar o álcool porque estamos com as instalações prontas, temos a matéria-prima e não é interessante produzir aguardente - porque já ultrapassamos a necessidade de produção. Pretendemos abastecer o mercado no Ceará, porque todo o álcool do Ceará vinha de fora até começarmos a produzir.

 

Gazeta Mercantil - Se não é um bom negócio, porque o investimento na fábrica?
Queremos estar preparados para o momento em que a comercialização de álcool para o mercado externo seja favorável. Quando os mercados dos Estados Unidos, Europa e Japão forem abertos a situação deve mudar.

 

Gazeta Mercantil - Como são distribuídas as vendas no Brasil?
Comercializamos no Brasil todo, mas os estados mais fortes são os do Nordeste, basicamente o Ceará, e os do centro-sul, como São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso.

 

Gazeta Mercantil - Qual a posição da Ypióca no mercado de aguardente?
Segundo os números da Nielsen de agosto, somos a segunda marca em faturamento e a terceira em volume de vendas. (Em volume, os dados da Nielsen referentes a agosto de 2008 mostram a Müller, fabricante da 51, com 28,3% de participação, a Pitu com 12,2% de participação e a Ypióca com 9,3%).

 

Gazeta Mercantil - Qual o volume de produção de aguardente da Ypióca?
A capacidade é de cerca de 100 milhões de litros. Se a nova fábrica fosse produzir só aguardente, seriam mais 40 milhões.

 

Gazeta Mercantil - E como estão as vendas de água ?
É um mercado excelente. A Naturágua está muito centralizada no estado do Ceará, porque a água não é um produto que comporta grandes distâncias. Por isso, estamos estudando novos mercados. Para crescer fora do estado teríamos que comprar novas fontes. Já temos um projeto no Rio Grande do Norte que deve sair do papel no médio prazo. Hoje comercializamos 80 mil garrafas descartáveis e 150 mil garrafões por mês. Isso representa 50% da nossa capacidade, considerando apenas um turno.

 

Gazeta Mercantil - E a produção de garrafas e garrafões?
Só existem duas empresas que fazem garrafões de PET no Brasil, a Ypióca e uma fábrica de São Paulo. Então atendemos todo o Nordeste. Cerca de 80% da nossa produção é vendida para terceiros.

 

Gazeta Mercantil - Como estão as vendas de caixas papelão?
São caixas de papel reciclado. Estamos ampliando agora a produção de 1,2 mil toneladas para 1,8 mil toneladas mês. Da produção total, utilizamos 40% e o restante vai para mais de cem clientes da região.

 

Gazeta Mercantil - A empresa investe em geração de energia?
Produzimos aguardente e como subproduto temos o bagaço, que tem várias aplicações, inclusive energia. Cada fábrica gera em torno de 5 mil KVA de energia. O bagaço também é utilizado para ração, na produção do papelão e adubo. Hoje, por incrível que pareça, o bagaço alcança quase o preço da cana.

 

Gazeta Mercantil - Qual o tamanho da área agropecuária do grupo?
Temos aproximadamente 4 mil cabeças de gado, entre leiteiro e de engorda. Temos um plantel de mil fêmeas, o que deverá dar todo ano 800 bezerros. Nosso projeto futuro é produzir soja e milho. Mais soja porque tem um valor agregado maior e ainda podemos utilizar na alimentação de bovinos e suínos.

 

Gazeta Mercantil - A empresa foi acusada de poluir a Lagoa Encantada, no Ceará. Qual a situação hoje?
Isso foi uma movimentação de interesses outros. Vizinho a uma de nossas indústrias tem a tribo Jenipapo-Kanindé. O que acontece é que entre a empresa e a tribo existe uma lagoa que separa a tribo da indústria. Então acusaram a empresa de poluir e secar a lagoa. Provamos que no pico do verão a lagoa estava no nível máximo. As dunas funcionam equilibrando o nível da lagoa, como se fosse uma esponja. Retiraram as acusações. Não é que existisse problema. As pessoas provocaram o problema e alguns indígenas acreditaram. Provocaram um mal estar, que hoje não existe mais. Mas houve um desgaste de imagem.

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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