A reação da Heineken

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Empresa vai dobrar a produção da marca no País e apostar em novos produtos para depender menos da cerveja Kaiser


Há exatamente um ano, executivos da Heineken Brasil estavam em uma operação extenuante. Negociavam com Adriano Schincariol, então presidente e principal acionista da Schincariol, com 51% do capital, a aquisição da companhia. Além de discutir preço, também brigavam por dados mais transparentes sobre as finanças da empresa. Não imaginavam que cerca de 60 dias depois a japonesa Kirin, nona maior cervejaria do mundo, iria levar a fatia de Alexandre por R$ 3,95 bilhões (17 vezes seu Ebitda - lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Meses depois, os japoneses pagaram mais R$ 2,5 bilhões pelo restante da companhia.

Nem de longe os quase R$ 6,5 bilhões eram o que a Heineken pretendia pagar pela Schin, que, além de 13 fábricas, daria à cervejaria holandesa mais 10% de participação no mercado - dobrando sua presença no Brasil - e um sistema próprio de distribuição, uma vez que a empresa ainda usa o sistema Coca-Cola, com a qual tem contrato até 2022.

Após perder a batalha, a cervejaria prepara agora uma nova ofensiva. "Viemos ao Brasil para vencer", garante o sul-africano Chris Barrow, presidente da Heineken Brasil. Para crescer, a holandesa está dobrando a produção da marca Heineken, lançará novos produtos no mercado nacional e, segundo pessoas próximas da companhia, parte para cima da única cervejaria de capital nacional que restou dentre as maiores no País: o Grupo Petrópolis, que teve receita de R$ 3,7 bilhões no ano passado.

Dona da marca Itaipava, a Petrópolis serviria de atalho na caminhada da Heineken para ganhar musculatura: a cervejaria disputa o segundo lugar do mercado copo a copo com a Schin. Tem 3,6 mil funcionários em quatro fábricas - em Petrópolis e Teresópolis (RJ), Boituva (SP) e Rondonópolis (MT). Mas Walter Faria, seu controlador, não estaria inclinado a vender a companhia por quantia igual ou menor do que a paga pela Kirin no negócio com Schincariol.

"Por esse valor (R$ 6,5 bilhões), logo de cara a resposta dele é não", diz um amigo de Faria. "O que ele está vendendo não é parque fabril, mas 10% das vendas nacionais. E Walter calcula que, em dois anos, com a fábrica que ele quer construir no Nordeste, poderá pedir muito mais pela empresa", afirma o amigo. A Petrópolis, que nega a possibilidade de venda, anunciou mês passado investimentos de R$ 250 milhões para 2012 e a construção, ainda este ano, de uma fábrica no Nordeste, provavelmente em Alagoinhas (BA).

Paulo Macedo, vice-presidente de relações corporativas da cervejaria holandesa, diz que a Heineken não está negociando com a Petrópolis. Mas avalia que os valores pedidos pela empresa que circulam no mercado estão inflacionados. "A Heineken não entra em negócio para perder dinheiro. Não vamos pagar mais do que as coisas valem", diz.

Compensação. Se decidir levar a Petrópolis, a Heineken tem uma fórmula de compensar a supervalorização dos preços no mercado nacional, afirmam especialistas. "A empresa tem a possibilidade de vender ativos a quantias tão inflacionadas quanto as do mercado nacional. Isso aconteceu há duas semanas, com a Cervercería Nacional Dominicana, da República Dominicana", diz um analista que preferiu não se identificar. A Heineken vendeu sua participação de 10% na CND à Ambev por US$ 237 milhões - preço equivalente a 13 vezes o Ebitda da empresa. "Transformamos em dinheiro um investimento minoritário a um valor muito atrativo", comentou a holandesa, em nota oficial.

Segundo Chris Mercer, analista do site britânico especializado no setor Just Drinks, foi um ótimo negócio. "A Heineken está feliz, pois terá mais poder de fogo para usar em mercados mais estratégicos, como Brasil e África."

Outro formato para o negócio com a Petrópolis seria uma joint venture, estratégia que a Heineken já adotou em vários países. Na China, por exemplo, a holandesa formou a Asia Pacific Breweries, em associação com a Fraser and Neave, que hoje soma 30 cervejarias em 14 países da região.

Juntas, Heineken e Petrópolis teriam 18,5% das vendas e se tornariam um rival mais forte para competir com a Ambev, dona de 68% do mercado. A união das duas companhias também deixaria a Heineken livre da distribuição dividida com a Coca-Cola. Na Petrópolis, ela é terceirizada, mas é exclusiva, o que não acontece com a Heineken. "A força de vendas da Coca foca na Coca, e não em cerveja. As marcas da Heineken perdem com isso", diz o consultor Adalberto Viviani.

Mais produção. Enquanto uma aquisição ou uma joint venture não se concretiza, a principal aposta da Heineken para crescer é a própria marca. Além da cerveja conhecida pela garrafa verde, a empresa é dona de nomes como Kaiser (responsável pela maior parte das vendas), Bavaria, Sol e Xingu. "Vamos mais que dobrar o volume de produção da Heineken", diz Paulo Macedo. Hoje produzida só em Jacareí (SP), a marca Heineken será fabricada também em Araraquara (SP), e o volume passará dos atuais 75 milhões de litros ao ano para pouco mais de 150 milhões de litros. Gradualmente, segundo fontes, as outras seis fábricas da empresa também devem produzir a marca.

"A melhor ferramenta que a cervejaria tem no momento no mercado brasileiro é a marca Heineken", diz um analista de mercado que preferiu não se identificar. As outras marcas nacionais da companhia ou não crescem ou estão caindo, diz o analista. "A Kaiser, que tinha bom peso nos anos 80, vem perdendo terreno há anos", acrescentou.

A Heineken, por outro lado, tem experimentado um momento de ascensão. A marca vendeu 87% mais em volume no ano passado em comparação a 2010. A Kaiser - que, com 800 milhões de litros, responde por estimados 80% dos R$ 3,3 bilhões em vendas anuais da empresa no Brasil - estagnou. "A Heineken investe na marca Kaiser por causa do volume. Mas a companhia não pode depender de uma cerveja que não cresce", diz o analista.

A cervejaria tem tentado modernizar tanto a Kaiser quanto a Bavaria, suas duas marcas mais populares. Há menos de um mês, lançou a Kaiser em barril, uma embalagem que permite que o consumidor tire a cerveja com pressão. Em maio, vai relançar a Bavaria com nova receita e embalagem. As ações fazem parte do esforço para que a inovação represente 6% do faturamento mundial da empresa em 2020 - hoje, o índice é de 4,1%.

Mais marcas. Mas reformular marcas antigas não basta. Por isso, dizem fontes, a empresa pretende trazer ao Brasil a Desperados, sua segunda marca em presença internacional (a primeira é a Heineken, vendida em 172 países). As vendas da cerveja com tequila cresceram 27% na Europa em 2011. Assim, a Heineken teria uma bebida para um público jovem, que frequenta baladas. Nas principais casas noturnas do Brasil, a líder em vendas não é a cerveja, é a vodca. "O brasileiro descobriu novas bebidas", diz Sascha Cumia, presidente da Campari Brasil, cujas vendas cresceram 8,9% em 2011 graças à vodca Skyy.

Com a Desperados e os investimentos na marca principal, a cervejaria se subordina menos às variações do mercado, altamente dependente de preço (leia abaixo). Por causa principalmente dos reajustes no fim do ano, as vendas da bebida no primeiro trimestre caíram 2,6%, para 24,1 milhões de litros, segundo dados Nielsen - números que a Heineken não quer acompanhar.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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