Para proteger a indústria nacional do vinho, o governo estuda criar salvaguardas, que, de partida, já encontram problemas sérios de aplicação e, se aplicadas, podem trazer uma dor de cabeça às autoridades brasileiras pior que as provocadas pelo conteúdo alcoólico de certos garrafões vendidos como produto de vinícolas nacionais. O Brasil tem bons vinhos, com preços pouco competitivos, infelizmente, quando comparados com similares do Cone Sul. Salvaguardas podem dar tempo à produção nacional para buscar competitividade, mas há indicações de que essa expectativa pode terminar em frustração.
Pior: a aplicação da salvaguarda contra o vinho estrangeiro cria o risco de colocar o país na mesma posição incômoda em que o Brasil se viu no ano passado, quando, a pretexto de proteger a indústria nacional, aumentou o IPI sobre carros importados. Logo se percebeu que aumentava de maneira impressionante o volume de carros vindos do México, livres da medida discriminatório graças a um tratado de comércio. Impressionada, a presidente Dilma Rousseff mandou acionar a cláusula que extingue o acordo de dez anos firmado com os mexicanos. No caso do vinho, será a Argentina a impressionar o governo, não demora muito.
O governo está impedido de aplicar salvaguardas às importações de vinho do Mercosul, o que deixa a salvo das eventuais barreiras as compras de vinho da Argentina e - para felicidade dos apreciadores de um bom Tannat - do Uruguai. O Chile, principal exportador de vinhos aos brasileiros, está sujeito às salvaguardas, mas um acordo de livre comércio com o Brasil garante aos chilenos tarifa zero de importação. Por isso, se decidida, a salvaguarda, que não pode discriminar entre países, ela virá sob a forma de cotas, limites quantitativos de importação.
Governo não pode aplicar salvaguardas ao vinho argentino
O problemas, para os produtores nacionais, é que cada vez mais se importa mais vinho da Argentina, bom e barato. Em 2011, o país importou US$ 58,8 milhões de vinho engarrafado em recipientes de até dois litros (produto classificado como 22042100, pela nomenclatura comum do Mercosul), quase 13% a mais do que 2010. Curiosamente, as importações, em volume, caíram: de pouco mais de 16,9 milhões de litros, aproximadamente, para menos de 16,8 milhões de litros, o que indica que se comprou menos vinho, por maior preço em dólares. Já em 2012, a importação cresce em proporções dionisíacas.
O vinho da Argentina, que nem estava entre os cem principais produtos importados do país pelo Brasil, chegou, em março de 2012, a 46ª posição, com aumento de 74% no valor pago e de 53% no volume embarcado para as mesas nacionais. No primeiro trimestre, os vinicultores argentinos começaram a pisar nos calcanhares dos chilenos: o Brasil gastou US$ 13,4 milhões importando a bebida do Chile, e US$ US$ 11,3 milhões comprando dos argentinos. Em volume, as importações de vinho argentino já representam quase 80% das compras de vinho chileno. Em 2011, essa proporção era pouco inferior a 60%.
Uma decisão sobre as salvaguardas contra o vinho importado depende da investigação do Ministério do Desenvolvimento, para verificar se o pedido da vinícolas nacionais se enquadra nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que exige a comprovação que as importações tiveram aumento repentino, atual, acentuado e significativo. O Ministério do Desenvolvimento tem levado a sério essas regras, ao ponto de recusar pedido recente dos fabricantes nacionais de máquinas, contra importação de certo tipo de válvulas industriais. As salvaguardas já aplicadas, para brinquedos e coco ralado, passaram galhardamente pelo crivo da OMC.
O curioso é que o vinho derramado pelos exportadores internacionais no mercado brasileiro, após grande crescimento em volume, quase 30% em 2009, mostra sinais de sobriedade: as importações totais de vinho em recipientes de até dois litros no ano passado cresceram 17% em valor, e apenas 2% em volume (os chilenos foram os maiores responsáveis pelo crescimento: passaram de exportações medíocres em 2008, menores que US$ 3,3 milhões para quase US$ 22,5 milhões em 2009, e, desde então, têm aumentado suavemente as vendas).
Com o forte aumento de vendas dos últimos anos, um candidato plausível para salvaguardas em matéria de vinho seria o maior sócio brasileiro no Mercosul, que está a salvo da medida, porém. Com a gula por importados mostrada no Brasil, é fácil imaginar que, como se passou com os carros do México, as barreiras aos concorrentes estrangeiros só aumentarão as vendas do vinho da Argentina ao país. Estariam frustradas as expectativas dos produtores nacionais, que, ou não creem na capacidade argentina de abastecer o mercado brasileiro, ou, em breve, caso saiam as salvaguardas, baterão à porta do governo exigindo providências contra a vizinhança imbatível.
Veículo: Valor Econômico