Safra de dólares irriga o vinho argentino

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A crise global que estremece as relações comerciais de todo o mundo parece não ter chegado ao mundo do vinho argentino. O entusiasmo por lá é tanto, que os produtores pouco estão se importando com a redução do consumo interno, hoje em 30 litros per capita, quando há 20 anos alcançava a estratosférica marca de 90 litros per capita. A ordem é seguir exportando cada vez mais para mercados tradicionais como Estados Unidos e Brasil e, se possível, entrar em novos nichos.

A safra de dólares colhida com a exportação nos últimos anos é o néctar que alimenta a euforia. E não por acaso. Até julho de 2011, a exportação de vinhos em garrafa chegou a US$ 404 milhões, um crescimento de 11,6% na comparação com o mesmo período do ano anterior, enquanto o preço médio subiu 6%. Em volume físico, foram 107 milhões de litros. Para efeito de comparação, o Brasil faturou apenas US$ 2,3 milhões com a exportação de 1 milhão de litros em 2010. Em compensação, importou 75,3 milhões de litros, no período, sendo 26,5 milhões do Chile e 18 milhões da Argentina, segundo o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin).

Mendoza, uma província árida estacionada no meio-oeste do território argentino, responde por 80% da produção vitivinícola do país. Com altitudes e temperaturas ideais ao cultivo de videiras, a região é celebrada como uma das melhores do mundo à produção de vinhos. A baixa incidência de chuvas, de não mais do que 200 milímetros por ano, exige dos produtores um esforço extra de irrigação o ano inteiro. Mas é justamente esta característica que confere à uva condições excepcionais de desenvolvimento. O clima desértico evita o ataque de pragas e, consequentemente, a necessidade de pulverização com agroquímicos. Por essas condições favoráveis, cresce no território argentino também a produção de vinhos orgânicos certificados.

Falar de vinho argentino é falar de Malbec. Embora originária do Sudoeste da França, a variedade se adaptou melhor ao solo argentino do que a qualquer outro. Lá, encontrou as condições ecológicas ideais ao seu desenvolvimento, gerando vinhos excepcionais. O país é reconhecido como o produtor dos mais refinados Malbecs, e os de Mendoza são considerados os melhores do mundo. Caiu na preferência dos americanos, hoje o principal mercado, com importações totais - incluindo outras variedades - de US$ 154,8 milhões até julho deste ano. Embora a produção e a exportação se estendam aos tintos Cabernet Sauvignon e Bonarda, entre outros, e aos brancos Chardonnay, Sauvignon Blanc e Torrontés, o Malbec sintetiza a preferência do consumidor tanto nos EUA quanto no Brasil.


Brasil na mira de los hermanos

Terceiro destino dos vinhos argentinos, atrás apenas dos Estados Unidos e do Canadá, o Brasil é visto pelos produtores e exportadores da Argentina como uma espécie de meca potencial de consumo. Afinal, o brasileiro consome menos de 2 litros de vinho per capita anualmente (só os argentinos consomem 30 litros), o que dá a ideia da possibilidade de ampliação do mercado não só para os vinhos produzidos na Argentina como também no Brasil. E os argentinos sabem disso. A Trapiche, uma das maiores vinícolas locais, encomendou recentemente a uma consultoria um estudo sobre os hábitos de consumo da nova classe média brasileira. Lá como aqui, quem produz e vende sabe que, nos últimos 10 anos, 40 milhões de brasileiros (o equivalente à população inteira da Argentina) foram alçados a uma condição de poder de compra que merece atenção especial. "Só nas categorias de vinhos entre R$ 20,00 e R$ 40,00 a garrafa estimamos crescimento de 5% no Brasil este ano", comemora o manager da Trapiche, Ramiro Barrios. "O Brasil desponta como um enorme mercado para vinhos", emenda o economista do Consejo Federal de Inversiones da Argentina Diego Javier Gomez.

A cidade de Mendoza, capital da província de mesmo nome, é um dos tantos locais onde a capacidade de superação do homem se materializa plenamente. As mesmas mãos que fazem o vinho fizeram os imensos diques e canais que abastecem a cidade e os parreirais o ano todo. Mendoza é quase um milagre no meio do deserto. O índice pluviométrico de 200 milímetros anuais inviabilizaria a vida na cidade não fossem os projetos de irrigação que garantem reservas e distribuição de água por canais à população e aos vinhedos durante os 365 dias do ano. Toda a água consumida não só na cidade quanto no interior da província é originária do represamento no rio Mendoza e do derretimento das geleiras eternas do chamado Cordão do Prata, uma cadeia de montanhas rochosas que integra a Cordilheira dos Andes. É no verão que a água despenca de montanhas que podem atingir até 5 mil metros de altura para abastecer as barragens.

Nem só de tinto Malbec vive a fama argentina de grande produtora de vinhos. Uma variedade de uva branca cultivada principalmente na província de Salta, a noroeste do território, é a nova mania dos apreciadores da bebida. Trata-se da variedade Torrontés. A Argentina é o único país do mundo que a produz. Seu reconhecimento veio dos vinhedos do Vale de Cafayate, em Salta. Graças ao microclima dessa região, a videira teve ali um desenvolvimento excepcional, dando como resultado vinhos frutados, saborosos e duradouros. O Torrontés é uma variedade adaptada ao solo argentino, que teria surgido do cruzamento natural entre as uvas Moscatel e Criolla Chica.

A cidade de Cafayate, um pequeno conglomerado urbano de não mais do que 15 mil habitantes, é a porta de entrada do vale coberto de videiras. A pequena cidade recebe milhares de turistas o ano todo em busca de sossego, clima de montanha, artesanato e, naturalmente, bons vinhos.


Veículo: Jornal do Comércio - RS


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