O crédito está escasso e mais caro e o dólar segue em alta firme, mas várias empresas ainda mantêm as projeções de crescimento para 2009. Em café da manhã promovido ontem pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef-SP), a maior parte dos empresários ouvidos pelo Valor não traçou quadro pessimista para o ano que vem. A expectativa é que o faturamento cresça menos do que em 2008, mas as estimativas anteriores já embutiam um cenário de expansão mais fraca em 2009.
A grande reclamação é mesmo quanto à piora das condições de crédito. O dinheiro ofertado diminuiu e os juros cobrados estão mais altos. Segundo o diretor financeiro e administrativo do Grupo Energias do Brasil, Thomas Brull, o custo de linhas como capital de giro e contas garantidas teve altas consideráveis. "Houve um claro encarecimento do crédito."
As taxas cobradas pelos bancos nas contas garantidas, que oscilavam na casa de 105% do CDI antes do agravamento da crise, subiram para 110% do CDI, atingindo em alguns casos até mesmo 120% do CDI, relata Brull, que também é presidente do Ibef-SP. A Energias do Brasil ainda não alterou perspectivas para 2009 - está em processo de definir expectativas de faturamento e investimento, de acordo com ele. Brull não revela as taxas de expansão esperadas para este ano e para o próximo, por se tratar de uma companhia com ações negociadas na bolsa.
A empresa de trading Parts Import, que trabalha com exportação e importação, também nota uma piora nas condições de crédito. Segundo Sérgio Volk, sócio da Parts, os prazos dos Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACCs) e dos Adiantamentos de Cambiais Entregues (ACEs) encolheram bastante, processo que ocorre simultaneamente a uma alta das taxas cobradas. "O prazo, que chegava até 360 dias, caiu para 90 ou no máximo 120 dias", afirma ele, que vê um crédito mais raro e caro. Os juros saíram da casa de 9% a 10% ao ano e já atingem a cerca de 12%.
Esses problemas não foram suficientes para Volk revisar as previsões de expansão do faturamento em 2009. Ele continua a apostar numa alta de 5% no ano que vem, pouco inferior aos 6% a 7% estimados para este ano. As entrevistas foram feitas antes da abertura dos mercados ontem, quando o dólar disparou e a bolsa despencou.
A Morganite Brasil, indústria de cerâmica térmica e carbono que fornece insumos para o setor industrial, tem sofrido menos com a alta do crédito porque usa basicamente recursos próprios. "Só recorremos a operações de crédito quando as condições são vantajosas, o que não é o caso no momento", afirma o diretor administrativo financeiro da Morganite, Antonio Sergio de Almeida. Depois de um crescimento estimado de 10% neste ano, ele acredita que a alta do faturamento deve cair para um nível mais baixo, mais típico do setor, de 3% a 4%. Segundo ele, a Morganite tem se beneficiado do desempenho muito positivo da indústria de bens de capital, que tende a ter um comportamento menos exuberante em 2009.
A alta do dólar é bem vista por Almeida. Hoje, a empresa exporta cerca de 10% da produção, fatia que pode subir para algo como 15% com um câmbio mais próximo de R$ 2. A R$ 1,60, a competitividade no exterior ficava comprometida, segundo ele.
Com tabela de preços em dólar, a empresa de software Cincom Systems também não vê a desvalorização com maus olhos, segundo o diretor e gerente-geral, Ivan de Souza. O problema da Cincom está na piora das condições de crédito. Ele diz que, mesmo para linhas de capital de giro, os bancos começaram a pedir garantias que não eram exigidas antes da piora da crise financeira internacional.
Mais pessimista que Bull, Volk e Almeida, Souza diz que a empresa já revisou para baixo as projeções de investimento e faturamento em 2009. As inversões deverão cair 40% no ano que vem, de US$ 1,5 milhão para US$ 900 mil. A expectativa de que o faturamento no ano que vem repetisse a alta esperada de 6% para 2008 foi alterada para uma perspectiva de estabilidade, num cenário de desaceleração do crescimento da economia.
No evento, os empresários ouviram uma palestra do ex-ministro Antonio Delfim Netto. Segundo ele, o Brasil sentirá obviamente parte dos efeitos da crise, por estar mais integrado ao mundo, mas o impacto não deverá ser muito intenso. Para ele, é possível que o país ainda cresça até mesmo um pouco mais que 4% em 2009 - o mercado projeta 3,5%. Neste ano, a expectativa é de uma alta superior a 5%. Delfim ressaltou a importância de se garantir que o exportador tenha acesso a crédito - à tarde, o Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC) anunciaram que vão usar recursos das reservas e do BNDES para financiar exportações.
Para Delfim, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal devem ter atuação mais intensa num momento de contração do crédito. "Essa é uma das vantagens do Brasil. Você tem instrumentos que podem ser mobilizados." Segundo Delfim, também é importante "cooptar o setor privado" para essa tarefa, por meio da redução dos depósitos compulsórios dos bancos. Mas é importante não permitir que o dinheiro liberado fique "empoçado" (concentrado) nos bancos.
Veículo: Valor Econômico