Região francesa quer expandir os limites em 20% para incluir mais vinhedos e aumentar a produção
A quantidade de champanhe que você bebe hoje foi estrategicamente determinada em 1927. Naquele ano, os produtores de Champanhe, região francesa do badalado vinho efervescente, delimitaram a área dos vinhedos, preocupados em preservar a bebida da banalização.
O que não previram foi que, 84 anos depois, a concorrência com outros espumantes tornasse os 34 mil hectares demarcados pequenos para a sede de champanhe.
Por isso, a região, a 150 km de Paris, agora estuda expandir em quase 20% seus limites geográficos e abraçar outros 45 vinhedos em povoados nos arredores -além dos 319 já existentes. Tudo para dar conta da demanda por champanhe no mundo, que, puxada por emergentes como o Brasil, beirou o recorde histórico de vendas em 2010.
A contragosto de quem já está lá dentro, mas por desejo de vizinhos que anseiam em ganhar o valioso rótulo de champanhe, a proposta foi aprovada em primeira avaliação por uma comissão independente formada por agrônomos, enólogos, cientistas e historiadores. E gera polêmica dentro da região.
"Tem muita briga entre os grandes e pequenos. Entendemos que as grandes marcas querem vender mais, mas temos que proteger nossa área", diz Raphaël Bereche, pequeno produtor da região.
"Não podemos ficar presos a uma lei de mais de 80 anos", afirma o produtor Jean Ribraut, de Saint-Eugène, um dos vilarejos candidatos a entrar em Champanhe.
As grandes, encabeçadas por Moët & Chandon e Veuve Clicquot, advogam pela expansão da região, com prudência. "Temos que crescer, embora de maneira suave, mas a demanda aumentou muito", diz Cyril Brun, gerente de desenvolvimento de vinho da Veuve Clicquot, marca que tem o Brasil entre os dez principais consumidores.
A decisão, no entanto, não deve sair antes de 2018 ou até que os membros da comissão visitem e analisem uma série de determinantes como clima, solo, subsolo e relevo da terra que, juntos, determinam uma boa uva.
Para não esperar até lá, os produtores decidiram aumentar, já na próxima temporada, a quantidade das uvas chardonnay, pinot noir e pinot meunier, usadas para fazer champanhe, que podem ser plantadas na região. "É um risco que estamos dispostos a correr", diz Philippe Wibrotte, relações-públicas do Comitê Interprofissional do Vinho de Champanhe.
Depois de muita briga, pequenos produtores -que detêm 90% de todos os vinhedos de Champanhe e defendem uma delimitação menor- e as 220 grandes marcas estabeleceram em 10,5 toneladas de uva por hectare o limite das plantações, 1,5 tonelada a mais que na última safra. Traduzindo em garrafas, 40 mil delas extras.
"Temos que ter muito cuidado para não produzir uma uva de pior qualidade. Hoje em dia há muitos bons espumantes pelo mundo", afirma Alexandre Penet, da Penet-Chardonnet, produtora de 400 anos com seis hectares de vinhedos Grand Cru, o mais nobre deles.
Em 2008, os produtotes venderam 322 mil garrafas de champanhe, o maior número na história da região. Em 2009, as vendas caíram para 293 mil, e, ano passado, voltaram a subir para 319 mil.
Espumantes brasileiros têm boa reputação
Os brasileiros estão cada vez mais adeptos às borbulhas. A importação e fabricação de espumantes têm aumentado consideravelmente na última década.
Desde 2001, segundo o Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho), importamos 220% e produzimos cerca de 280% a mais. A versão nacional, cerca 12,5 milhões de litro por ano, é responsável por 75% do mercado interno.
E por mérito. Graças à umidade da serra gaúcha (RS), o espumante brasileiro desenvolveu identidade própria.
Para o presidente da Associação Brasileira de Enologia, Christian Bernardi, a condição climática é essencial para preservar a acidez e o frescor do espumante.
"A produção obedece a um conjunto de fatores favoráveis às uvas brancas. O solo da serra gaúcha e as chuvas propiciam um perfil característico ao produto: mais leve e com aromas frescos", diz.
Tanto os métodos tradicional e charmat são empregados pelas vinícolas. Segundo Bernardi, as principais castas utilizadas para a produção da versão nacional são a chardonnay, a pinotage, a pinot meunier e a pinot noir.
Há também a moscatel, para a versão mais adocicada do espumante, e alguns experimentos com a riesling.
Dona da escola Ciclo das Vinhas, Alexandra Corvo é entusiasta do sabor conferido pelo clima gaúcho. Ela explica que nenhum país do Novo Mundo, principalmente Chile e Argentina, produz com o mesmo nível e a qualidade do Brasil.
"Há cada vez mais consumo e respeito pelos espumantes brasileiros. Ele é bem exótico, perfumado, exuberante, diferente de outros mais tradicionais como o champanhe, mais austero, e o prosecco, mais delicado", diz.
Veículo: Folha de S.Paulo