O governo brasileiro solicitou ontem à Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, a abertura de consultas bilaterais com os EUA por causa de medidas antidumping contra a importação de suco de laranja nacional. O pedido, que será analisado sob as regras do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, questiona os cálculos usados pelo país para estabelecer a suposta margem de dumping de até 4,81% feita por indústrias brasileiras.
O Brasil argumenta que a revisão administrativa do Departamento de Comércio dos EUA, concluída em agosto, foi "inflada" por ter excluído do cálculo da margem de dumping as exportações com valor superior à cotação do produto no mercado doméstico ("valor normal"). Essa forma de cálculo, conhecida como "zeroing", impediria que essas operações compensassem as exportações eventualmente realizadas com preços abaixo do "valor normal". A revisão incluiu o período de agosto de 2005 a fevereiro de 2007, informou o Ministério das Relações Exteriores.
O embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo, afirmou que a indústria de suco e o governo decidiram acionar o mecanismo de solução de controvérsias por duas preocupações. Primeiro, pelo impacto comercial para o Brasil de uma sobretaxa que não deveria existir sobre o produto brasileiro. Depois, pelo que ele classifica de "completa inobservância" dos EUA com as regras da OMC, com impacto sistêmico.
A suspeita é de que os americanos sabem que agiram de forma ilegal para chegar ao dumping contra o suco brasileiro, admitem que perderão em disputa na OMC, mas arrastam um desfecho até o ultimo momento para implementar as decisões que foram adotadas na OMC sobre o caso. Com isso, sua indústria teria tempo para se beneficiar das protelações, já que a exportação brasileira ficará de algum modo mais cara.
O "zeroing" é um método para calcular a extensão de dumping usado com freqüência pelos EUA, mesmo sob constantes reclamações. Esse mecanismo funciona assim: uma autoridade de investigação dos EUA, usando o "zeroing", aplica valor zero para uma transação em que o produto é vendido a US$ 100 no mercado doméstico e exportado a US$ 130. Mas aplica o valor 20 para outra transação na qual o produto é vendido no mercado doméstico por US$ 100 e exportado por US$ 80.
Agregando as transações, as autoridades ignoram o valor real da primeira operação, usando a metodologia de "zeroing" para "calcular" margem de dumping de 20%. Infla-se, assim, o cálculo para fixar a margem de dumping e, em conseqüência, da sobretaxa que será aplicada.
O mecanismo do "zeroing" já foi muito questionado por empresas da União Européia, Japão e México na OMC. O Japão tem, inclusive, um painel de implementação em que cobra dos EUA alterações no sistema de cálculo da margem de dumping.
Embora questionados, os EUA não alteraram, até aqui, seus procedimentos internos e continuam a fazer uso do "zeroing" no cálculo das margens de dumping em revisões administrativas. O pedido de consultas compreende, ainda, o questionamento quanto à legalidade das normas americanas que prevêem o uso do mecanismo nessas revisões.
A decisão do Brasil reflete, ainda, a percepção de que, além de incompatível com as normas multilaterais de comércio, o "zeroing" causa "grande incerteza e sérios prejuízos para as empresas exportadoras afetadas", diz o Itamaraty. "O órgão de solução de controvérsias já condenou outros casos, mas não houve alterações nas revisões administrativas pelos EUA, apenas nas originais", disse o coordenador-geral de Contenciosos do Itamaraty, Luciano Mazza de Andrade.
Veículo: Valor Econômico