O crédito, no mundo, será mais seletivo e mais caro

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Os bancos com "funding" e gestão de liquidez descentralizados se saíram melhor na crise de 2008 e essa é uma estratégia que tende a ser seguida por mais instituições. Outras importantes mudanças que começam a maturar no pós-crise global dizem respeito à intenção do sistema bancário de aumentar as captações de recursos no varejo, depois das feridas deixadas pelo "disfuncional" mercado do atacado, o que mais padeceu na crise. O aumento nos custos das das transferências de recursos intragrupos bancários, que antes eram subsidiadas e, agora, caminham em direção aos preços de mercado, é um terceiro "front" de ajuste.

 

Essas são algumas das constatações do grupo de trabalho criado no âmbito do Comitê do Sistema Financeiro Global do Banco de Compensação Internacional (BIS/Basileia), em documento concluído no fim de maio.

 

Coordenado pelo ex-diretor do Banco Central Mário Mesquita, o grupo entrevistou mais de 30 grandes instituições internacionais para investigar as mudanças nas fontes de financiamento e na gestão da liquidez, cujos riscos e complexidades vieram à tona na crise de 2008. A liquidez evaporou, os descasamentos de moedas pressionaram os balanços e a atividade bancária despencou. O resultado do trabalho, que é parte da discussão sobre a regulação bancária no pós-crise global, está no texto "Funding patterns and liquidity management of internationally active banks".

 

A descentralização - mais autonomia para as agências e subsidiárias, em cada país, em relação à tesouraria central - tornaria o sistema financeiro mais resistente a choques, avalia o grupo. Esse é processo tem limites e não é factível a todo o sistema. Instalados numa economia com elevada taxa de poupança, aos bancos japoneses, por exemplo, não interessaria captar em moedas estrangeiras. Além do que esse é um movimento que traz custos adicionais ao sistema, diante da necessidade de "staffs" locais, assim como funções de tesouraria, entre outros.

 

Com base em dados do BIS, o trabalho identifica o padrão de "funding" dos principais grupos de bancos no mundo, com diferentes graus de centralização. Os espanhóis são os mais descentralizados. A expansão dos espanhóis na América Latina e EUA, a partir da segunda metade dos anos 90, se deu pela compra de bancos locais. As subsidiárias operam com elevada autonomia e não criaram laços de dependência da transferência de fundos subsidiados da matriz. Iniciaram focadas no varejo, expandiram para outras áreas, como fundos de pensão, e se mostraram altamente resistentes na crise.

 

Já a presença dos bancos suecos nos países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), num modelo de alta centralização, é destacada como exemplo de estratégia que sofreu muito com a crise. Os suecos entraram na região comprando ações dos bancos locais no fim dos anos 90 e, em 2005, já eram majoritários. As subsidiárias foram incorporadas pelas holdings e supridas com empréstimos da matriz. As transferências de recursos intragrupos, em geral, salienta o trabalho, carregam riscos de contágio. Isso esteve na raiz dos problemas dos bancos que levaram o governo da Suécia a editar um conjunto de medidas de socorro às suas instituições.

 

A crise pôs as práticas de funding e liquidez dos bancos internacionais sob teste e, dentre as conclusões preliminares do grupo, ficou claro que as instituições com subsidiárias que captavam depósitos e emprestavam em moeda local tiveram menos dificuldades do que as que captavam e intermediavam em moeda estrangeira. Esse foi um padrão claro nos portfólios dos bancos em países emergentes. Os empréstimos estrangeiros para os emergentes caíram de 40% para uma performance negativa de menos 20% no auge da crise, mas as posições locais dessas instituições tiveram queda muito menor e mantiveram-se no terreno positivo tanto na América Latina quanto no Leste Europeu.

 

Não é simples detectar o quanto disso decorreu da descentralização e diversificação e o quanto foi fruto da maior resistência macroeconômica dos emergentes na crise. Mas o fato é que os bancos que melhor superaram as turbulências foram os multinacionais menos expostos no atacado e nas operações de troca de moedas.

 

O "crash" global mostrou que a indústria bancária precisa de mudanças, embora as instituições não sejam propensas a alterações profundas em seus negócios. Exceção se coloca sobre os bancos brasileiros, cujas operações são de baixa alavancagem e o funding externo é relativamente pequeno.

 

O grupo identificou algumas mudanças em curso, como revisão das avaliações de risco, aumento dos preços das transferências intra-grupo e certo grau de descentralização de funding. O gerenciamento da liquidez tende a permanecer centralizado, especialmente no que se refere ao fluxo de informações entre a subsidiária e a matriz. Já as operações de hedge ante descasamentos de prazos e/ou moedas podem ser feitas em mercados locais, explicou Mesquita. Soma-se a isso um avanço chave: o aumento da confiança nos fundos de varejo em contraposição aos atacadistas, calcados em grandes operações - onde os riscos são mais concentrados - como instrumento de diversificação de fontes de captação.

 

Maior competição no varejo resultará em aumento dos custos de financiamento das instituições, assim como uma maior presença física local. A crise europeia deve adiar a implementação das mudanças, mas há, no horizonte, uma certeza: "O crédito será mais seletivo e caro", sintetiza Mesquita.

 

Veículo: Valor Econômico


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