Um negócio debaixo d'água

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Acredite, o Brasil não tinha uma fazenda marinha para pescados em 7,3 mil quilômetros de litoral. Pois ganhou a primeira delas na semana passada

A máxima chinesa diz que quem não sabe suportar contrariedades nunca terá acesso às coisas grandiosas. O pernambucano Manoel Tavares sabe bem disso. Em 2004, ele criava larvas de camarão quando os Estados Unidos abriram um processo de investigação de dumping contra os produtores brasileiros do crustáceo. Foi um baque que se transformou em oportunidade. No mesmo ano, Tavares teve a ideia de diversificar as atividades da sua empresa, a Aqualider. Passou a investigar quais peixes seriam rentáveis no pouco desenvolvido mercado brasileiro e encontrou a resposta no beijupirá, de carne branca e comparável à do salmão. O peixe chega a até cinco quilos em um ano, o triplo da velocidade de desenvolvimento do salmão e até dez vezes mais que o dourado. Nascia um projeto que só começou a ganhar corpo em maio de 2006, quando Tavares procurou a Secretaria de Pesca do governo federal propondo arrendar um pedaço do mar na costa do Recife. Até que na sexta-feira 13, na Praia do Cupe, a oito quilômetros ao norte de Porto de Galinhas, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi inaugurada a primeira fazenda marinha para peixes no Brasil - até agora havia criação em cativeiro apenas para crustáceos, sobretudo camarões. O investimento total é de R$ 10 milhões. Até o final do ano, 300 toneladas de beijupirá deverão sair dos tanques-rede da Aqualider para a mesa do consumidor brasileiro. Por enquanto, como o mercado internacional não está para peixe, nada de exportação. Mas em 2011, quando a produção deve chegar a cinco mil toneladas, a história pode mudar. "Aprendemos com o camarão que quando o mercado externo se fecha leva tempo para reabrir", explica Tavares. "Mas quem define o meu futuro é o cliente."

 

 
Para conseguir chegar ao faturamento que projeta, de R$ 80 milhões anuais, a Aqualider teve de enfrentar a burocracia governamental e o descontentamento do setor pesqueiro. Por dois anos, buscou contatos com os órgãos ambientais e ligados à pesca dos governos municipal, estadual e federal. Encontrou numa diretriz do presidente Lula a brecha que precisava. Desde o lançamento de um programa federal de incentivo à piscicultura, em 2004, Tavares lutava por uma inédita forma de exploração da costa brasileira. Até então, nenhuma empresa privada havia obtido concessão para criar peixes em águas públicas. Por essa razão, a iniciativa vem despertando polêmica entre os pescadores tradicionais, que têm feito manifestações contra o que chamam de privatização do mar. O medo dos pescadores, dizem eles, é que a estrutura instalada em alto-mar afugente os peixes que dão sustento às suas famílias. A Aqualider alega que paga R$ 60 mil por ano pela concessão, que foi ganha em licitação por um período de 20 anos. "O empreendimento cria um ambiente propício à agregação de cardumes por conta dos resíduos de alimentos e das gaiolas flutuantes", afirma Fábio Hazin, professor do Departamento de Pesca da Universidade Rural de Pernambuco.

 


O projeto da Aqualider promete mexer o mercado brasileiro. Hoje a aquicultura brasileira gera 270 mil toneladas de pescados. Com as licenças para o uso de águas públicas, uma nova fronteira de produção de alimentos no País está se abrindo, com potencial para atingir 400 mil toneladas por ano nos próximos quatro anos. "Importamos mais da metade do que consumimos de seis países da América do Sul", diz o ministro da Pesca, Altemir Gregolin. "Com o sucesso deste projeto, que não tem um centavo de dinheiro público, outras fazendas marinhas podem sair do papel, somando 55 mil hectares de espelho d'água." Do ponto de vista financeiro, a aquicultura em mar aberto é mais cara e arriscada. Dos custos fixos da Aqualider, por exemplo, 80% são com ração para os peixes. A preocupação é tanta que até 2015 a empresa espera poder construir sua própria fábrica. Mas ninguém duvida que o investimento compensa.

 


Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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