O empresário paulista Marcos Molina, controlador do grupo Marfrig, conseguiu encerrar um ano difícil para sua companhia com uma tacada estratégica.
O empresário paulista Marcos Molina, controlador do grupo Marfrig, conseguiu encerrar um ano difícil para sua companhia com uma tacada estratégica. Ao incorporar os ativos colocados à venda pela BRFoods por exigência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Marfrig pode transformar-se em 2012 na maior produtora do mundo de carne processada. O perfil da companhia vai mudar: metade de seu faturamento virá de produtos industrializados. A troca de ativos com a BRFoods foi uma vitória para o empresário, que assistiu no ano passado à queda de mais de 45% do valor das ações de sua companhia. Molina enfrentou a desconfiança do mercado em relação ao seu alto endividamento, o que o obrigou a vender ativos, que devem render R$ 1 bilhão. Ele recebeu a DINHEIRO em meio às festas de fim de ano em seu escritório, na zona sul da capital paulista.
DINHEIRO – A Marfrig passará à liderança mundial em carnes processadas com os novos ativos industriais da BRFoods?
MARCOS MOLINA – Sim. As fábricas que nós compramos da BRFoods têm capacidade ociosa. Só para dar uma ideia, o faturamento atual dessas unidades é de R$ 1,7 bilhão, o que equivale a 22 mil toneladas de produção por mês. Temos capacidade para até 45 mil toneladas, ou seja, o dobro, sem precisar de novos investimentos. A aquisição representa uma mudança para a companhia. Vamos atingir uma participação de 50% das receitas com produtos industrializados. Isso é um objetivo muito importante que a gente tinha desde a abertura de capital, em 2007. Os produtos industrializados e o food service (vendas para restaurantes e padarias) crescem a dois dígitos anuais. Por isso focamos nesses dois segmentos. Completamos essa estratégia até o ano passado, que foi o mais difícil. Agora, 2012 será de crescimento orgânico e colheita dos frutos. O grande desafio será a transição das marcas da BR Foods para a Marfrig, sem que elas percam participação de mercado. A Doriana, por exemplo, tem de mudar de dono sem que falte o produto na gôndola dos supermercados um só dia. Tudo tem de funcionar como um relógio.
DINHEIRO – O negócio foi uma vitória num ano complicado para a Marfrig?
MOLINA – Apesar das dificuldades que tivemos em 2011, da alta dos preços dos grãos, das margens de lucro menores, de todos esses desafios financeiros, fechamos o ano com chave de ouro. Fizemos muita coisa em 2011, inauguramos um frigorífico na China com investimentos de R$ 470 milhões, lançamos várias linhas e produtos novos. A empresa não ia fazer tudo isso se não estivesse bem. Eu acho que 2012 a 2014 serão os melhores anos para a companhia, estamos com uma plataforma global consolidada e vamos aproveitar o marketing do futebol, com o patrocínio da Copa.
DINHEIRO – Os resultados vão melhorar?
MOLINA – O faturamento dos novos ativos vai reduzir as relações de endividamento. Chegamos à geração de caixa positiva no terceiro trimestre. Fizemos a adequação das fábricas e, com a entrada das unidades da BRFoods, temos sinergia com a Seara e o custo da operação vai cair. Temos condições de ocupar o espaço deixado pela Perdigão: essa será nossa grande oportunidade.
DINHEIRO – Não seria necessário investir muito nas marcas “de combate”?
MOLINA – Na produção não, por causa da capacidade ociosa. Estamos definindo o plano de marketing para as marcas. Claro, há algumas de combate e outras regionais, mas também teremos marcas líderes. Por exemplo, a mortadela da Confiança, o Fiesta, que era o chester da Sadia, o Texas Burger, que tem 20% do mercado. A Seara também vai ter produtos novos, de nicho, como a linha do chef Jamie Oliver.
DINHEIRO – Em compensação, na transação vocês abriram mão da Paty, que é sinônimo de hambúrguer na Argentina...
MOLINA – A Argentina já era um mercado secundário para nós. A operação lá era só de bovinos e, para chegar a ter um portfólio completo, era preciso investir em frangos e em suínos. Nossa estratégia está focada no Brasil e na China, onde teremos maior crescimento. Então, decidimos aproveitar a oportunidade de fechar essa aquisição, que é grande e envolve marcas fortes. A Paty era importante, mas o negócio era muito bom, ainda mais sem usar caixa.
DINHEIRO – Por que a China é prioridade?
MOLINA – Temos grande expectativa de crescimento na China, já estamos exportando bastante para lá. Fizemos o primeiro embarque autorizado de suínos do Brasil, a parte de frangos também está indo bem. Nossa produção local começou no segundo semestre e está crescendo, já estamos abatendo 100 mil frangos por dia e vamos chegar a 200 mil. Estamos investindo numa malha logística, na joint venture com a COFCO, que é a maior estatal de alimentos chinesa, e aumentando a capacidade de produção em industrializados para atender o McDonald’s. Eles têm um plano agressivo de expansão lá, abrem uma loja a cada três dias. Nossa base logística acompanha o crescimento do McDonald’s e de outros clientes. Estamos aprovando mais fábricas para exportar. Acho que a grande oportunidade para a Marfrig será a sinergia entre Brasil e China, de produzir aqui e vender na ponta lá.
DINHEIRO – Como é ser sócio de uma estatal chinesa?
MOLINA – Por incrível que pareça, eles são superprofissionais. Agem como um investidor, não interferem muito na operação. Todo mundo quer investir lá, e quase todas as empresas têm sociedade com as estatais. O Estado chinês é um bom parceiro. Eu não administro os negócios diretamente, porque a Keystone está na China há 20 anos e tem uma equipe de executivos experiente. Nos últimos seis meses, por conta da negociação com a BRFoods e da reestruturação, fiquei muito no Brasil. Neste ano, devo ir para lá quatro vezes.
DINHEIRO – A Marfrig recebeu ofertas de fusão ou compra da JBS e da Minerva?
MOLINA – Isso é tudo rumor, nunca houve oferta. Não houve um fato. Nosso rating (classificação de risco) não foi rebaixado, nunca tivemos problema de pagamento nem de refinanciamento de linha de crédito. E ainda fizemos, com sucesso, a aquisição de parte da BRFoods. Houve quem dissesse que a gente não tinha bala... Mas no fim demos o tiro (risos). O que aconteceu em 2011 foi muito motivado pelo fundo da GWI, que vendeu em agosto as ações da empresa. Quando a GWI vendeu a posição, em uma semana a ação caiu 40%. E todo mundo começou a se perguntar: “O que está acontecendo com a Marfrig? A ação caiu porque a empresa está endividada?” Aí começaram as especulações.
DINHEIRO – A dívida ainda é alta. A crise externa não afetará muito a Marfrig?
MOLINA – Não somos só nós, todas as empresas do setor têm um nível de endividamento parecido. Estamos preparados para a crise. Nossa dívida é de longo prazo. Neste primeiro trimestre, estão entrando no caixa os recursos da venda de alguns ativos. Não acho que a crise terá impacto nas vendas. Mesmo na crise de 2008, que foi mais forte e aconteceu num momento de estoques reguladores altos, o consumo de proteína não caiu. Neste ano, há menos estoque.
DINHEIRO – Quanto a Marfrig vai receber vendendo ativos?
MOLINA – Acho que vai chegar a R$ 1 bilhão – a venda da parte de logística da Keystone no Brasil rendeu US$ 400 milhões e a distribuição no Brasil, R$ 150 milhões. Precisamos focar no nosso negócio principal. Por isso anunciamos a terceirização da distribuição para a Julio Simões Logística. Vamos precisar de uma distribuição muito grande com as novas marcas da BRFoods. Então, para não perder energia montando a rede, a Julio Simões fará isso para nós. Falta vender o terminal no Porto de Itajaí.
DINHEIRO – Com esses R$ 150 milhões já dá para pagar boa parte dos R$ 200 milhões devidos à BRFoods...
MOLINA – É, mas estamos recebendo à vista e pagando a prazo. A data não está acertada, mas será a longo prazo.
DINHEIRO – A venda de ativos foi exigida pelo BNDES? O que mais será vendido?
MOLINA – Não. A gente já tinha decidido vender no início do ano, quando fizemos o plano estratégico. Agora, não vamos vender mais coisas, não.
DINHEIRO – Por que o sr. comprou ações da Marfrig na bolsa?
MOLINA – Comprei porque está muito barato, a ação vale 40% do patrimônio líquido. Eu acho que é o melhor investimento. Nós declaramos e registramos tudo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Decidi comprar, prefiro investir na ação da empresa do que ficar com o dinheiro rendendo juros.
DINHEIRO – Houve tentativa de influenciar os preços?
MOLINA – Não existe isso. As ações estavam a R$ 15 quando o coreano (Mu Hak Yu, dono da gestora GWI) começou a vender e vieram para R$ 8. Com essa crise na Europa, o comprador estrangeiro sumiu das bolsas. Nunca quis puxar preço. Muitos investidores grandes com quem eu conversei acharam positivo que o controlador comprasse mais ações.
DINHEIRO – Alguns analistas questionam os balanços da companhia...
MOLINA – Não são vários analistas, é só uma empresa, a Empiricus. Vamos entrar na Justiça e na CVM contra eles. O que eles estão fazendo não é normal. Os relatórios têm mentiras. É direito do analista dar opinião, mandar vender a ação, mas não acusar a empresa sem provas. Eles alugaram uma grande quantidade de ações nossas e vendiam depois de soltar os relatórios.
DINHEIRO – Como o sr. vê o ambiente de negócios em 2012?
MOLINA – O primeiro trimestre vai ser mais difícil por causa dos problemas na Europa. Eu acho que já começa a melhorar no segundo trimestre. No geral, 2012 vai ser um ano bom. Onde você vai no Brasil, vê obra para todo lado, é bonito de ver. Várias empresas estão anunciando investimentos. O que preocupa é a Europa, mas acho que o pior já foi.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro