João Andante ainda sem solução

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Para a Diageo Brands, o nome do destilado mineiro é uma tradução literal de "Johnnie Walker".


Um projeto que nasceu na escola e que virou um negócio de sucesso com repercussão internacional. Foi assim com a cachaça João Andante, fabricada na cidade de Passa Tempo, no Centro-Oeste mineiro, e que recentemente chamou a atenção da mídia e do público quando a Diageo Brands, holding britânica detentora dos direitos da marca Johnnie Walker, a acusou de plágio. Mesmo cercados de processos administrativos extrajudiciais, os quatro jovens criadores da marca aproveitam para ampliar a produção da cachaça artesanal, que hoje chega a 3,5 mil litros por mês.

Ainda estudantes da escola técnica de formação gerencial do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), os colegas Gabriel e Mateus Lana e Gabriel Moreira desenvolveram a cachaça João Andante para o trabalho de conclusão de curso, em 2003. "Enquanto nossos colegas montavam planos de negócios de construtoras e shoppings, decidimos por um negócio menor, a cachaçaria", lembra Moreira. Nesta época, entraram com pedido de registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

Somente em 2008, com a entrada de um quarto integrante, Rafael Vidigal, que o negócio deslanchou. O grupo conseguiu uma parceria com um alambique em Presidente Bernardes, também conhecido como Calambau, na Zona da Mata, para a produção da bebida. "Começamos de uma forma muito artesanal e só vendíamos a cachaça em alguns bares de Belo Horizonte. Depois mudamos para a cidade de Passa Tempo e profissionalizamos a produção", diz Moreira. Já os conceitos de nome e imagem foram montados em parceria com a agência júnior de comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também formada por estudantes.

As referências são inúmeras. O boneco com chapéu (de palha), capim na boca, carregando uma trouxa no ombro lembra o típico andarilho do interior de Minas. Segundo Moreira, a imagem é inspirada no personagem do espanhol Miguel de Cervantes, Dom Quixote. "No quadro do Dom Quixote pintado por Pablo Picasso é possível ver a incrível semelhança com o João Andante. E ela é uma imagem de domínio público", reforça. Outras referências são o prosaico Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, e o famoso andarilho mineiro Juquinha da Serra, que possui uma estátua na região da Serra do Cipó, em Santana do Riacho, na região Central.

O nome João foi escolhido por ser muito popular e ter uma conotação positiva. "Ao contrário de José, que pode ser usado para diminuir um personagem na linguagem coloquial", justifica o sócio. Já a palavra Andante é uma mistura entre andarilho e errante. "Queríamos caracterizar o personagem do andarilho brasileiro, que caminha entre as cidades levando o que aprende a cada uma delas. Quando criamos o nome, em 2003, também tínhamos como objetivo desenvolver um selo de qualidade de produtos artesanais mineiros com este nome", completa.

Plágio - Mesmo com tantas histórias e referências, a Diageo Brands, holding britânica detentora da marca Johnnie Walker, acusou os jovens de associarem o nome e imagem da cachaça ao desenho da famosa marca de uísque, que representa um aristocrata. Em 2011, eles solicitaram um processo administrativo ao Inpi para a anulação do registro, sob acusação de plágio. Pela primeira vez desde que iniciou o processo, a empresa se manifestou, afirmando "que enviou notificação extrajudicial aos fabricantes da cachaça ‘João Andante’ por conta da incontestável semelhança entre as marcas em discussão".

Para eles, a comparação é clara. Segundo o texto do processo registrado no órgão público, a empresa vê o uso da expressão "João Andante" como uma tradução literal de "Johnnie Walker", o que evidencia a intenção de criar uma versão local da internacionalmente conhecida marca de uísque. A imagem, mesmo uma sendo de um homem caipira e a outra de um aristocrata, também tem semelhanças de desenho e posição. A Diageo justifica que, na mente do consumidor, a lembrança das marcas se confundem e agravam a possibilidade de confusão ou falsa associação, além de ocasionar sérios prejuízos aos legítimos direitos de propriedade de marca.

Em nota, a Diageo afirma que "tem uma sólida política global de proteção às suas marcas, o que assegura a solidez de um portfólio com mais de 200 anos de tradição, como é o caso de Johnnie Walker. Nesse sentido, a Diageo solicitou ao Inpi a anulação do registro da marca João Andante. As ações adotadas contra os fabricantes da bebida têm, por enquanto, apenas cunho administrativo e extrajudicial. O caso está sob análise do órgão e somente após a decisão ser proferida é que novos direcionamentos serão definidos".

Defesa - O embate foi parar nas redes sociais e alcançou o interesse da mídia em todo o país. Em pouco tempo, a cachaça ficou conhecida e os pedidos de compra aumentaram. "Nossa intenção nunca foi fazer uma paródia ou imitação da Johnnie Walker. Na época, ninguém fazia esta associação entre as marcas, mas, hoje, depois de toda esta exposição, é impossível não fazer", afirma Moreira. "Temos muitos clientes fiéis e isso só fortalece nosso negócio, mas não posso negar que a exposição do caso ajudou a divulgar o nome da cachaça."

Em 2011, o alambique produzia, em média, 530 litros da bebida por mês. Na época, uma garrafa custava R$ 40, o que gerou ganhos de mais de R$ 250 mil no ano. Em 2012, os pedidos dispararam e os jovens estão vendendo, em média, 3,5 mil litros mensais, com entregas via sedex para todo o país, ao preço de R$ 48,60 o litro. A bebida pode ser encomendada pelo site (www.joaoandante.com.br), com prazo de entrega de três dias. A cachaça é envelhecida em barris de carvalho por três anos e depois armazenadas em tonéis de inox, que não mudam a propriedade da bebida. Atualmente, são mais de 170 mil litros disponíveis para engarrafamento, feitos sob demanda em Passa Tempo. O grupo ainda possui um galpão alugado onde funciona um depósito e um escritório em Belo Horizonte.


Veículo: Diário do Comércio - MG


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