Com a compra da Sagatiba, o grupo italiano, dono da Cinzano, passará a explorar o mercado de cachaças. Isso pode significar a internacionalização definitiva do destilado preferido dos brasileiros
A Campari acaba de aumentar o teor alcoólico da sua carta de bebidas. Na quinta-feira 5, a tradicional fabricante italiana, fundada em Milão em 1860, anunciou a compra das operações da brasileira Sagatiba. A marca vai se juntar a um portfólio de mais de 40 bebidas, que inclui outros ícones etílicos, como o avermelhado aperitivo Campari, o digestivo Cynar, o vermute Cinzano, o licor Frangelico e a vodka Skyy. Para entrar no negócio das branquinhas, o destilado favorito dos brasileiros, a Campari vai pagar US$ 26 milhões ao fundador da Sagatiba, o empresário Marcos de Moraes, que já havia negociado, em 2000, o provedor de internet Zip.
Net com a Portugal Telecom por US$ 365 milhões. Ele também embolsará 7,5% das vendas da cachaça em todo o mundo pelos próximos oito anos. Se depender dos planos dos italianos para a Sagatiba, ele terá quase uma década de cheques polpudos pela frente. A Sagatiba será o drink de entrada para um mercado de grande potencial de crescimento para a empresa no Brasil, país que representou € 47 milhões do seu faturamento global de € 589 milhões no primeiro semestre deste ano. “O País é muito importante para o negócio, e o nosso acesso ao consumidor local está crescendo”, afirmou à DINHEIRO o austríaco, de origem turca, Bob Kunze-Concewitz, CEO do grupo Campari.
Líquido dourado: Kunze-Concewitz, CEO da Campari, quer explorar o mercado de cachaças,que representa 55% do total de destilados consumidos no Brasil
Até agora, sem ter uma marca de cachaça no seu cardápio, a Campari deixava de competir numa categoria responsável por 55% das vendas de destilados no Brasil. Sozinha, a aguardente feita de cana movimenta mais de US$ 1,5 bilhão no País. O CEO da Campari também espera que os brasileiros afastem os copos das “marvadas” que descem mais rascantes, em favor de bebidas de melhor qualidade. “O brasileiro não está necessariamente bebendo mais, mas quer beber melhor”, diz Kunze-Concewitz. “Assim, abre espaço para o crescimento de uma cachaça premium, como a Sagatiba.” Segundo ele, atualmente, apenas 4% das vendas de aguardente são das consideradas premium, a exemplo dos produtos da Sagatiba, que custam entre R$ 17 e R$ 35, mas a participação está crescendo. Kunze-Concewitz tem motivos para querer aproveitar essa tendência. Até aqui, é certo, a Campari tem tradicionalmente trabalhado com produtos mais populares, como o conhaque Dreher, além das bebidas já citadas Cinzano e Cynar.
Todas elas custam abaixo de R$ 20. Mesmo o uísque Old Eight está entre os de menor preço de sua categoria. “A Campari tem um portfólio um tanto envelhecido e voltado às classes mais baixas”, diz Julio Moreira, professor de marcas da pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Com a ascensão econômica do Brasil, é a oportunidade para chegar aos produtos que trazem maiores margens de lucro.” Existe ainda uma outra oportunidade que a Campari promete explorar com a Sagatiba: a exportação. Apesar de o brasileiro não deixar sobrar quase nenhum excedente para os estrangeiros – cerca de 99% da produção de cachaça é consumida no País –, a caipirinha vem se tornando mais conhecida pelo mundo.
O aumento do turismo, previsto para os próximos anos, pode ajudar a divulgar ainda mais a mistura da cachaça com limão e açúcar. Com a Sagatiba, a Campari tentará algo que nenhum grupo nacional conseguiu com a bebida tipicamente brasileira. “Ela pode ser a primeira marca realmente internacional de aguardente, algo parecido com o que a mexicana José Cuervo representa para a tequila”, diz Moreira. Atualmente a Sagatiba é distribuída em 40 países. Mas de forma discreta, reconhece Paolo Perego, diretor-geral da Campari na América do Sul. “Obviamente, por questões culturais, não devemos exportá-la para todos os 190 países em que atuamos, mas queremos aumentar as vendas internacionais”, afirma Perego.
A própria Campari possuía acordo com a empresa de Marcos de Moraes, filho do ex-rei da soja Olacyr de Moraes, para a distribuição de seus produtos na América Latina. Quando Moraes resolveu vender o negócio, a Campari estava no topo da lista de possíveis compradores. Se os planos da italiana para a Sagatiba forem bem-sucedidos, haverá motivos para compradores e comprados comemorarem juntos. Com um bom drink. Até mesmo um brasileiríssimo rabo de galo: afinal seus dois componentes principais, o vermute e a cachaça, estão sob o guarda-chuva da Campari.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro