Lemann, Sicupira e Telles estudam o mercado da China e planejam, em três anos, estar em segundo lugar no país
Os empresários brasileiros Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira e Jorge Paulo Lemann estiveram na China no início de setembro. Em companhia dos demais membros do conselho de administração e do CEO da Anheuser-Busch InBev, Carlos Brito, fizeram um "tour" pelos bares e pelos supermercados da cidade de Xangai.
O objetivo do trio - que ficou famoso no Brasil após promover a fusão entre Brahma e Antartica - era conhecer de perto o mercado chinês. A China é hoje o maior desafio da AB InBev, a maior fabricante de cerveja do mundo. A multinacional investe pesado no país asiático e o plano é ocupar a vice-liderança dentro de três anos. Hoje, a AB InBev é a terceira maior cervejaria da China. Mas os obstáculos são significativos.
Com um consumo per capita de apenas 30 litros por ano, a China já é o maior mercado de cerveja do planeta, superando os Estados Unidos. Por esse critério, as perspectivas de crescimento são explosivas. Nos EUA, cada pessoa bebe, em média, 70 litros de cerveja por ano. No Brasil, são 58 litros. Estimativas do setor apontam que a China deve responder por mais de 40% do crescimento do consumo de cerveja do mundo nos próximos anos.
ESTATAIS
Formada pela aquisição da americana Anheuser-Busch pela belgo-brasileira InBev (que por sua vez surgiu da união entre Interbrew e AmBev), a AB InBev está acostumada a liderar na maioria dos mercados em que opera. Mas, na China, ainda ocupa uma tímida terceira colocação, atrás das estatais chinesas CR Snow e Tsingtao. No mercado premium chinês, a multinacional está em primeiro lugar, com a marca Budweiser.
Segundo o vice-presidente de gestão da região Ásia Pacífico da AB InBev, Sérgio Saraiva, a empresa está promovendo uma estratégia agressiva de marketing, com propagandas na TV, para transformar a Harbin, uma marca que é forte no norte do país, em uma cerveja nacional, capaz de superar a Tsingtao. A tarefa é complicada porque a rival é quase sinônimo de cerveja na China. O gosto, aliás, é parecido com o da cerveja brasileira.
O mercado chinês de cerveja é cheio de particularidades sem paralelo em nenhum lugar do mundo. Estima-se que existam hoje 250 cervejarias no país e uma infinidade de marcas. Há três anos, eram cerca de 400 cervejarias. Quase todas as cidades de médio porte na China possuem uma cerveja local, que é motivo de orgulho para a população e, muitas vezes, é sustentada pelos governos locais.
Uma pulverização tão expressiva não é sustentável e as três líderes estão comprando "market share", em uma verdadeira maratona de aquisições de fábricas regionais. Por serem estatais, a CR Snow e a Tsingtao levam vantagem. Elas possuem "guanxi" com os governos locais - palavra em mandarim que significa rede de relacionamentos e é fundamental para fazer negócios na China.
Mesmo assim, a AB InBev possui hoje 34 cervejarias na China e dois centros de engarrafamento. Desse total, 10 são joint ventures com fábricas locais. A empresa emprega 34,6 mil pessoas com faturamento líquido de 11 bilhões de yuans (US$ 1,6 bilhão). Além das três marcas principais - Budweiser, Harbin e Sedrin -, a AB InBev possui 14 marcas locais, muitas das quais devem desaparecer.
Outro aprendizado para AB InBev na China é a distribuição. No Brasil, por exemplo, boa parte da rede é própria, o que garante uma vantagem competitiva para a empresa. Na China, são atacadistas privados, alguns ainda pequenos e pouco profissionais. Nesse caso, a estratégia da companhia é atrair o parceiro com a Budweiser, uma cerveja premium, cuja distribuição é bastante lucrativa. Mais tarde, a AB InBev atrela a venda da Budweiser a outras marcas, como a Harbin.
A InBev só ganhou musculatura para concorrer no mercado chinês depois da compra da Anheuser-Busch no ano passado. A tradicional cervejaria americana estava presente na China desde 1984 e já era forte com a Budweiser. A marca Harbin, que se transformou na aposta da InBev para o mercado popular chinês, também pertencia à AB. Além disso, a AB possuía 27% de participação na hoje arquirrival Tsingtao, mas as ações foram vendidas no começo deste ano.
Os volumes de cerveja vendidos pela AB InBev na China já são significativos, mas as margens de lucro continuam ainda muito pequenas, por conta da acirrada competição com os players locais. Conforme o balanço divulgado pela multinacional, a região Ásia/Pacífico respondeu por 3% da rentabilidade do conglomerado no ano passado. Quase 80% do lucro veio das Américas. A China, portanto, é uma aposta de longo prazo e um exercício de paciência para Brito, Sucupira, Telles, Lehman e o agressivo time da AB InBev.
Veículo: O Estado de S.Paulo