Microcervejarias detêm hoje mais de 10% da receita do mercado americano da bebida
DENISE CHRISPIM MARIN
Ao som de rock pesado, Dave Coleman e Mike Mcgarvey passaram suas horas de folga enfiados em um porão da capital americana experimentando receitas de cerveja todos os dias durante quatro anos. Somado ao esforço final de tomar emprestado um total de US$ 1 milhão de amigos, para a compra e instalação de equipamentos usados em um galpão industrial, o resultado obtido pelos dois amigos foi a 3 Stars, cervejaria artesanal aberta em agosto do ano passado.
"A parte mais difícil foi aumentar a minha paciência e arrecadar o dinheiro. Foi muito desafiador. A melhor parte é ser produtor de cerveja com o meu melhor amigo", afirmou Coleman, de 36 anos, bacharel em Psicologia e ex-sommelier de cerveja.
Mais parecido com um integrante de banda metaleira do que com um pequeno empresário, Coleman mostra orgulhoso a tatuagem da bandeira do Distrito de Columbia gravada no seu bíceps direito. As três estrelas do símbolo deram o nome à cervejaria, uma das três de Washington, com capacidade de produção de 2.344 litros. A empresa tem 12 empregados e 16 clientes entre restaurantes e bares da cidade, alguns conhecidos "templos" da cerveja da capital.
O gerente e sommelier de cerveja do Bier Baron Tavern, Tad Dmuchowski, não se incomoda de ir buscar a 3 Star Peppercorn Saison diretamente do produtor. Ele mesmo é um experimentador de novas receitas nos fundos do bar. "Fazemos só para nós, para testar receitas e sabores", afirmou.
Iniciativas como a de Coleman e Mcgarvey vêm surgindo com força nos Estados Unidos nos últimos dez anos, impulsionadas principalmente por americanos em contato com países europeus com longa tradição na produção de cervejas, segundo Bob Pease, diretor de Assuntos Governamentais da Associação dos Cervejeiros. Desafiadoras do poder das 56 grandes cervejarias do país, as artesanais somam 2.360, segundo dados de março da Associação dos Cervejeiros.
Em 2012, o volume produzido por esse segmento aumentou 15% em comparação com o do ano anterior. Alcançou 1,547 bilhão de litros, apenas 1% da produção total da indústria cervejeira americana no período. Mas essa oferta foi significativa para o consumidor disposto a pagar mais caro por uma bebida que não encontrará na garrafa de outro fabricante, especialmente nas grandes marcas do mercado.
Valor. Do total faturado pelo setor cervejeiro, as artesanais responderam por 10,2%. As cervejas industriais são vendidas a US$ 4 a lata/garrafa, em média, em bares de Washington. Um copo de cerveja artesanal pode superar US$ 10.
"A cerveja artesanal é mais valiosa. Seu produtor é um artesão comprometido com a qualidade e persegue esse valor maior. Os ingredientes usados são mais caros, o teor alcoólico é mais alto, e o consumidor está decidido a pagar por isso", explicou o presidente da Associação Nacional do Comércio Atacadista de Cerveja, Craig Purser.
Entre as cervejas "industriais", a Bud Light, da AB Inbev, é a líder absoluta do mercado americano, com um total de vendas de US$ 5,4 bilhões em 2012. A Coor's Light, fabricada pela Coor's Brewing, ultrapassou no ano passado a Budweiser como a segunda cerveja mais popular. Suas vendas alcançaram US$ 2,05 bilhões, enquanto as da Bud, US$ 2,02 bilhões.
O total faturado somente pelas três marcas líderes do mercado americano foi pouco menor do que o de todo o segmento das cervejas artesanais em 2012, de US$ 10,2 bilhões.
Assim como a 3 Stars, que começou com investimento de US$ 1 milhão, as cervejarias artesanais investem especialmente nas receitas para produzir uma bebida única. O malte, o cereal, a água, o carbonato e a pureza dos ingredientes adicionais resultam, conforme os equipamentos usados, em cores, sabores e texturas diferentes. Para cada uma das categorias mais conhecidas - pale, smoked, belgium, english bitter, india pale ale, brown ale, stout, imperial - sai uma bebida diferente.
"A cerveja é mais rude do que o vinho. Mas nenhuma indústria do álcool é capaz de criar um novo produto. Só a da cerveja", defendeu Greg Engert, sommelier de cerveja do restaurante Church Key, que oferece um menu com 50 artesanais, servidos na temperatura e em copos adequados para cada tipo.
O setor das cervejas artesanais cresce amparado por um lobby específico no Congresso americano e por apoio institucional da Associação dos Cervejeiros. A bancada da cerveja artesanal é uma das maiores na Câmara dos Deputados, com 121 dos 435 deputados federais. Seu desafio atual está na redução da carga tributária sobre o segmento. Mas seus membros também acompanham com especial atenção os processos de aquisição de pequenas cervejarias artesanais pelas gigantes do setor.
"A compra pode funcionar bem, desde que o processo de produção não seja alterado", afirmou o deputado Peter DeFazio, presidente da bancada e representante de um distrito eleitoral do Oregon, Estado americano onde 30% das cervejas consumidas são produzidas artesanalmente por 69 pequenas empresas.
Nos planos, até a exportação para o Brasil
Pequenas cervejarias americanas buscam mercado no exterior e acreditam que o País pode ser um caminho
As cervejarias artesanais enfrentam, nos Estados Unidos, os desafios da distribuição de seus produtos e do respeito às legislações sobre a venda de bebidas alcoólicas que variam conforme Estado e, muitas vezes, município. Esse mercado complicado, embora crescente, tende a ser em parte superado por um novo desafio para as pequenas cervejarias - a exportação. Em especial, para o Brasil.
No início do mês, a Associação de Cervejeiros levou cinco produtores artesanais americanos para participar de seminários e de uma competição sul-americana no Brasil. Entre as engajadas nesse périplo brasileiro estavam a Rogue Ales, do Oregon, e a Sounders, do Estado de Washington. A entidade também tem planos para aumentar as vendas de cervejas artesanais para Austrália, Canadá, China, Suécia e Japão e dispõe de pequena verba de US$ 500 mil ao ano, vinda do Departamento da Agricultura, para explorar potenciais mercados externos.
"Sou muito otimista sobre o crescimento das nossas exportações para o Brasil. O País tem elevada tradição de consumo e consumidores muito bem informados sobre as cervejas", afirmou Bob Pease, diretor de Assuntos Governamentais da Associação dos Cervejeiros. "O Brasil é a sétima economia e terá nos próximos anos a Copa do Mundo e a Olimpíada. Isso tudo é atraente para a nossa cervejaria artesanal. Alguns produtores vão aproveitar. Outros, não", completou.
Dentro dos EUA, a maior parte das vendas das pequenas e microcervejarias não tende a extrapolar regiões geográficas pequenas. A distribuição é considerada a etapa mais complicada para produtores artesanais com mais ambições. Distribuidores como a Premium, uma das cinco da região de Washington, carregam seus caminhões com grandes marcas industriais e as de pequenas cervejarias artesanais. Mas nem todas seguem essa fórmula. Os contratos de exclusividade entre as cervejarias e os bares e restaurantes são proibidos nos EUA, o que em tese favorece a oferta diversificada de produtos e a inclusão da bebida artesanal nos cardápios.
As regras locais de venda, entretanto, muitas vezes causam dor de cabeça ao produtor e inibem sua exposição a um mercado ampliado. Em alguns Estados americanos, como Oklahoma, a venda de bebidas alcoólicas é proibida aos domingos. Na capital americana, bares e restaurantes não podem, por lei, vender mais do que quatro cervejas a cada cliente - regra desconsiderada, em geral, assim como a proibição da venda de cerveja em pints, os copos de 473 ml.
Dave Coleman, sócio da cervejaria 3 Stars, diz não vender seus produtos para os Estados vizinhos de Maryland e Virgínia, onde chegariam encarecidos pelos impostos locais. Seu mercado se resume a Washington, um retângulo com 177 mil km² com 632 mil habitantes. "Se eu tiver de vender nesses Estados, terei de trabalhar com distribuidores. Prefiro entregar diretamente ao cliente", afirmou. / D.C.M.
Veículo: O Estado de S.Paulo