Campari compra a cachaça Sagatiba

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Grupo italiano paga US$ 26 mi pela empresa e pretende crescer no mercado premium

 

O mercado de bebidas do Brasil é alvo de um assédio internacional, e até a cachaça está agora no radar de investidores estrangeiros. Depois da venda, no início da semana, da Schincariol para o grupo japonês Kirin, ontem foi a vez da italiana Davide Campari-Milano anunciar a aquisição da marca brasileira de cachaça Sagatiba por US$ 26 milhões.

 

No mercado de bebidas, a aquisição foi considerada simbólica. O acordo demonstra que investidores estrangeiros estão dispostos a apostar em produtos tipicamente nacionais para lucrar com o consumo em expansão.

 

Segundo a negociação, a Campari pagará um valor adicional equivalente a 7,5% das vendas anuais da Sagatiba durante os próximos oito anos. Em 2010, o grupo italiano já havia acertado um acordo de distribuição da marca no Brasil e América Latina. O entendimento permitiu que o produto fosse distribuído em 40 países pelo mundo.

 

Agora, a empresa decidiu comprar 100% das ações da Sagatiba, fundada pelo empresário Marcos de Moraes em 2004. Com marcas como Pura, Velha e Preciosa, a fabricante brasileira vendeu 1 milhão de litros em 2010 - uma expansão de 21,6% entre 2005 e 2010.

 

Embora não tenha conseguido deslanchar em volume, segundo especialistas do mercado de cachaça, a Sagatiba conseguiu criar uma marca forte - fruto de pesados investimentos em marketing - e se posicionar no mercado premium. "Eles investiram na marca, não no produto", diz o consultor e "cachacista" Jairo Martins da Silva. "Optaram por um processo de destilação contínua que usa menos mão de obra e gera ganho de produtividade."

 

Renda. Estar na categoria premium foi um dos fatores que chamou a atenção dos italianos. Segundo o CEO do grupo Campari, Bob Kunze-Concewitz, a decisão de adquirir a Sagatiba vem da projeção de que bebidas de maior qualidade ganharão um público consumidor cada vez maior no Brasil, diante do aumento da renda. "Queremos explorar a categoria de cachaças premium, que continua a crescer no Brasil", diz o comunicado.

 

Em 2010, 765 milhões de litros de cachaça foram consumidos no mundo - 99% desse volume, no Brasil. Segundo o CEO da empresa, o segmento premium ainda representa apenas 2% do mercado total da cachaça. "Mas está ganhando terreno." Os italianos também querem consolidar a marca brasileira no próprio mercado nacional, um dos poucos em expansão. "O acordo permitirá acesso a um dos maiores segmentos do mercado brasileiro."

 

No primeiro semestre, a Campari, dona de marcas como Campari, Dreher e SKYY Vodka, faturou 580 milhões e registrou lucro líquido de 75,3 milhões - 8,7% a mais que em 2010. Os mercados emergentes claramente impulsionaram o crescimento do grupo italiano.

 

Hoje, o Brasil é o sétimo maior mercado de bebidas do mundo e cresce acima da taxa internacional de 9%. Além de um maior número de consumidores, há também uma busca por produtos de melhor qualidade. Não por acaso, a Companhia Muller de Bebidas já lançou a Cachaça Reserva 51 e a 51 Gold. Já a tradicional Cachaça 51 passou a ser neste ano a quarta bebida mais vendida no mundo, segundo a International Wine & Spirit Research.

 

No mercado nacional, os produtores de cachaça dizem não ter se surpreendido com a venda da Sagatiba. "Estava claro desde o início que o Moraes criou a empresa para vendê-la mais tarde", disse César Rosa, presidente do Instituto Brasileiro da Cachaça e presidente da fabricante nacional Tatuzinho. Mas isso não é visto de forma negativa pelos concorrentes. Pelo contrário. Eles esperam ganhar com o fortalecimento da bebida no mercado externo, uma briga antiga do setor, que luta para ter a bebida reconhecida como genuinamente brasileira, como os mexicanos fizeram com a tequila.

 

Um sinal de que isso de fato pode acontecer estava no comunicado do grupo Campari ao mercado. Os italianos tiveram a preocupação de explicar aos investidores o que é a cachaça: "É um derivado da cana de açúcar e um ingrediente chave para a clássica caipirinha, a famosa bebida brasileira com limão e açúcar".

 

Moraes teve sucesso na web

 

Antes de mesmo de criar a Sagatiba, Marcos de Moraes teve sucesso na venda das empresas que criou. Em fevereiro de 2000, ele vendeu para a Portugal Telecom a Zipnet, por US$ 365 milhões, o segundo maior negócio da história da internet brasileira. A empresa oferecia o Zipmail, serviço de correio eletrônico gratuito pioneiro no Brasil.

 

A venda da Zipnet aconteceu dois meses antes do estouro da primeira bolha da internet. O maior negócio da internet brasileira foi a compra de 30% da Globo.com pela Telecom Italia, em junho de 2000, por US$ 810 milhões.

 

Filho do ex-rei da soja, Olacyr de Moraes, Marcos também criou e vendeu, em meados da década de 1990, a operadora de paging (mensagens de texto) Access, pouco antes desse mercado entrar em crise, com o avanço do celular. / RENATO CRUZ

 


Entrevista: Bob Kunze-Concewitz, presidente da Davide Campari-Milano

 

Por décadas, a Campari levou o "estilo de vida italiano" ao mundo, em forma de uma bebida. Agora, em busca de lucros, não hesita em também promover o "estilo de vida brasileiro" para o mundo. Em entrevista ao Estado, por telefone, o CEO do grupo italiano, Bob Kunze-Concewitz, garantiu que o Grupo Campari não perderá a ocasião de levar aos mercados estrangeiros a bebida tipicamente brasileira. "Nos próximos anos, o mundo estará atento a tudo o que está relacionado com o Brasil", disse.

 

Por muito tempo empresas estrangeiras trouxeram marcas e estilos de vida ao Brasil. Agora, vemos a compra de produtos tipicamente brasileiros por grupos estrangeiros. O que mudou?
O que vemos é que a cachaça é uma categoria importante no mercado de bebidas no País. Com a compra da Sagatiba, vamos entrar em um segmento de mercado e oferecer uma cachaça de qualidade. A taxa de crescimento da bebida tem sido acima de 20% por ano, e apostamos que a expansão em dois dígitos vai continuar ocorrendo nos próximos anos.

 

Ao adquirir a empresa, o principal incentivo foi então aproveitar a expansão do consumo no mercado brasileiro?
Vou ser claro. Compramos a Sagatiba para o mercado brasileiro. Esse é, sem dúvida, o principal foco e vamos colocar nosssos esforços nisso.

 

Por que uma empresa internacional investiria na cachaça?
A cachaça representa 55% do consumo de bebidas destiladas no Brasil, um mercado em expansão. Não porque o brasileiro vai beber mais. Há um boom demográfico e, além disso, o brasileiro quer beber com maior qualidade. A Sagatiba está perfeitamente posicionada para avançar nesse mercado e é essa qualidade que vamos oferecer.

 

E quais são os planos e possibilidades para a exportação da cachaça?
Esse é outro aspecto importante. Hoje, um terço das vendas da Sagatiba já ocorre fora do Brasil. Essa é uma proporção importante das vendas e acreditamos que podemos reforçar ainda mais essa tendência.

 

E como o sr. espera fazer isso?
O mundo estará de olho no Brasil nos próximos anos, com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. A atenção sobre o País será muito grande, e o que nós queremos é aproveitar a ocasião para levar um pouco do estilo de vida brasileiro para o resto do mundo. Nos próximos anos, o mundo estará atento a tudo o que está relacionado com o Brasil. Vamos reviver o interesse pela cachaça.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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