Classe D altera perfil do calote

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Crédito: Inadimplência e desemprego não andam lado a lado nos últimos anos


    
A inadimplência da pessoa física, que historicamente guardava estreita relação com o mercado de trabalho, recuando quando havia queda do nível de desemprego, passou a ter uma dinâmica diferente nos anos recentes. Por trás dessa transformação pode estar o ingresso da nova massa de consumidores no mercado de crédito, representada pelas classes sociais emergentes, segundo o presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Adalberto Savioli. "A classe D que virou C tem o orçamento mais comprometido e ainda não tem a vivência do crédito, são novos riscos que vêm sendo incorporados ao sistema."

 

Levantamento elaborado pelo Valor Data - média móvel em 12 meses -, dá pistas da nova realidade a partir de 2007. Enquanto o desemprego mostra clara tendência de queda, a inadimplência se mostra resiliente e chega a apontar para outra direção, em função dos efeitos da crise de 2008.

Dados coletados pela Associação Comercial de São Paulo confirmam a inadimplência mais alta entre os novos participantes do mercado de crédito, aqueles de renda mais baixa. Um termômetro é a pesquisa que a entidade faz "no balcão", junto aos consumidores que procuram a associação para buscar informações ou regularizar sua situação de crédito.

 

O levantamento indicou que, dos consumidores que tomaram crédito pela primeira vez em agosto de 2009, 8,4% têm prestações atrasadas há mais de três meses, enquanto que a taxa cai para 6,7% entre os que já utilizaram crédito há mais tempo. Dentre os consumidores inadimplentes, 25% ganham entre um e dois salários mínimos e 37% têm renda familiar mensal entre dois e três salários.

 

"Está claro que o desempenho é menos favorável entre os novos consumidores do que entre os antigos", afirma o economista da associação, Marcel Solimeo, para quem a falta de experiência e a extensa lista de necessidades ajuda a explicar esse comportamento. Além disso, são pessoas que tomam crédito de muitos credores, o que dificulta uma eventual renegociação. "Chegamos a uma situação que deve levar os bancos a serem mais seletivos na concessão do crédito, para evitar o avanço da inadimplência", opina Solimeo.

 

O Banco Central, no relatório de inflação referente ao primeiro trimestre deste ano, já havia indicado que o avanço do crédito contava com o efeito benigno das taxas de juros baixas. De acordo com um dos textos do documento, o comprometimento da renda evoluía de forma equilibrada graças "à conjunção favorável de taxas de juros declinantes e prazos em expansão" - cenário que já começou a ser revertido.

 

Em um ambiente de recuperação consistente da renda, taxa de desemprego nos menores níveis da história e com investimentos crescentes para fazer jus aos eventos da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil, a tendência é o consumidor continuar a se endividar mesmo com a alta da taxa Selic. Savioli lembra que o impacto do encarecimento do dinheiro vem de cima para baixo, partindo das indústria e transferindo-se para toda a cadeia produtiva até chegar à ponta do consumo. "A pessoa física dilui isso na prestação, mas para as empresas 0,75 ponto percentual de aumento é oneroso."

 

Por ora, Savioli, também diretor do Banco Panamericano, considera que a inadimplência da pessoa física, que caiu de 8,6% em julho de 2009 para 7% em março, cumpre o papel de não exercer pressão adicional para aumento dos "spreads" (a diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa cobrada nos empréstimos). Mas a situação pode mudar se o ciclo de alta de juros avançar por 2011, piorando a qualidade das carteiras.

 

O cenário traçado por economistas e bancos é de que o crédito não deixará de crescer. Para este ano, trabalha-se com estimativas de em torno de 20% e 25% de elevação - sobre um ano fraco, que foi 2009. Mas o ritmo pode ser mais lento, apesar do ambiente positivo para a economia. Bráulio Borges, economista-chefe da LCA, não ignora o fato de que emprego e massa salarial - ingredientes essenciais para a evolução saudável do crédito - seguirão robustos e com boas perspectivas. "Mas o ritmo do crescimento do crédito ficará inferior ao potencial e manterá o Brasil ainda abaixo da situação de outros países." A previsão do Banco Central é de que o crédito atinja 49% do PIB neste ano, dos 45% atuais.
 


Dinâmicas de longo prazo mudam

 

O aumento na renda e no emprego formal mudam a dinâmica de longo prazo da taxa de inadimplência, de acordo com Octavio de Barros, diretor do Departamento de Economia do Bradesco. "A redução da desigualdade pela qual o país está passando afeta o crédito de forma estrutural e duradoura", defende. "Estamos vivendo uma transformação silenciosa na distribuição de renda no país", diz ele.

 

Se um número maior de pessoas têm carteira assinada, a massa de rendimento tende a se mostrar mais estável, o que reduz o risco de inadimplência. Ele calcula em um total de R$ 4,622 bilhões o crescimento na massa de rendimentos (salários e benefícios do INSS) no primeiro trimestre em termos dessazonalizados e deflacionados. Em 2009, o aumento foi de R$ 1,56 bilhão.

 

Octavio de Barros lembra que o aumento do emprego dessazonalizado e anualizado no primeiro trimestre projeta a geração de 2,6 milhões de empregos formais no país. E acrescenta que o índice do Ibope/CNI mostra que o medo do desemprego está em níveis recordes de baixa desde 1996, em 82, na comparação com os 87,2 do seu segundo melhor momento nesse período histórico, no início de 2008. Além disso, o economista projeta crescimento de 6,68% na massa de rendimentos, em relação aos 3,99% de 2009.

 

"Por isso eu acredito que o crédito para pessoa física continuará crescendo no Brasil, apesar das taxas básicas de juros Selic estarem em alta." Ele estima crescimento de 23,7% para 2010 no crédito total neste ano e de 22,2% no crédito para pessoa física com recursos livres.

 

Segundo ele, algumas modalidades de crédito para pessoa física são insensíveis à alta da Selic, como o crédito imobiliário ou consignado. "No total, 37% do crédito no Brasil não se altera se a Selic sobe", argumenta ele. Isso reduz a eficácia da política monetária. No crédito imobiliário e consignado, a inadimplência também tende a ser menor, diz.

 

Para ele, o "dinamismo da economia segue sustentado pela robustez da demanda doméstica, com destaque para o emprego e a renda, o consumo das famílias e os investimentos". Por isso, o Bradesco reviu para cima suas projeções para o crescimento PIB (Produto Interno Bruto) para 7% neste ano (6,4% de antes).

 

Ele estima que a Selic será elevada para 11,5% nas próximas duas reuniões do Copom e para 13% nos meses iniciais de 2011. "É preciso considerar que, diferentemente de outros episódios de elevação dos juros, o investimento será menos afetado." A demanda vai continuar crescendo por causa das mudanças estruturais e a política monetária é mais eficaz, por causa de sua credibilidade, atingindo os mesmos objetivos do passado com um custo menor. Além disso, parcela substancial do investimento vem sendo financiada a juros subsidiados pelo BNDES.

 

Veículo: Valor Econômico


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