Depois de uma depressão de cinco anos, o setor de carne bovina na Argentina mostra sinais de reação movida pelo mercado interno. As exportações, que deram renome ao produto do país, continuam em queda livre. Segundo dados da Câmara da Indústria de Comércio de Carnes e Derivados (CICCRA), este é o primeiro bimestre de indicadores positivos desde o início da crise do setor com o governo.
A produção de carne bovina em janeiro e fevereiro atingiu 423,8 mil toneladas, 7,3% a mais que no mesmo período do ano passado. Ainda está longe das 547 mil toneladas produzidas em 2008, mas reflete o primeiro aumento do ritmo de abates desde que os produtores locais começaram a reter as matrizes para recompor o estoque. Foram para o abate cerca de 1,9 milhão de cabeças, 155 mil a mais que no início do ano passado.
"Ainda é cedo para dizer se este movimento se deve à antecipação dos abates em função da seca no verão ou ao aumento dos preços da carne no mercado doméstico, já que existe uma alta em dólar da ordem de 20%", disse o presidente da CICCRA, Miguel Schiariti. A retenção de matrizes, que acontece há dezoito meses, deve fazer com que o rebanho argentino aumente em até 500 mil cabeças este ano, dado que só deverá ficar claro entre abril e maio, durante a vacinação contra febre aftosa. Schiariti avalia o rebanho atual em 47,5 milhões de cabeças. Em 2008, eram 60 milhões.
O reaquecimento do mercado ocorre no momento em que o setor frigorífico vive a maior crise de sua história no país. Das 550 unidades de 2009, estão abertas atualmente 430. "A margem da operação melhorou, mas o setor perdeu em volume com a retração de 20% no rebanho", disse o dirigente.
Nesta semana, o governo da presidente Cristina Kirchner deve fazer o seu primeiro gesto de aproximação com o setor, com a retirada da retenção de 15% sobre as exportações de termoprocessados, a carne cozida usada para recheios de industrializados como carne em lata e massas. A retenção faz com que o exportador receba apenas 85% da transação em dólar. Na prática, funciona como um imposto sobre a exportação.
De acordo com Schiariti, a medida pode ser o sinal que a brasileira JBS precisava para reabrir a planta de Venado Tuerto, na província de Santa Fé, fechada no início do ano com a dispensa de 430 funcionários. O diretor da divisão de carnes da JBS na Argentina, Artemio Listoni, descarta uma mudança de planos. "A ser confirmado, este não é um fato que motive uma decisão nova", afirmou Listoni.
A retenção sobre as exportações está longe de ser o único motivo que levou os pecuaristas a enviarem maciçamente vacas para abate entre 2008 e 2009 e os frigoríficos a fecharem portas. O outro motivo é a regra não escrita e estabelecida pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que obriga exportadores a destinarem ao mercado doméstico uma tonelada para cada 3,5 toneladas exportadas, a preços reduzidos.
A estratégia do governo argentino era aumentar a oferta de carne bovina e assim estabelecer uma âncora de preços na cesta básica. Mas o efeito foi inverso: o produto encareceu e acelerou uma migração de consumo, com a substituição da carne bovina pela de frango ou de soja nas geladeiras do país. O processo foi estancado agora com a diminuição das exportações. De 88,6 mil toneladas no primeiro bimestre de 2008, as vendas para o exterior caíram para 30,4 mil toneladas nos dois primeiros meses do ano.
A redução do rebanho fez com que os pecuaristas retardassem o momento de enviar o gado para abate. Segundo Schiariti, a idade média migrou da faixa dos 20 a 24 meses para a de 24 a 30 meses, fazendo com que diminuísse a quantidade de cabeças abatidas dentro do padrão de excelência para a exportação. "Dificilmente cumpriremos neste ano as 29 mil toneladas da cota Hilton, pela quarta vez consecutiva, por falta de definições do governo e de novilhos", afirmou o dirigente.
Veículo: Valor Econômico