A AmBev do frango

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Luiz Furlan tem um plano secreto para a Sadia. Ele começa com um aporte do BNDES e termina com a fusão com a Perdigão

 

NA ÚLTIMA SEMANA, O empresário Luiz Fernando Furlan, presidente da Sadia, perdeu um quilo e meio. Na quinta-feira 5, o executivo não almoçou e, à tarde, comeu apenas alguns pedaços de mamão e melão. A redução de peso é resultado da intensa carga de trabalho exigida por um dos mais importantes projetos de sua carreira profissional. De acordo com informações do mercado financeiro, Furlan estaria desenhando um plano de reorganização societária e de capitalização da Sadia cujo objetivo é criar, com a ajuda do BNDES, um gigante mundial da área de alimentos, com receita de R$ 22 bilhões, ativos de R$ 20 bilhões e 110 mil empregados – enfim, uma espécie de “AmBev dos alimentos”. Esta empresa, resultado de uma fusão entre Sadia e Perdigão, só sairá do papel se uma série de etapas preliminares for cumprida. A primeira, e mais importante, é uma capitalização na Sadia, que sofreu perdas bilionárias com derivativos. A segunda, a mudança no conselho e no controle da companhia, com a saída de alguns sócios da família Fontana – entre eles, o primo de Furlan, Walter Fontana, que o antecedeu na presidência da Sadia. A terceira, a fusão com a Perdigão, com uma troca de ações entre as duas empresas. A quarta, o ingresso dessa nova empresa no Novo Mercado da Bovespa.

 

Na tarde da quinta-feira 5, Furlan recebeu a reportagem da DINHEIRO, na sede da empresa, na Vila Anastácio, em São Paulo. Não confirmou a existência desse plano, mas também não negou. Num diálogo recheado de metáforas, inclusive futebolísticas (como costuma fazer seu exchefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva), o ex-ministro desconversou: “É uma história interessante. Nós temos sidos bombardeados por esses tipos de elucubrações”, disse. “A Sadia não tem compromisso com ninguém. Compromisso é compromisso, conversa é conversa. Jogo é jogo, treino é treino.” Ele admite que será necessário um processo de capitalização no grupo. “Como isso vai ser feito, ainda não sabemos”, afirma.

 

AFETADA PELOS DERIVATIVOS, A SADIA BUSCA UM SÓCIO QUE TRAGA R$ 2 BILHÕES E BANQUE A SAÍDA DE ALGUNS ACIONISTAS

 

No início desta semana, representantes da Sadia voltam a se encontrar com diretores do BNDES, no Rio de Janeiro, para discutir o desenho da organização. A operação é complexa porque exige, efetivamente, que cada uma das etapas seja cumprida de forma precisa. Embora a Sadia seja maior do que a Perdigão, a segunda, que não derrapou na crise dos derivativos, vale mais. O valor de mercado da Sadia é de R$ 2,6 bilhões, enquanto as ações da Perdigão valem cerca de R$ 6,4 bilhões. Numa lógica simples de mercado, o natural seria uma aquisição pura e simples, com a empresa mais valiosa engolindo a mais fragilizada. Mas esse não é um caminho viável. E é por isso que o plano da Sadia tem como premissa inicial a valorização da posição de controle da própria Sadia. Seria então necessário realizar uma capitalização da ordem de R$ 2 bilhões. A injeção se dará por meio da compra de lotes de ações ordinárias da Sadia por um valor superior à cotação atual – de R$ 4,74, na quinta-feira 5. Estima-se que pouco mais de 25% dos R$ 2 bilhões seriam usados para a compra das participações de parte da família Fontana. “Essa operação, inclusive a fusão com a Perdigão ou com outra empresa do setor de alimentos, só será viável se antes houver uma reorganização societária dentro da própria Sadia”, confirma Rafael Weber, da Geração Futuro. Os outros 75% do aporte ajudariam a resolver o problema financeiro da empresa. O saneamento ainda contaria com a venda de ativos imobiliários e de parte (ou até a totalidade) do Banco Concórdia, controlado pela Sadia.

 

POLÍTICA DO BNDES É CRIAR GRANDES GRUPOS E IMPEDIR QUE EMPRESAS NACIONAIS CAIAM EM PODER DE MÃOS ESTRANGEIRAS

 

Esse grande aporte não seria suficiente para que o valor de mercado da Sadia alcançasse o da Perdigão, mas valorizaria a posição do novo bloco de controle. E então Furlan poderia discutir a fusão com a Perdigão em igualdade de condições, podendo figurar entre os controladores da futura empresa. Algo semelhante ao que aconteceu na operação Itaú-Unibanco, em que a empresa menos valiosa (o Unibanco) se tornou co-controladora da nova holding, justamente porque houve uma valorização prévia da sua posição econômica. Nas reuniões com o BNDES para discutir esse aporte, certamente aparecerão os nomes de fundos dos países árabes – onde a empresa brasileira tem uma marca de prestígio – ou de tradings asiáticas. Esses grupos estariam interessados em se tornar sócios da Sadia. A menção de seus nomes teria dois objetivos. Um seria a efetiva participação deles no capital da nova empresa que surgiria da fusão de Sadia e Perdigão. Outro objetivo seria “estimular” o BNDES a aprovar mais rapidamente a operação. Afinal, os negócios fechados recentemente pelo banco têm sido justificados pela necessidade de criação de grandes grupos nacionais, capazes de resistir ao assédio de concorrentes internacionais. Foi assim com o casamento entre VCP e Aracruz e a união da Oi com a Brasil Telecom. Furlan não descarta nenhuma possibilidade. “Pode ser investidor privado, pode ser o BNDESPar, mas não caminhamos ainda para uma decisão. A empresa não está pressionada contra a parede para resolver essa questão.” Ele não afasta a hipótese de uma reorganização societária na empresa, em decorrência da entrada de um investidor privado no grupo. “Depois de ver qual será o parceiro, montante, que tipo de participação vai ter, etc. é claro que há reciprocidades que são negociadas. Em geral, um acionista de destaque faz um conjunto de solicitações, como lugar no conselho e participação nas decisões.”

 

Uma das etapas mais delicadas nesse processo será a eventual fusão com a Perdigão, a mais tradicional rival da Sadia no mercado. Furlan diz que entende essa espécie de torcida criada em torno do assunto Sadia-Perdigão, e faz metáfora futebolística sobre o tema: “Eu sou corinthiano, meu irmão é palmeirense. Se eu falar para fazermos uma fusão e mostrar todas as vantagens, eu tenho a impressão de que ele não vai topar. Se a Mancha Verde e a Gaviões da Fiel se encontrarem, há mais chances de eles se pegarem do que saírem para comemorar. Entre o idealizado e o possível, a distância é muito grande. Aproximação? Só na gôndola do supermercado.” E continua: “Tem muita gente que gostaria que isso acontecesse, tem gente do lado de lá, de cá, do lado público e investidores, mas nós não assinamos nenhum tipo de compromisso com ninguém. Todas as possibilidades estão abertas”, diz.

 

Para que um acordo aconteça, não será suficiente a costura com o BNDES ou com eventuais sócios privados. Será preciso convencer o presidente da Previ, Sérgio Rosa, de que o negócio criaria valor também para a Perdigão, uma empresa controlada pelos fundos de pensão. O argumento de Furlan é o de que a Previ tem hoje cerca de 8,5% do capital da Sadia, uma participação, contudo, sem liquidez. Com a fusão, além dos ganhos com sinergias, estimados pelo mercado em R$ 2 bilhões, a Previ valorizaria sua posição na própria Sadia. Na outra ponta, os fundos acionistas da Perdigão (a própria Previ, com 14%, e o Petros, com 12%) terão nas mãos papéis mais valorizados. Para vencer a resistência de Rosa e dos demais fundos, Furlan conta ainda com alguns trunfos, entre eles sua habilidade de negociação e seu capital político. Quando eclodiu a crise dos derivativos, no fim do ano passado, a Previ anunciou que poderia contratar escritórios de advocacia para processar a Sadia. Jeitoso, Furlan marcou um almoço com Rosa e os dois se entenderam. Além disso, Furlan, ministro do Desenvolvimento entre 2002 e 2006, foi responsável pela virada nas contas externas do País e, graças a isso, o presidente Lula reconhece nele uma peça central na construção do ciclo recente de crescimento da economia. A ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, também é próxima a ele, o que significa que o plano Sadia-Perdigão seria visto com bons olhos no Planalto.

 

Esse amplo acordo estaria concluído, segundo fontes próximas à Sadia, até junho deste ano. A meta da Sadia seria divulgar o balancete do primeiro trimestre de 2009, já com uma decisão sobre o seu futuro. A data-limite de entrega do documento é 15 de maio. Furlan diz que é possível que isso ocorra de forma simultânea, mas “não dá para garantir”. A Sadia tem hoje uma posição mais tranquila do que em setembro do ano passado, quando o rombo inicial de R$ 760 milhões, provocado pelos derivativos, veio a público. “O primeiro passo da empresa é a capitalização. Depois disso, alguma coisa acontecerá no campo societário e a própria Sadia tem sinalizado que está aberta a propostas. Como eles rolaram suas dívidas de curto prazo, terão tempo para escolher a melhor delas”, diz Denise Messer, analista da Brascan Corretora. Mas a situação da empresa continua delicada. Estima-se que o prejuízo da companhia em 2008 pode chegar a R$ 2,5 bilhões. Apenas depositado como margem (dinheiro separado para arcar com suas posições) existe R$ 1,7 bilhão. Não é algo que hoje chega a assustar o comando do grupo. “Temos todas as condições de continuar crescendo. Vemos o futuro com cautela, mas sem medo”, diz Furlan, que completa, agora fazendo metáforas com contos de fadas: “Nós vamos voltar a ser Branca de Neve.

 

“Temos cautela, mas não medo”

 

Na quinta-feira 5, Luiz Furlan recebeu a DINHEIRO para uma conversa sobre o futuro da Sadia. Leia abaixo trechos da entrevista.

 

Uma capitalização via BNDES é um bom caminho?
Haverá um processo de capitalização na empresa no decorrer deste ano. Como vai ser, não decidimos. Pode ser por aumento de capital, investidor privado, um processo via BNDESPar e um processo misto. Para todas elas, fizemos estudos. Mas não caminhamos no processo decisório. Não somos pressionados pelo tempo ou caixa para que isso aconteça.

 

Mas um acordo com o BNDES lhe parece o mais interessante?
Todos os caminhos têm pontos mais ou menos positivos. O importante é que a companhia sabe que para manter a expansão é preciso recompor o endividamento. A Sadia não tem compromisso com ninguém. Compromisso é compromisso, conversa é conversa.

 

E uma reorganização societária?
Dependendo de como é a capitalização, quem é o parceiro, o tipo de participação, obviamente há reciprocidades que são compartilhadas. O fato é que temos tempo para encontrar soluções. Temos cautela, mas não temos medo.

 

A empresa vai ao Novo Mercado?
Se tenho esse projeto a curtíssimo prazo? Não, eu digo que não tenho.
 


Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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