O segredo da Ambev

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Conheça a receita da cervejaria brasileira que se tornou a empresa privada mais valiosa do país e também a mais lucrativa do setor no mundo.



A Ambev se tornou a empresa privada de maior valor de mercado entre as companhias negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Essa posição se cristalizou nos últimos quatro meses, quando a empresa superou, de forma contínua e consistente, a poderosa Vale. Levando-se em conta o fechamento do pregão da quinta-feira 26, a dona de Antarctica, Skol e Brahma vale R$ 215,14 bilhões, enquanto a mineradora está avaliada em R$ 184,6 bilhões. Mais. A cervejaria brasileira também está se aproximando de sua controladora, a AB Inbev (R$ 255,7 bilhões). Mesmo para os gestores da Ambev, acostumados a lidar com cifras superlativas, esse feito é relevante.

Afinal, a Vale possui uma receita líquida anual de R$ 105,5 bilhões, quase quatro vezes os R$ 27,1 bilhões obtidos pela cervejaria em 2011. Sem dúvida, pode-se dizer que a empresa vive o melhor momento de sua história. O que a diferencia das rivais e de outras gigantes brasileiras são os elementos que compõem sua “personalidade gerencial”– em outras palavras, o jeito AmBev de fazer as coisas. Líder absoluta do mercado brasileiro de cerveja, com 70% de participação, a empresa se comporta como se fosse a última da fila, cuja sobrevivência está na dependência da próxima garrafa vendida. Desde sua criação, em julho de 1999, quando foi anunciada a fusão das centenárias Brahma e Antarctica, a Ambev se tornou um dos mais bem-sucedidos laboratórios de práticas de gestão.

Tanto que sua “cartilha”, escrita pelos financistas Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, vem sendo adotada por todas as empresas com as quais ela se associa. Foi assim na belga Interbrew, com a qual se uniu em 2004, e na americana Anheuser-Busch, dona da Budweiser, cuja fusão deu origem, em 2008, à AB Inbev. A empresa também se notabilizou por formar e exportar executivos. Os exemplos mais emblemáticos são Carlos Brito, CEO da AB Inbev, e Luis Edmond, presidente da AB Inbev para a América do Norte. Tanto Brito quanto Castro Neves ingressaram na companhia como trainees. Os ganhos propiciados por esse modelo vêm sendo contabilizados no balanço da Ambev, que se transformou numa máquina de fazer dinheiro ao longo dos anos.

Tudo somado, o lucro, na última década, foi de nada menos que R$ 41 bilhões. Mesmo em um cenário adverso, como foi o caso de 2011, marcado pela desaceleração da economia e pelo aumento da carga tributária do setor. É exatamente em situações como essa que o modelo Ambev e seu gigantismo fazem toda a diferença. Apesar de o volume comercializado ter sido idêntico ao do período anterior, todos os indicadores financeiros da empresa cresceram de forma expressiva. “O sucesso pode ser explicado pela combinação de ações pontuais adotadas ao longo do ano”, disse à DINHEIRO João Castro Neves, presidente da Ambev. Para continuar crescendo, Castro Neves atuou em três frentes.

Manteve os investimentos do período, que atingiram a marca recorde de R$ 2,6 bilhões, reforçou a presença em mercados considerados estratégicos, como o Centro-Oeste e o Nordeste, e apostou em novos produtos e embalagens diferenciadas. O foco foi nos vasilhames inovadores e capazes de fidelizar os consumidores, como as embalagens retornáveis. No total, foram 20 ações nesses campos, incluindo a fabricação e distribuição da Budweiser e o lançamento do Fusion Energy Drink, energético à base de guaraná. Com o Fusion, a companhia ingressou em uma categoria que quase dobrou de tamanho no período 2009-2011 e que movimenta R$ 1 bilhão por ano.

 
Disputa em todas as frentes: enquanto os concorrentes, como o Grupo Petrópolis, dirigido por Costa,anunciou a construção de fábrica na Bahia, a Ambev investe no nicho de energéticos, que já movimenta R$ 1 bilhão por ano no País.

 
“Em um ambiente desafiador, a musculatura financeira e o portfólio de marcas da Ambev funcionam como um diferencial em relação à concorrência”, afirma Ricardo Boiati, analista de consumo, varejo e bebidas da Bradesco Corretora. Pelo lado das despesas, a companhia, conhecida por sua obsessão em relação aos custos, tratou de reduzi-los ainda mais. Fez isso por meio da ampliação dos leilões eletrônicos para aquisições de insumos. O sistema, que era usado somente para comprar itens como mesas e cadeiras distribuídas para os bares, foi estendido para todas as 20 categorias de produtos adquiridos pela cervejaria, incluindo matérias-primas nobres, como o malte. A metodologia e a capacitação dos fornecedores foram desenvolvidas pelos executivos da Ambev.

“Existia o mito de que era impossível incluir pequenos agricultores em leilões”, afirma Castro Neves. “Mostramos que isso é factível e que poderia gerar ganhos para ambas as partes.” Entre 2009 e 2011, o número de pregões saltou de três mil para dez mil. Somente no primeiro semestre deste ano já foram realizados sete mil leilões. Com eles, a Ambev obteve uma economia média de 10%. Os ganhos deverão ajudar a confirmar as expectativas favoráveis em relação ao balanço do segundo trimestre, previsto para ser divulgado em 31 de julho. “O mercado reconhece quem se esforça para entregar resultados de forma consistente”, diz o analista Alexandre Ruiz Miguel, do Itaú BBA.

As apostas levam em conta que o Ebtida, índice que mede o desempenho a partir da receita, excluindo o pagamento de impostos, juros, dívidas e amortizações, deve se manter na faixa de 50% do faturamento. Trata-se do dobro da taxa média do setor, muito superior ao das empresas industriais, em geral. A capacidade de geração de caixa da Ambev se deve também a um sistema de logística único entre as cervejarias. Em vez de atuar com distribuidores regionais e frotas terceirizadas, a Ambev gerencia 60% dos produtos que distribui. Além de embolsar a comissão que seria paga aos intermediários, a empresa privilegia as regiões que julga mais interessantes.

Os analistas também destacam a política de hedge cambial adotada pela Ambev, cujos contratos são assinados por um período médio de 12 meses. “Isso a protege das oscilações do dólar”, afirma o analista do Itaú BBA. Para se manter na trilha do crescimento, o presidente da Ambev definiu como prioridade a manutenção de boa parte dos investimentos, estimados em R$ 2,5 bilhões em 2012, na região batizada por ele de Noneco, junção das siglas de Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A meta é privilegiar o Nordeste, onde o consumo da maioria dos produtos, inclusive de bebidas, vem crescendo acima da média nacional.

De acordo com a consultoria Lafis, de São Paulo, os nordestinos beberam um volume 7,4% maior de cerveja no primeiro semestre deste ano, em relação a igual período de 2011. No Sudeste, o avanço foi de apenas 4,2%. “Trata-se de um mercado mais maduro e, por isso, é natural que as taxas sejam menores”, afirma a analista Ana Carolina Boyadjian, especialista em bebidas da Lafis. O Nordeste é hoje o segundo maior mercado de cerveja, com 19,1% da receita de R$ 22,3 bilhões obtida pelo setor no primeiro semestre deste ano. Para aproveitar ainda mais esse boom, a Ambev está reforçando suas trincheiras na região. Em 16 de julho, Castro Neves foi a São Luís para cortar a fita de inauguração da fábrica e do centro de distribuição.

O empreendimento de R$ 144 milhões vai dobrar a capacidade do complexo que a Ambev possui no Estado desde 1991. No final de agosto, ele irá “batizar” a unidade de Itapissuma, no Recife, que já funciona a todo vapor. A unidade começou a ser construída em 2010 e já custou R$ 260 milhões. A meta é aplicar outros R$ 100 milhões até 2015. “É uma fábrica zero bala e por isso já nasce com nosso DNA,” afirma Castro Neves. Com esse parque fabril, o executivo espera consolidar a presença da Ambev em uma parte do País onde a concorrência sempre lhe causou mais estragos – especialmente a Schincariol, de Itu (SP), hoje controlada pela japonesa Kirin. “Fomos a primeira grande cervejaria a apostar no Nordeste”, diz Luiz Claudio Taya, diretor de marketing da Schincariol.

“Desde 1996, enxergamos o potencial da região.” Por ter saído na frente, a companhia acabou sendo recompensada. Até 2010, sua Nova Schin foi a líder no mercado nordestino, com uma fatia de 35%. Perdeu essa posição para a Skol, quando a Ambev começou a intensificar suas ações no Nordeste. A Schincariol não pretende entregar os pontos. Recentemente, adicionou um novo ingrediente na guerra “das louras”, com o lançamento da cerveja No Grau, criada especialmente para os consumidores da região. “É preciso ousadia e criatividade para competir com uma empresa como a Ambev”, afirma Taya. A movimentação da concorrência não se resume à Schin. O Grupo Petrópolis, que possui as marcas Itaipava e Crystal, também vem concentrando suas apostas no Nordeste.

No início de julho, ele anunciou investimentos de R$ 500 milhões para a construção de uma fábrica em Alagoinhas, na Bahia. “Até 2020 queremos cobrir todo o País”, afirma Douglas Costa, diretor de mercado da Petrópolis. Segunda maior força do setor, em nível nacional, a empresa comandada pelo empresário paulista Walter Faria é a única entre as grandes marcas que se mantém integralmente sob controle nacional. Com uma fatia de 10,81%, em junho, ela disputa tampinha a tampinha a segunda posição no ranking com a cervejaria de Itu, superando gigantes globais como a holandesa Heineken, que assumiu o controle da Kaiser. A entrada de corporações estrangeiras no Brasil, de acordo com analistas, significa que, daqui para a frente, a briga contra a Ambev deixará de ser no estilo de guerrilha, visto até agora.

“O domínio da Ambev é ruim para o consumidor”, afirma Ana Carolina, da Lafis. “Como a empresa possui a maior fatia do mercado, ela dita os preços e acaba sendo seguida pelas rivais.” O mercado cervejeiro está acostumado às brigas entre as empresas, que resultaram em processos no Cade, encarregado de zelar pela concorrência. A Ambev já respondeu a 22 processos, a Schincariol foi ré em dez ações, a Petrópolis em seis e a Heineken em três. Todos eles acabaram sendo arquivados. Segundo empresários do setor, a chegada de Kirin e da Heineken também serviu para uma mudança no nível da concorrência. “Os chutes na canela têm sido cada vez mais raros”, diz um empresário. É agora que o modelo Ambev deve ser mais exigido.

 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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