Quando Carlos Eduardo Ciciliato recebeu um lote de catetos - conhecidos como porcos-do-mato - provenientes de capturas ilegais em seu criadouro de conservação de animais silvestres, no sítio Santa Maria, em Indaiatuba (SP), ele não imaginou que daria, a partir dali, início a uma criação voltada para a produção de carnes de caça.
Ciciliato pediu permissão ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para abater parte do "rebanho" (hoje formado por 30 animais) que se procriava, enquanto solicitava também a autorização para criar capivaras com o mesmo propósito. As licenças para ambas as finalidades são concedidas apenas pelo Ibama.
O engenheiro industrial encontrou nessas duas atividades uma forma de reduzir as despesas de seu criatório construído em 1998 e que abriga macacos, araras, veados-catingueiros, entre outros, e atender a demanda da Cerrado Carnes Naturais, empresa que há sete anos investe no mercado de carnes de caça, cujas estatísticas ainda são bastante esparsas.
De acordo com a Associação Brasileira de Criadores e Comerciantes de Animais Silvestres e Exóticos (Abrase), há no país 5.476 criadores comerciais de animais nativos para abate, extração de pele (como a de jacarés), criações domésticas e pássaros silvestres (como as araras), que compõem um mercado estimado em R$ 5 bilhões - o Ibama não separa a atividade por categoria.
Carlos Ciciliato compõe o grupo de 40 fornecedores para a Cerrado Carnes
Estima-se que o consumo internacional das carnes de caça movimente US$ 773 milhões por ano, um mercado formado principalmente por Alemanha, França, Bélgica, Suíça e Holanda.
Ciciliato pertence ao grupo de 40 parceiros localizados entre Rio Grande do Sul, São Paulo, Goiás e Bahia, que fornecem 1,5 tonelada por mês de carnes exóticas - além de cateto e capivara, paca, cotia, queixada, javali, entre outras - para Gonzalo Barquero, sócio-diretor da Cerrado Carnes, com sede em São Paulo.
Antes comuns na mesa de muitos brasileiros, essas carnes praticamente desapareceram do cardápio desde que a caça foi proibida por lei, em 1967. No entanto, seu consumo voltou à moda e de forma legalizada quando os chefes de cozinha promoveram o resgate de um tipo de alimento disponível até a primeira metade do século passado, quando o Brasil não era tão urbano e a população podia se alimentar dos animais que viviam na mata. Hoje, empórios e bons restaurantes de sete Estados são os principais clientes da Cerrado Carnes.
Preços das diferentes carnes exóticas no mercado costumam variar de acordo com a produtividade
Gonzalo Barquero e seu sócio e amigo de infância, Roberto Salles Machado, já investiram R$ 1 milhão na empresa. Vontade de desistir, conta, não faltou diante de um mercado que foi maltratado pela falta de qualidade e inconstância do produto.
A insistência da dupla, porém, valeu a pena. A empresa planeja mais do que triplicar sua produção, para 5 toneladas mensais, nos próximos dois a três anos. A regularidade na entrega de um produto raro é recompensada nos preços: o quilo da carne de paca, considerada a mais nobre e com sabor levemente adocicado, vale R$ 270. Embora seja o animal mais caro, as carnes mais vendidas são a de javali (R$ 52 o quilo) e a de capivara (R$ 60 por quilo). "O preço varia conforme a produtividade do bicho", afirma Barquero.
A formação em ciências animais pela Universidade de Illinois (EUA), equivalente ao curso de zootecnia no Brasil, foi essencial para que Barquero ensinasse manejos fundamentais para seus parceiros, como o de tentar reproduzir um pouco do habitat em suas propriedades.
A carne rosada do cateto é uma das preferidas da gastronomia sofisticada
A capivara precisa de área alagada no seu criadouro, o cateto não exige tanto espaço no piquete feito ela e a paca é um dos animais mais delicados de todos, pois sua taxa de reprodução é baixa e ela demora de dez a 12 meses para atingir apenas 5,5 quilos.
Por sinal, a empresa garante boa parte do abastecimento desse animal por meio da parceria com a Empreendimentos Agropecuários e Obras (EAO), pertencente ao Grupo Odebrechet, com quem mantém 500 matrizes de pacas na Bahia. "Conseguiu triplicar o volume de comercialização com esta criação", informa Barquero.
Carlos Eduardo Ciciliato já conhecia um pouco da forma de condução das criações, mas precisou aprender a alimentá-las com uma dieta adequada. Ele oferece duas vezes ao dia capim, milho e farelo de soja, além de frutas e tubérculos disponíveis na região. O produto final tem que cair no agrado de chefs e consumidores, e não apresentar rigidez ou sabor intenso em excesso. "Ao contrário dos que muitos pensam, a carne de caça é delicada", ressalta.
Ciciliato confessa que não tem receios de lidar com uma criação restrita a atender um nicho de mercado. "É uma estratégia", simplifica. Para ele, a parte mais árdua já foi feita por Gonzalo Barquero, que desbravou mercado. "O caminho meio torto deu origem a um bom negócio", comenta o empresário.
Gonzalo Barquero colhe resultados de um mercado que ajudou a desbravar
Ele lembra que, ao voltar dos Estados Unidos, há dez anos, já tinha planejado sua carreira de pesquisador na área de animais silvestres. Mas, ao dar início a um programa de controle de capivaras que invadiam áreas urbanas, seus planos profissionais viraram do avesso.
Gonzalo abriu mão da meta quando se deparou com a ausência de normas para este tipo de controle - as regras americanas não serviam para o Brasil - e deu início a um projeto não menos complicado, o de formar um mercado de carnes de caça, quase inexistente no país.
Ele faz questão de ressaltar, no entanto, que não deixou de lado seu sonho de pesquisador ao reativar a ONG TSI (Tropical Sustainability Institute), aberta assim que retornou ao Brasil, voltada para a conservação das espécies silvestres. "Virei empresário, mas meu interesse pela pesquisa não diminuiu", pontua.
Veículo: Valor Econômico