Com quase três décadas no mercado, a cerveja Kaiser já teve seus dias de glória - e isso não faz tanto tempo assim. Em 2002, a marca, hoje a sétima colocada em vendas, respondia por 18,5% de toda cerveja vendida no país. No Estado de São Paulo, era líder com 34% de participação. Mas uma mistura de má gestão, falta de posicionamento e violenta concorrência com as marcas da AmBev colocaram a cerveja na berlinda. Seu tiro de misericórdia - ou sua salvação - entretanto, pode estar a caminho. A mexicana Femsa confirmou na semana passada a intenção de vender sua divisão de cervejas, que no Brasil, além da Kaiser, englobam as marcas Sol, Summer Draft, Gold, Bavaria, Santa Cerva e Xingu.
"Espero que quem comprar a Femsa Cerveja reerga a marca Kaiser", diz o empresário mineiro Luiz Otávio Possas Gonçalves, fundador, em 1982, da Cervejarias Kaiser. Gonçalves foi um dos principais acionistas do grupo Gonçalves-Guarany, que controlava desde 1947 duas grandes engarrafadoras da Coca-Cola em Minas Gerais.
Contando com a rede de distribuição das engarrafadoras mineiras, logo no lançamento a Kaiser teve bom desempenho de vendas. Tanto que dois anos depois a The Coca-Cola Company entrou na sociedade comprando 10% da empresa.
Nos anos seguintes, o negócio continuou se desenvolvendo bem (beneficiado, principalmente, pelo sistema de venda casada com a Coca-Cola), a ponto de, no ano 2000, a companhia chegar a comprar por US$ 190 milhões a Bavaria da Antarctica, já sob o comando da recém criada AmBev. Em 2002, a Kaiser chamou a atenção da canadense Molson, que acabou tirando US$ 765 milhões do bolso para adquirir a cervejaria.
Foi aí, segundo Gonçalves, que a marca começou a desandar. "A Molson tirou todos os executivos da administração e colocou gente que não entendia do negócio", afirma. Em 2004, quando houve a fusão da Molson com a americana Coors, os problemas de gestão pioraram ainda mais, segundo o empresário. Além disso, a formação da AmBev em 1999, que em sua criação concentrou 72% das vendas da bebida no país, complicou o cenário para os concorrentes.
No início de 2006, quando a Kaiser foi comprada pela Femsa, a participação da cervejaria estava em 5,7%, segundo a Nielsen. "A meta da mexicana era fazer frente à InBev", diz Adalberto Viviani, da consultoria Concept. Em 2004, AmBev e a belga Interbrew formaram a InBev. Mas a internacionalização da Femsa parou ali. Fora o Brasil e o México, a companhia não tem nenhuma atuação internacional, a não ser a exportação, principalmente para os Estados Unidos, que não passa de 12% do faturamento da divisão de cervejas. "Sem boa presença na Europa ou nos EUA, nenhuma cervejaria resiste no mercado global", analisa Viviani.
Mesmo com pouco mais da metade das vendas de cerveja no México (e os 6,9% de participação no Brasil), a divisão representa apenas 22% do faturamento global da Femsa que , se conseguir vender a unidade, deverá se concentrar em refrigerantes e sucos. Hoje, a Coca-Cola Femsa, que responde por essas áreas, gera metade dos ingressos da companhia.
"A Femsa Cerveja é uma bagunça", diz, em relatório recente, o banco Credit Suisse. "Em nossa última visita à Femsa no México, pudemos ver a pior performance da empresa em 18 anos. O fato é que a Femsa cerveja tem sido incapaz de cobrir seu custo de capital", diz o banco. "O melhor que a Femsa faz é vender essa unidade", arremata o relatório.
No Brasil, de janeiro a agosto, a participação da Femsa no mercado diminuiu 1,2 ponto percentual. Em relação a agosto de 2008, a queda é de 0,9 ponto.
"Outro grande dilema da Kaiser é o posicionamento de mercado", diz Viviani. "Ela não é suficientemente agressiva em preço para competir com as mais baratas e nem tem força de marca o bastante para ganhar em rentabilidade", observa o especialista.
Dentre as companhias que poderiam fechar o negócio estão a SABMiller, a Heineken e a Carlsberg. A SAB, segundo o Credit Suisse, é a mais cotada. A britânica tem a seu favor a boa experiência que tem com marcas tanto globais, quanto regionais e, segundo o Credit Suisse, tem caixa suficiente para pagar pela aquisição.
Para a Heineken - que é distribuída e fabricada no Brasil pela mexicana Femsa - a vantagem, além de assumir a operação brasileira, seria a chance de expandir sua produção no país. Hoje, a empresa holandesa é fabrica em uma das oito plantas da Femsa. Com o negócio, a Heineken controlaria as oito. Mundialmente, passaria de terceira colocada no ranking para segunda, perdendo só para a Anheuser-Busch InBev.
Mas a Heineken ainda está "enforcada" com a compra da Scottish Newcastle no ano passado, devendo pelo menos US$ 12 bilhões. A dinamarquesa Carlsberg seria uma possibilidade remota, já que lhe faltam experiência e popularidade na América Latina.
Veículo: Valor Econômico