Ministério da Pesca protege empresas que detêm 85% do mercado e não atendem à demanda nacional; País corre risco contra o Peru na OMC
Por causa de lobby do Ministério da Pesca, o preço da sardinha no Brasil ultrapassa o da carne bovina. Durante a Semana Santa faltou oferta do pescado, ao mesmo tempo em que empresas importadoras do peixe pagam altas tarifas. Em uma briga paralela, o Peru já questionou na Organização Mundial do Comércio por que o Brasil impede a venda da anchoveta como "sardinha peruana".
Hoje, no mercado, o preço de um quilo da sardinha atinge R$ 30, enquanto o da carne bovina fica em quase metade disso, R$ 15,78. O consumidor paga mais porque o País decidiu impor às sardinhas importadas uma tarifa ainda maior do que o teto do Mercosul, cobrando 32% de tributo para os peixes enlatados de outros países. A proteção ao produtor nacional não se justifica pelos números. O brasileiro consome, em média, de 100 mil a 120 mil toneladas de sardinha. Em alguns anos, chega a 150 mil toneladas. Já a produção gira entre 70 mil e 80 mil toneladas.
"O que a gente coloca é uma preocupação do governo de estruturar o mercado. As duas maiores empresas empregam 4 mil pessoas diretamente", afirmou a secretária executiva do Ministério da Pesca e Aquicultura, Maria Aparecida Perez. "A tarifa alta é uma garantia de que todo o produto nacional será absorvido pelas enlatadoras, a importação desestabilizaria o mercado."
O lobby pró-sardinha é encabeçado pelo ministério, chefiado pelo petista Luiz Sérgio, ex-prefeito de Angra dos Reis, onde se pesca o peixe. Sua antecessora, Ideli Salvatti, apoiava os pescadores de Santa Catarina, que também fornecem sardinha para as enlatadoras. Duas empresas, a Coqueiro-Pepsico e a Gomes da Costa controlam 85% do mercado e compram desses pescadores.
Peru. O governo peruano vem pressionando Brasília há anos para liberar a venda da anchoveta como "sardinha peruana" no mercado brasileiro. Os pedidos aconteciam apenas nos bastidores, até julho, quando o Ministério da Agricultura publicou uma instrução normativa classificando algumas espécies de peixe como sardinha. O Engraulius ringens, a anchoveta, ficou de fora.
Com base nesse documento, o Peru questionou as razões técnicas usadas pelo Brasil durante reunião do Comitê de Barreiras Técnicas da Organização Mundial de Comércio. O Itamaraty, então, acendeu o sinal vermelho. O Peru já acionou a OMC por causa da anchoveta e venceu um caso contra a União Europeia. O principal argumento: o Codex Alimentarius da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) lista a anchoveta como sardinha.
Os diplomatas brasileiros passaram a pressionar o resto do governo, sem resultado. Na quarta-feira passada, a Agricultura e a Pesca minimizaram a preocupação do Itamaraty e a Câmara de Comércio Exterior determinou que o assunto fosse estudado mais a fundo. Os diplomatas deveriam, segundo o conselho de ministros, negociar uma saída alternativa com os peruanos.
O Ministério da Agricultura defende o imposto mais alto. "É mais uma manjubinha do que uma sardinha", resumiu o secretário internacional do Agronegócio, Célio Porto. "A entrada da anchoveta iria bagunçar o mercado, o consumidor tradicionalmente não vê esse peixe como sardinha."
O chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Paulo Mesquita, minimizou a preocupação com um eventual contencioso com o Peru. "Esse peixe é conhecido como anchoveta na maioria dos países, inclusive no próprio Peru", disse. O embaixador peruano no Brasil, Jorge Bayona, contou que autoridades dos dois países se encontraram em setembro do ano passado para discutir o tema. Desde então, não houve avanços.
Tarifas cobradas impedem competição
O Brasil pratica dois tipos de tarifas para sardinhas importadas, ambas voltadas para a proteção de um duopólio que controla 85% do mercado e que dificulta a entrada de novas empresas no setor.
Documentos da Confederação Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe) obtidos pela reportagem indicam que a indústria pautou o governo para elevar o imposto da sardinha enlatada, vendida ao consumidor, e reduzir o tributo da versão congelada, utilizada como matéria-prima pelas enlatadoras.
Dados do setor indicam que a política deu resultados para a Coqueiro-Pepsico e Gomes da Costa, as duas empresas que comandam o mercado de sardinhas no País.
Nos últimos cinco anos, o preço pago pelo produto vendido pelas enlatadoras subiu 40%. No mesmo período, o valor recebido pelos pescadores pelo pescado cresceu 9%.
Por decisão da Câmara de Comércio Exterior, a sardinha enlatada que vem do exterior paga uma tarifa de 32%, acima do teto da Tarifa Externa Comum do Mercosul, que é de 25%.
O pedido foi feito em 30 de março do ano passado pela Conepe.
De acordo com o documento, "a indústria de conservas de pescado é intensiva de mão de obra, criando uma quantidade de postos de trabalho que nenhuma indústria moderna consegue igualar."
Para fins de ilustração, as duas enlatadoras instaladas no País criaram 4 mil empregos, de acordo com a secretária executiva do Ministério da Pesca e Aquicultura.
Para efeito de comparação, a General Motors, que iniciou na semana passada um Programa de Demissão Voluntária na fábrica de São José dos Campos, emprega 25 mil pessoas no País.
Um ano antes do pedido por proteção do mercado doméstico, a Conepe enviou outra mensagem ao Ministério da Fazenda, dessa vez solicitando a redução da tarifa de sardinha congelada, um insumo da indústria, com o objetivo de "complementar o suprimento pela produção nacional, que é insuficiente à necessidade do segmento industrial de conservas de pescado." .
Tailândia. Ex-presidente da Gomes da Costa, o empresário Jose Eduardo Simão tenta, sem sucesso, promover mais competição no setor de sardinhas importando o produto da Tailândia. Sua empresa, a Ampex Beira-Mar, importa 4 toneladas de sardinha, mas poderia importar duas vezes e meia isso se a tarifa permitisse mais concorrência.
"Os pescadores estão sendo chantageados pelos enlatadores", afirmou Costa. "O problema está localizado na capacidade do governo de proteger um setor oligopolizado que não dá conta de atender à demanda do mercado."
O Estado tentou contatar o secretário executivo da Conepe, Flavio Leme, na sexta-feira passada, mas ele estava em viagem e não houve sucesso.
Veículo: O Estado de S.Paulo