O único brasileiro a atingir título de Master of Wine - a mais ambicionada graduação do mundo do vinho alcançada por apenas cerca de 280 especialistas - Dirceu Vianna Jr. ficou impressionado positiva e negativamente com alguns aspectos do mercado vinícola brasileiro. Vivendo na Inglaterra desde 1990, onde é diretor de desenvolvimento da Coe Vintners, tradicional negociante inglês do setor, fez visitas periódicas ao Brasil com o objetivo de rever parentes, pouco acompanhando o que se passava na indústria de vinho por aqui. Entre os pontos que lhe deixaram impressão favorável em sua recente estada de uma semana a convite da Expovinis, onde teve participação ativa no programa do evento, estão a evolução do vinho nacional, o aumento no consumo de vinho nos restaurantes, o grau de interesse e de informação dos brasileiros, e a gama diversificada de bons rótulos importados. O que mais assustou Vianna foi o preço das garrafas, muito maior do que na Europa e outros centros importantes, que têm, ressaltou, poder aquisitivo bem superior ao nosso.
Essas e outras particularidades do mercado de vinhos no Brasil foram debatidas na Mesa Redonda organizada pela Expovinis, e realizada no recinto da feira dia 6 de maio. Diante de uma sala lotada, personagens de expressão representando os setores que compõem o quadro vinícola brasileiro discutiram o momento em que vivemos, o que está por vir, e propostas para difundir o consumo da bebida pelo país. Participaram da Mesa, coordenada por mim: Carlos Paviani, diretor executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN), sociedade civil sem fins lucrativos que tem como associados representantes de produtores de uva cooperativas, indústria vinícola e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, unidade federativa que concentra 90% da produção no segmento; Adolar Hermann, dono da Decanter Importadora e (pequeno) produtor de vinhos em Santa Catarina, um dos nomes mais respeitados do setor de importados pela forma ética, ponderada e eficiente com que conduz seus negócios; Carlos Cabral, consultor de vinhos do grupo Pão de Açúcar, profundo conhecedor da área de vinhos em supermercados; Belarmino Iglesias Filho, administrador geral responsável pela cadeia Rubaiyat, que conta com cinco restaurantes (dois fora do Brasil - Madri e Buenos Aires) e se posiciona como quem mais vende e melhor trabalha vinho nesse meio; Fabio Ozi, advogado tributarista e Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, especialista no assunto, particularmente no que se refere a vinhos; Rodrigo Frota Silveira, auditor fiscal da Secretaria da Fazenda, também Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e um dos redatores das Portarias que normatizam a Substituição Tributária no Estado; e Ricardo Castilho, jornalista, diretor editorial da revista Prazeres da Mesa.
Precedendo as colocações individuais de cada um dos debatedores, Carlos Paviani apresentou um condensado do estudo sobre o mercado brasileiro encomendado pelo Ibravin e desenvolvido pela Market Analysis, que contemplou as praças de Porto Alegre, São Paulo e Recife. Embora tenha se atido a esses três centros e a um número aparentemente limitado de entrevistados, pouco mais de mil, a pesquisa é bem estruturada abrangendo tanto o lado da oferta, com seus diferentes canais de distribuição, quanto da demanda, onde analisa o comportamento de consumidores e não-consumidores de vinho. O resultado é bastante coerente e merece exame mais aprofundado para implantar medidas que possibilitem alargar o universo de apreciadores. O conhecimento das necessidades, percepções e satisfação dos consumidores permitirá a melhor estruturação da oferta.
De uma maneira geral, o brasileiro tem uma imagem positiva do vinho. Mesmo perdendo em força e incidência para categorias concorrentes como a cerveja, a bebida encontra um público receptivo e é associada a algumas virtudes específicas e diferenciadoras, entre elas, que faz bem à saúde, é inteligente e denota refinamento. O consumo de vinhos ocorre a partir de quatro motivadores: prazer, requinte, refeições e celebrações. Esses quatro estopins motivacionais não atuam de forma isolada sob o consumidor de vinhos. A atuação de pelo menos dois desses motivadores é que faz o consumidor degustar a bebida. Em uma de suas reflexões, inclusive, o estudo aponta que "a celebração está diretamente associada ao requinte. O consumidor utiliza o vinho para celebrar de forma refinada. Um motivador para o consumo do vinho não seria uma celebração da vitória do time de futebol predileto, mas sim, celebrar conquistas pessoais do consumidor".
Entre as razões apontadas pela pesquisa para o não-consumo, vale destacar o desconhecimento e falta de informação, incluindo-se aqui escassa presença da categoria na cabeça do consumidor, leia-se publicidade, utilizada maciçamente pela cerveja. A falta de posicionamento mercadológico da categoria (capturada pela alta incidência de não-consumidores que admitem esquecer da existência da bebida, carecer do hábito de consumi-la ou dificuldades de eleição no ponto de venda) é, assim, um dos principais impedimentos para a popularização da bebida - fenômeno que indica também o lugar marginal ocupado pelo produto diante de muitos canais.
Há, ainda, limitações estruturais à bebida diante dos não-consumidores. Eles não percebem o vinho como uma bebida que preencha suas necessidades, seja para acompanhar uma refeição ou relaxar após o trabalho. Dessa forma, a bebida oferece uma baixa relação custo-benefício. Surpreendentemente, os fatores associados ao clima quente não estão relacionados ao não-consumo. Para esse grupo, assim como para os consumidores, o clima no Brasil não é impedimento para o consumo do vinho; ele depende muito mais de situações e contextos familiares e/ou com amigos.
Outra consideração importante do estudo é sobre o papel dos supermercados, sobretudo diante do que foi logo acima comentado e vai aqui descrito textualmente: "Os hipermercados conquistam a venda por proporcionarem ao consumidor acesso direto aos complementos da bebida. O vinho não é consumido de forma isolada, ele opera como um complemento. Existem lacunas regionais entre o local de compra ideal de vinhos e onde o consumidor está habituado a adquirir o produto. Os desafios diante de consumidores e não-consumidores são, portanto, de diversa ordem. O ponto comum, no entanto, é a necessidade de reposicionar a bebida como um produto mais visível e importante na vida do público e em seu cotidiano. Esse reposicionamento requer atenção especial para a reversão de certas crenças desmotivadoras do consumo, tais como a associação de qualidade com alto custo, da expectativa de situações excepcionais para o consumo, do elitismo associado a certos tipos de vinhos, e dos estereótipos sobre quem está preparado e deve consumir qual tipo de vinho".
Um bom gancho para, iniciando a exposição dos participantes, Carlos Cabral mostrar seus conhecimentos, que não se limitam a Vinho do Porto, obviamente. Na coluna da semana que vem.
Veículo: Valor Econômico