Estatuto da Schin não prevê venda indireta do grupo

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A Jadangil, formada pelos primos que discordam da negociação com a Kirin, promete ir à Justiça

 

Um entrevero familiar está marcando a venda do controle da Schincariol para a japonesa Kirin. Os acionistas da fabricante brasileira de bebidas são a Aleadri-Schinni Participações, dos irmãos Alexandre e Adriano Schincariol, que têm 50,45% do grupo, e a Jadangil Participações, dos irmãos José Augusto, Daniela e Gilberto Schincariol Jr, dona de 49,55%. Os dois grupos de primos não se entendem sobre a venda: a pretensão da Jadangil era comprar a parte de Adriano e Alexandre no futuro, mas nunca chegou a formalizar uma proposta. Agora, com a venda à Kirin, a Jadangil promete abrir fogo.

 

Com a operação, anunciada na noite de segunda-feira, os japoneses passam a mandar na empresa, o que lhes dá direito inclusive de mudar o estatuto e toda a diretoria - incluindo Gilberto Jr, atual diretor comercial do grupo e o principal insatisfeito com a negociação. Ontem, a Jadangil distribuiu um comunicado à imprensa informando não reconhecer a legitimidade do acordo fechado pela Kirin.

 

Segundo o comunicado, o estatuto social da Schincariol prevê que o sócio que quisesse vender suas ações deveria dar direito de preferência aos demais acionistas, fixando o prazo mínimo de 30 dias. Em caso de não manifestação, a venda poderia ser aberta ao mercado. Depois que surgisse um candidato, com uma proposta definida, o acionista vendedor deveria voltar para os demais acionistas da Schincariol e esperar mais 30 dias para ser coberta a proposta, nas mesmas condições. Se os demais acionistas não se manifestassem, aí sim as ações da empresa poderiam ser vendidas.

 

A intenção da Kirin é manter Gilberto Jr em função executiva, mas pode, como controlador, mudar toda a diretoria

 

Mas, segundo fontes que acompanharam a negociação, a cláusula se refere apenas a ações da Schincariol - e não das holdings familiares que controlam a empresa. Ou seja, o estatuto não previa a venda indireta de participação, que foi o que aconteceu na operação envolvendo a Aleadri e a Kirin. A cláusula que prevê o direito de primeira oferta e de preferência [para os demais acionistas] foi colocada no estatuto da empresa em 2005, quando a Schincariol se tornou uma S.A., como forma de manter o equilíbrio entre todos os acionistas", diz uma fonte.

 

A cláusula já existia nas empresas operacionais, antes delas se tornarem uma S.A, e foi uma ideia do antigo controlador, Nelson Schincariol, morto em 2003. "Nelson não queria ver um dos seus filhos deixando o outro de fora do negócio e assumindo o controle sozinho", diz uma fonte.

 

Dessa forma, se Adriano, por exemplo, presidente da Schincariol, quisesse comprar a parte de um dos seus primos na Jadangil, teria dificuldades. "A proposta de venda das ações do primo deveria ser avaliada por todos os acionistas ao mesmo tempo, todos teriam direito de preferência", diz a fonte.

 

A Jadangil já contratou o escritório Teixeira, Martins & Advogados e pretende levar o caso à Justiça. "Mas, mesmo que eles tivessem razão, não teriam dinheiro para cobrir a proposta", diz uma fonte. Para ter 50,45% da Schincariol, a Kirin pagou R$ 3,95 bilhões aos irmãos Adriano e Alexandre.

 

Para acalmar os ânimos, e manter a família na empresa, Adriano teria sugerido à Kirin a indicação do primo Gilberto para a presidência. "Pelo acordo com os japoneses, Adriano ficaria como presidente entre três meses e um ano, no período de transição", diz uma fonte. "Mas ele [Adriano] sugeriu que Gilberto assumisse imediatamente, se for o caso". A Kirin, segundo essa fonte, ficou de avaliar.

 

Mas a primeira impressão não foi das melhores: o diretor geral da Kirin, Hirotake Kobayashi, que visitou a sede da companhia ontem em Itu (SP), não foi recebido por Gilberto ou seus irmãos. A expectativa é que os acionistas da Jadangil recebam o CEO mundial da Kirin, Senji Miyake, que vem ao Brasil nos próximos dias.

 

Reuniões entre a Kirin e a Aleadri foram feitas em Londres e Nova York. Nesta, está a sede do Citibank, que assessorou a Kirin nas negociações, ao lado do escritório Tozzini Freire. Por parte da Schincariol, o negócio foi conduzido pelo banco BTG e pelo escritório Mattos Filho.

 

Para interlocutores, Gilberto Jr disse que a Jadangil foi pega de surpresa com a venda. Outras fontes que acompanharam a negociação dizem que não. "Para ter acesso a alguns dos dados da Schincariol, como informações da auditoria, a Kirin precisou do aval da Jadangil", diz a fonte. As negociações com a fabricante japonesa começaram há quatro meses.

 

Gilberto e seus irmãos estavam cientes também de outras candidatas que também avaliaram a Schincariol, como a Heineken, a Diageo e a SabMiller.

 

Segundo interlocutores próximos à família, os acionistas da Jadangil foram convidados a vender a sua parte na companhia junto com a Aleadri. "O Adriano e o Alexandre fizeram a proposta formalmente aos seus primos no início do ano, antes de iniciarem qualquer negociação", diz uma fonte. Da parte da Jadangil, a resposta foi negativa. "Especialmente o Gilberto não está disposto a abrir mão da empresa", afirma. Na bolsa de Tóquio, o papel da Kirin Holdings fechou ontem com queda de 0,26%, valendo 1.148 ienes a ação.

 


Mercado considera preço alto

 

No mercado, o montante pago pela Kirin pelo controle da Schincariol foi considerado alto. "Com essa oferta de quase R$ 4 bilhões por metade da empresa, o valor de mercado da Schin fica em R$ 7,8 bilhões", disse um analista do setor de cervejas. "Como o Ebitda [sigla em inglês para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização] da cervejaria em 2010 foi de R$ 434 milhões, os japoneses pagaram pouco mais de 18 vezes o Ebtida", acrescentou. Segundo ele, o valor ficou muito acima do esperado, uma vez que cervejarias em países emergentes, com vendas de cerveja em expansão, como o Brasil, custam entre oito e dez vezes seu Ebitda. "Essa relação de 18 vezes o Ebitda serviria, por exemplo, para uma Ambev, que é líder, de primeira linha e já consolidada", afirmou.

 

Mesmo com uma marca fraca, a Nova Schin, a cervejaria controla quase 10% do mercado brasileiro de cervejas e chegou a ter uma receita líquida de R$ 2,9 bilhões em 2010, segundo seu relatório anual. A empresa tem 13 fábricas no país.

 

"Considero que seja um valor louco para metade do negócio", diz Trevor Stirling, analista da Sanford C. Bernstein, de Londres. "Seria uma quantia muito alta mesmo que fosse por 100% das ações, especialmente por conta das possíveis dívidas tributárias da empresa", acrescentou. A Kirin, segundo ele, tem um histórico de fechar negócios acima do preço de mercado. Em julho do ano passado, a empresa pagou US$ 953 milhões por 14,7% da cervejaria Fraser & Neave, de Cingapura, com um prêmio de 15% sobre o valor de mercado da companhia. Este ano, a empresa adquiriu o restante da companhia, também pagando acima do mercado.

 

"Gastando tanto dinheiro assim, eles terão de se esforçar muito para melhorar as operações da Schincariol no mercado. Quem deve estar gostando dessa história toda é a Ambev, que terá um rival bem menos agressivo que a Heineken ou a SABMiller", afirma Stirling.

 

Na Bolsa de Tóquio, as ações da Kirin Holdings caíram 0,4% para 1,147 ienes depois que a empresa anunciou a compra da Aleadri-Schinni Participações e Representações SA, que representa a fatia dos sócios Adriano e Alexandre Schincariol na companhia. (LC)

 


Veículo: Valor Econômico


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