Entrevista: Adriano Lima Ferreira

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Apontado como principal responsável pelo prejuízo histórico registrado pela Sadia com os chamados derivativos tóxicos, o ex-diretor financeiro Adriano Lima Ferreira rechaça a versão de que teria realizado as operações sem o consentimento do conselho da companhia. Em entrevista à Gazeta Mercantil, ele relata que, ao verificar o desenquadramento dos limites de exposição a derivativos cambiais após a disparada do dólar, levou pessoalmente a informação ao então presidente do conselho de administração da empresa, Walter Fontana Filho. "Pelo modo que foi informado, parece que foi o conselho que descobriu um rombo de um maluco de uma área maluca", defendeu-se.

 

As operações com derivativos, diz, não apenas eram de conhecimento dos integrantes do conselho, como nunca foram questionadas nas reuniões mensais que mantinha com o colegiado. "Pelo contrário, eram só aplausos." Surpreendido pela decisão dos acionistas da Sadia de processá-lo, Ferreira decidiu romper o silêncio depois de mais de seis meses. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

 

Gazeta Mercantil - Qual foi a sua reação ao saber que os acionistas da Sadia decidiram processá-lo?

Reagi com muita surpresa. Eu pessoalmente estou revendo ao longo desse tempo o que culminou nessa decisão dos acionistas depois de ter trabalhado lá por seis anos e contribuído para a criação de valor na empresa, que triplicou de tamanho e de valor nesse período, já incluindo as perdas que aconteceram. Para mim, a decisão mostra que, quando os lucros estão vindo, está tudo ótimo, mas no momento em que acontece uma perda, parece que só tem você no barco. No lucro está todo mundo dentro e, nas perdas, está todo mundo fora. Isso aconteceu em uma empresa que tem histórico de operações de derivativos, das mais variadas, de longa data, antes da minha gestão. Não é que o Adriano fez algo diferente que causou o prejuízo. A empresa fez nada mais do que vinha fazendo ao longo dos anos.

 

Gazeta Mercantil - Como a Sadia se meteu nessa armadilha com os derivativos?

Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que, até a minha saída, todas as ações foram em prol de zerar essas posições, em especial a dos derivativos "2x1" (contratos de target forward, na qual a empresa pode ganhar a variação cambial ou, em caso de perda, pagar em dobro), que vinham sendo realizadas desde 2007. Até onde eu estava, essas perdas eram bem inferiores ao número divulgado no fechamento do balanço anual. Agora, o que aconteceu não foi uma crise, foi um tsunami, que levou a uma quebra de paradigmas e pegou as exportadoras no contrapé. A partir daí, as ações foram tomadas e as correções foram feitas. Não era uma armadilha.

 

Gazeta Mercantil - Não era possível evitar maiores danos à companhia?

Olhar no retrovisor é fácil, mas quando você está no dia a dia, avaliando os cenários, é bem diferente. Nem os economistas mais pessimistas previram que isso que está aí iria de fato acontecer. Não pegou só a Sadia, mas a Aracruz, Votorantim, Braskem, Embraer... algumas detinham derivativos, outras, dívida muito dolarizada, mas todas as empresas sofreram. A Sadia foi uma das mais afetadas, mas não podemos esquecer que a empresa exporta mais de US$ 3 bilhões, as operações que foram feitas já faziam parte da rotina da companhia.

 

Gazeta Mercantil - As posições não poderiam ser revertidas logo ao primeiro sinal de alta do dólar?

Não havia na hora como zerar todas as operações. A situação se reverteu tão rápido que foi preciso um período de convencimento interno até se concluir da gravidade da crise. A possibilidade até então era de um cenário de valorização do real frente ao dólar, não se imaginava que uma economia combalida como a americana teria a moeda valorizada, mas o fato é que o dólar é a moeda com maior liquidez.

 

Gazeta Mercantil - Então não há culpados pelas perdas com derivativos?

Não tem responsável. Estamos diante de uma crise sem precedentes, que pegou as companhias que acreditavam no real forte e precisavam fazer operações de hedge. Havia centenas de empresas com problema cambial.

 

Gazeta Mercantil - Qual era a sua participação na tomada de decisão sobre a exposição da empresa a derivativos?

A Sadia possui uma tesouraria semelhante à de um banco. Portanto, os derivativos, seja de câmbio ou outros, como juros, fazem parte da rotina da empresa. A diretoria tinha liberdade para fazer essas operações dentro de suas alçadas e limites, o que foi cumprido à risca.

 

Gazeta Mercantil - No relatório da BDO Trevisan consta que a Sadia fechou uma operação de US$ 1,4 bilhão no dia 10 de setembro, dias antes da quebra do Lehman Brothers...

Eu não tive acesso ao relatório da BDO Trevisan e o meu computador foi confiscado, por isso, não tenho como comentar. Essas operações, se foram realizadas, não tinham autorização, por isso, devem ter sido revertidas em seguida. O processo de autorização das operações era a posteriori, nunca antes...

 

Gazeta Mercantil - Se essa operação tivesse de ser fechada hoje, como aconteceria?

Se fosse fechada hoje, uma operação de US$ 1,4 bilhão teria que ser aprovada pelo conselho.

 

Gazeta Mercantil - Não havia como esse contrato ter sido fechado sem a aprovação do conselho?

Não. O operador podia até pegar o telefone e, sem consentimento, fazer a operação que ele quisesse. Só que, na hora do trâmite, da assinatura de contrato, aprovação de sistemas, a operação ia voltar para cima e ia ter de ser desfeita. Se aconteceram, as operações tinham de ser desfeitas.

 

Gazeta Mercantil - O senhor se recorda desse contrato específico?

Não me recordo. Não tive acesso ao relatório. Não me recordo.

 

Gazeta Mercantil - Em algum momento os limites de exposição a derivativos foram ultrapassados, como alega a administração da Sadia? Até que ponto o financeiro podia ir?

Nos primeiros três meses do ano, a exposição deveria equivaler a três meses de exportações. A Sadia exportava naquela época US$ 250 milhões por mês. Ou seja, nos primeiros três meses a empresa tinha de estar US$ 750 milhões vendida em operações futuras ou com dívida em moeda estrangeira, com uma margem de desenquadramento de dez dias de exportações, o que dava mais ou menos US$ 80 milhões vendido ou comprado. Do quarto ao decimo segundo mês, você poderia expor até 50% da exportação, havia liberdade para trabalhar a política de comprometer a exportação em até 50%. No momento em que aconteceu a crise, o câmbio subiu muito, esses valores dobraram, e os limites, por conseguinte, extrapolaram.

 

Gazeta Mercantil - Quais foram os procedimentos adotados quando o câmbio disparou?

O que a área tinha de fazer era providenciar o enquadramento, e foi o que eu fiz: zerei as operações com alguns bancos, cujos resultados foram aqueles prejuízos divulgados inicialmente. Além disso, como o mercado estava com baixa liquidez, foram realizadas operações inversas, de compra de dólar futuro. A gente trabalhou ferrenhamente nisso.

 

Gazeta Mercantil - O conselho da Sadia foi informado?

Eu pessoalmente levei a informação ao presidente do conselho de administração (na época, Walter Fontana). Pelo modo que foi informado, parece que foi o conselho que descobriu um rombo de um maluco de uma área maluca. Neste mesmo dia, o presidente chamou os executivos, comunicamos as perdas nas operações de câmbio e sugerimos chamar o conselho e o comitê de finanças do conselho extraordinariamente. Então passamos a continuar zerando as operações em busca de enquadramento até eu sair.

 

Gazeta Mercantil - Como foi a sua saída da Sadia?

Eu fui pego de surpresa no dia em que a empresa decidiu soltar o fato relevante. Nesse mesmo dia, tudo estava normal, na véspera, havia saído às 2 horas da manhã fechando contratos. Fui comunicado por jornal que havia sido demitido. No dia seguinte, fui à empresa normalmente, peguei minhas coisas e soube que o vice-presidente do conselho havia me procurado no final do dia anterior, quando foram soltar o fato relevante, mas eu não estava na companhia na hora. Foi um processo normal, apesar de ter ficado triste pela forma como conduziram o processo de desligamento.

 

Gazeta Mercantil - Por que apenas o senhor foi responsabilizado?

Não sei. A Sadia é uma empresa alimentícia, mas que tem um banco lá dentro. É só você pegar o telefone e ligar para qualquer banco que eles vão te contar o histórico da empresa. Tanto é que a auditoria independente da empresa usava, para a área financeira, uma equipe de auditoria de instituições financeiras, porque a companhia tinha operações avançadas e, portanto, merecia uma atenção especial.

 

Gazeta Mercantil - Como funcionava o processo de contratação de um contrato de derivativo na Sadia?

Imagine que esse produto, o 2x1, chegou hoje na nossa mesa. Todas as operações novas que eram fechadas, depois da avaliação financeira, eram passadas para a aprovação do departamento jurídico. Feita a operação, a boleta que registrava o negócio chegava para o operador que fechou o contrato, para a contabilidade, controladoria, auditoria interna, que é ligada ao conselho, e, se a operação era nova, também para o jurídico.

 

Gazeta Mercantil - Então os membros do conselho estavam cientes das operações?

Completamente cientes. Havia apresentações mensais ao conselho dos resultados da política de hedge, da política de riscos, da exposição cambial, a juros. O conselho, inclusive, tinha acesso à gestão de risco da empresa a qualquer momento. Agora, será que de fato eles realmente entendiam quando eu explicava? Quando começo a olhar o que aconteceu eu passo a ter minhas dúvidas.

 

Gazeta Mercantil - Eles conheciam os derivativos 2x1?

A operação estava lá há bastante tempo. Como é que eles agora vêm dizer que desconheciam? Eu não apresentava diretamente o resultado da operação 2x1 porque não precisava, já fazia parte da rotina da companhia. Eu apresentava lá os resultados das operações de câmbio, os níveis de risco, a exposição cambial.

 

Gazeta Mercantil - E nunca houve nenhum questionamento?

Nunca recebi questionamentos, pelo contrário, eram só aplausos. Eu fui promovido todos os anos na companhia. Em 2007, assumi a diretoria de desenvolvimento corporativo e fui nomeado diretor da holding financeira, de uma empresa que tem uma corretora, um banco...

 

Gazeta Mercantil - Por que o senhor demorou tanto tempo para falar e não procurou se explicar quando o caso veio à tona?

Por vários motivos: existe a questão jurídica, e quando tudo aconteceu eu também passava por problemas pessoais. Ao longo de todo esse tempo, achei que a Sadia conduziria o processo de forma mais profissional, mas no final culminou em uma questão pessoal.

 

Gazeta Mercantil - Manteve contatos com a empresa após a saída?

Depois que eu saí, praticamente não tive nenhum contato. Durante o relatório da BDO Trevisan, me mandaram as perguntas e respondi por escrito. Nessa devolução já pedi que me fosse fornecida uma cópia do trabalho, o que foi negado, sob o argumento de que era um documento interno e, para ter acesso, eu precisava comprar uma ação da empresa.

 

Gazeta Mercantil - Como o senhor pretende se defender das acusações?

Quanto a isso eu não posso contribuir. É estratégico e ainda estamos avaliando, até porque a ação não chegou. Mas o dano a minha imagem foi muito forte.

 

Veículo: Gazeta Mercantil


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