Pesca marítima encolhe, criação em tanques cresce
Apesar de toda a diferença, há o que aproxime o peixe e o frango. Foi o que descobriu o empresário Pedro Furlan Uchoa Cavalcanti, bisneto de Attilio Fontana, fundador da Sadia. A vida toda, graças aos negócios da família, ele esteve envolvido com o agronegócio e com a criação de frangos. Antes da fusão com a Perdigão, que formou em 2009 a BRF, foi por três anos executivo da controladoria, do marketing e de vendas da Sadia.
A experiência com os peixes veio em 2006, quando deixou o emprego na Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e comprou 100 hectares de terra em Sorriso (MT). Construiu tanques para criar tilápias, pintados, tambaquis e outros pescados.
"Decidi replicar no pescado o modelo que a Sadia usava para o frango", diz Cavalcanti, presidente da Nativ Pescados, uma das maiores empresas de criação de peixes de água doce em tanques artificiais do País. Em Sorriso, a Nativ, que foi fundada em 2006, tem 300 funcionários (dos quais 70% são ex-Sadia) e 90 hectares de lâmina d'água, a medida que expressa o tamanho dos tanques de criação de peixe. "Ainda somos pequenos, mas queremos ser a BRF dos pescados", diz o empresário.
Os planos são ambiciosos: com faturamento de R$ 30 milhões em 2011, a empresa quer chegar a R$ 43 milhões este ano, a R$ 100 milhões em 2013 e, até 2018, multiplicar por 12 atual receita e movimentar R$ 550 milhões. Como? Aliando a estratégia de copiar a gestão da Sadia com um empurrãozinho financeiro de um fundo internacional. "Até novembro deveremos anunciar esse novo parceiro", diz Cavalcanti.
Peixe versus frango. O fato de ser uma companhia que cria seus próprios peixes - ao contrário de suas maiores concorrentes, como Gomes da Costa e Leardini, que concentram suas atividades na pesca extrativista marinha - é o maior trunfo da Nativ. É esse modelo que permite à companhia se "inspirar" na Sadia. "Pode-se dizer que, do abate para a frente, tanto o negócio do peixe quanto o do frango são muito parecidos", afirma Cavalcanti. As diferenças, diz ele, estão antes do abate. O peixe, por exemplo, demora bem mais tempo que um frango para atingir o peso certo para ser processado para consumo. Enquanto a ave não leva mais que 45 dias para atingir seu peso máximo, o peixe precisa de seis a 12 meses, conforme a espécie. O manejo também é diferente. Mas, mesmo nesse ponto, a Nativ mostra claras semelhanças com a Sadia. "Lá, tudo era pesquisado para melhorar o produto e tentei fazer isso aqui também."
Ele contratou, por exemplo, pesquisadores que controlam a alimentação e a água dos tanques onde ficam as tilápias. O objetivo é eliminar a proliferação de algas. Se o peixe come dessas plantas aquáticas, sua carne muda de sabor. "Fica com gosto de barro, de peixe de pesque-pague", diz Cavalcanti.
O modelo Sadia também foi empregado no abate. Como uma das maiores exportadoras de frango do mundo, a companhia teve de se especializar no abate halal, que segue as leis islâmicas, conforme exigem os países árabes. Por esse método, o abate é feito o mais rápido possível para que o animal sofra menos. Com o peixe, a filosofia é parecida. Cavalcanti pesquisou como poderia tornar o processo menos doloroso. "Resfriamos a água entre 2°C e 0°C. Nessa temperatura, o peixe fica em estado de sonolência e morre com menos sofrimento", explica o empresário. "Isso também deixa a carne mais branca, mais leve."
Pulo do gato. Seguindo o modelo dos hambúrgueres, nuggets e empanados Sadia, a Nativ também processa seus pescados, em Sorriso, transformando-os em alimentos semipreparados. Boa parte precisa apenas ser aquecida para ser servida. Essa característica é um grande pulo do gato para a Nativ em relação à maior parte da concorrência, que apenas vende o peixe limpo e congelado.
Primeiro, porque permite à empresa vender produtos de maior valor agregado. Segundo, porque permite - como fazia a Sadia - a criação de uma maior variedade de produtos. "Com as mesmas espécies de peixe, podemos lançar diferentes itens, apenas mudando a apresentação, do filé ao empanado, por exemplo", diz. Até dezembro, segundo Cavalcanti, a Nativ, que tem 24 produtos diferentes, planeja lançar mais dez.
A terceira e maior vantagem é a facilidade de preparo. "O brasileiro gosta de peixe, mas não gosta de prepará-lo", diz Jorge Lara, pesquisador da Unidade Pantanal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
É por isso que o consumo de pescados fora do lar, principalmente em restaurantes por quilo, é 2,2 vezes maior que o que acontece dentro de casa, segundo estudo feito em 2011 pela consultoria ECD, que é especializada em food service. "As pessoas não têm tempo e procuram praticidade", afirma Enzo Donna, diretor da ECD.
Mudar o hábito de consumo é o maior desafio das companhias desse setor, segundo Lara. "O brasileiro está comendo mais peixe, tanto que o consumo per capita aparente passou de 7 quilos em 1996 para 9,7 quilos em 2010", diz o pesquisador. Mas para que haja escala de mercado, esse número precisa continuar crescendo.
E, para sustentar o crescimento do consumo, as empresas precisam atender à demanda o ano todo, sem interrupções. "Essa é uma vantagem das empresas de aquicultura em relação às de pesca extrativa, pois podem contornar a sazonalidade e fornecer com mais uniformidade o ano inteiro", diz o pesquisador.
Veículo: O Estado de S.Paulo