Com alta de 14,2% nos alimentos em 12 meses, consumidor troca até salmão por sardinha. No prato do brasileiro, a carne foi substituída pelo ovo. O salmão virou sardinha. Frutas, verduras e legumes, que encarecem de uma semana para a outra, também perdem vez no carrinho. Com a disparada nos preços de alguns alimentos, criatividade e jogo de cintura são alguns dos ingredientes básicos para ajustar a cesta de compras na feira ou no mercado a um orçamento apertado.
Nos últimos 12 meses até janeiro, o custo da alimentação em casa acumulou alta de 14,2%. Dos 146 alimentos consumidos em casa pesquisados pelo IBGE em janeiro, 95% ou 137 ficaram mais caros no acumulado em 12 meses. Destes, 90 subiram acima da inflação média geral, de 10,71%.
'Azeite, só nacional'
Comer fora também ficou mais caro, mas o avanço foi menor, de 10,5%. Mesmo assim, fazer refeição em restaurante ainda tem um custo maior. Mas driblar a inflação comendo em casa se tornou uma tarefa mais complexa.
— Minha mãe mora comigo, e sempre cozinho. Vegetais e carnes estão insuportáveis. Tudo aumentou demais e mensalmente. Eu me sinto roubado. Sou obrigado a substituir. O salmão virou sardinha, que também tem ômega 3. O ovo é fonte de proteína, assim como a carne. Faço feijão, arroz, ovo e complemento com batata. Azeite de oliva espanhol também não entra mais. Só nacional — conta o ator Fernando Reski, de 66 anos.
A dona de casa Nelma Lúcia Wajsenson, de 73 anos, eliminou alguns alimentos da lista de compras e passou a cozinhar legumes com casca para diminuir a perda ao descascá-los:
— O brócolis, que custava R$ 3 há menos de um mês, agora está R$ 6. O chuchu também dobrou de preço. Não dá mais para sair da feira com o carrinho cheio. Agora, levo um ou outro. O quilo do peixe panga já está em R$ 28. Daí, quando você limpa, perde uns 30%. Não dá mais para comprar. Passei a cozinhar batata, cenoura e outros legumes com casca, porque depois de cozidos ela sai mais fácil e o desperdício é menor.
Na feira, as queixas são frequentes. Tubérculos, como batata e inhame, acumulam alta de 42,71% em 12 meses. Hortaliças e verduras ficaram 22,91% mais caros no período, e as frutas tiveram alta de 18,15%, segundo o IBGE. As carnes, que têm peso maior no orçamento, subiram 11,93%, um resultado acima da média geral da inflação. Para a nutricionista Gabriela Maia, ainda existem alternativas para driblar a escalada de preços:
— Mesmo com a inflação alta, é possível ter uma alimentação balanceada economizando. Basta substituir o mais caro pelo mais em conta, desde que tenha os mesmos valores nutricionais.
A nutricionista recomenda a troca do salmão — que subiu 24,82% — pela sardinha. Além do preço mais convidativo, a sardinha, que subiu 3,98%, é rica em ômega 3, gordura anti-inflamatória que ajuda a prevenir a diabetes e o câncer.
— Só não vale fritar. Pode ser feita assada ou na panela de pressão — alerta Gabriela.
Outros vilões da cesta de compras, como o repolho, com alta de 43,26%, e a couve (17,23%), podem ser substituídos por agrião, que subiu 8,67%. No açougue, o filé mignon (que teve alta de 14,4%) pode ser trocado pelo lagarto redondo, que teve alta de 4,58%, ou pelo lombinho de porco (que ficou 1,17% mais caro), explica Gabriela.
A explosão no preço dos alimentos, principalmente dos in natura, é fruto de alterações no clima, que prejudicaram as lavouras ao longo de 2015, e da alta do dólar, que encareceu os custos da produção, dos insumos, como o trigo, e levou produtores a aumentar exportações, reduzindo a oferta no mercado doméstico, explica Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE.
Em 2016, eles seguem nessa trajetória de alta porque, historicamente, os três primeiros meses do ano são ruins para a agricultura, em razão das chuvas em excesso em algumas regiões e da seca, em outras, complementa Maria Andreia Lampreia, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mas, a partir do segundo trimestre, a alta deve desacelerar, explica:
— Essa sazonalidade deve se dissipar ao longo dos próximos meses e as projeções de safra e de preços de commodities agrícolas no mercado internacional não indicam nenhuma possível pressão nos preços. O que pode impactar é o câmbio. Temos de ver como ele vai se comportar. Mas é preciso ocorrer algo muito fora do normal para afetar consideravelmente esses preços em 2016.
Se as previsões se confirmarem, as chuvas também darão uma trégua, principalmente no Sul, que foi castigado pelo fenômeno El Niño em 2015.
— Em 2016, ainda teremos impacto no El Niño, com maior volume de chuvas no Sul e menor no Nordeste e em parte do Norte. Mas ele está perdendo intensidade gradualmente. Tudo indica que até o meio do ano volte à normalidade. Para o Centro-Oeste e Sudeste, responsáveis por boa parte da produção agrícola, não é possível fazer previsões para além de duas semanas, pois são regiões onde o clima não depende dos oceanos — explica o climatologista Gilvan Sampaio, estudioso do fenômeno El Niño pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Sem alívio no frango e na carne
O gerente de Modernização do Mercado Hortigranjeiro da Conab, Erick de Brito Farias, prevê desaceleração dos preços:
— Esse primeiro trimestre vai ser crítico, por causa do clima, mas a partir do segundo trimestre os preços terão leve queda, pois a alta do câmbio já foi repassada e o dólar já se estabilizou.
Já a pressão no preço das carnes bovina e de frango deve continuar, explica Sergio de Zen, responsável pelas pesquisas de Pecuária no Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea):
— Há uma pressão de alta que surge na base, que são os insumos importados e, em algum momento, deve ser transferida ao consumidor. Apesar do câmbio estar estabilizado, ficou num patamar bem mais alto que no início de 2015.
Veículo: Jornal O Globo