A ameaça da inflação

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A presidente eleita, Dilma Rousseff, está arriscada a tomar posse, em 1.º de janeiro, num ambiente de inflação em alta, um dos piores cenários para um novo governo. Os preços agrícolas têm subido tanto no País quanto no exterior e as condições propícias à especulação com produtos básicos têm fortalecido essa tendência. No Brasil, a contenção do custo de vida facilitou o aumento do salário real nos últimos anos e contribuiu para o bem-estar de milhões de famílias. O governo com certeza não quer perder esse precioso ativo político e já mostra preocupação com o novo cenário. No mês passado, o IPCA, o principal índice de preços ao consumidor, subiu 0,75%. Em oito anos foi a maior variação num mês de outubro.

 

A mais importante causa da aceleração do IPCA foi a alta de preços dos alimentos - 1,89% -, também um recorde para o mês desde 2002. A primeira reação oficial às novas pressões foi a decisão de vender na próxima semana 317,6 mil toneladas de milho, um dos principais insumos da produção de carnes. Também estão previstos leilões de feijão dos estoques federais. As últimas vendas de milho haviam ocorrido em abril. Vendas de feijão têm sido frequentes, em 2010, mas insuficientes para conter a disparada de preços. O feijão carioca encareceu 109,78% neste ano, até outubro, segundo os dados do IPCA. No mesmo período as carnes ficaram 14,56% mais caras.

 

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, admitiu nessa quinta-feira haver uma pressão inflacionária no setor de alimentos e prometeu "medidas adequadas" para manter a inflação na meta. Exibiu tranquilidade, no entanto. Segundo ele, as projeções da instituição já indicam o cumprimento da meta em 2011, com a taxa de 4,5%, no centro do alvo.

 

O Copom, responsável pela política de juros, ainda terá uma reunião neste ano. Pelas indicações disponíveis, deverá mais um vez manter os juros básicos. Então, poderá deixar um problema grave para ser resolvido no começo do próximo governo.

 

Os preços dos alimentos têm sido pressionados pelas condições efetivas da oferta e pela especulação financeira. A produção brasileira de milho na safra 2010/2011, estimada entre 51,84 milhões e 52,71 milhões de toneladas, deverá ser menor que a deste ano, com uma diferença entre 6,5% e 7%. A oferta de trigo será maior. Também se prevê uma safra maior de feijão - com aumento de até 7% -, mas há muita insegurança quanto às condições do tempo, por causa do La Niña.

 

As condições de mercado nos Estados Unidos confirmam uma oferta mais apertada de produtos básicos, num mercado já pressionado, há meses, pela quebra de produção de trigo na Rússia. Soma-se a essas condições a enorme expansão monetária, principalmente nos Estados Unidos, com juros próximos de zero. Um dos efeitos mais comuns desses fatores é o deslocamento de aplicações para os mercados de matérias-primas, incluídos os produtos agrícolas.

 

A especulação internacional nos mercados de alimentos é uma das consequências da intensa emissão de dinheiro nos EUA e em outras economias avançadas. Outra consequência é o barateamento de várias moedas, com destaque para o dólar. Esse efeito tem atenuado as pressões inflacionárias no Brasil. Mas a especulação com os preços agrícolas tende neste momento a neutralizar o efeito anti-inflacionário do dólar barato.

 

Mas os preços agrícolas não são o único fator de pressão. O encarecimento de vários outros itens computados no IPCA superou 5% entre janeiro e outubro deste ano. Serviço doméstico (9,55%), passagem de ônibus urbano (7,18%), dentista (7,14%), colégios (6,64%), móveis (6,44%), calçados (6,23%) e eletrodomésticos (6,07%) são alguns dos vários exemplos. Há uma pressão de demanda, alimentada não só pelos salários e pelo crédito, mas também pelo aumento do gasto público. A demanda aquecida já facilita a propagação dos aumentos e esse quadro poderá piorar nos próximos meses. Não se trata, portanto, só de uma inflação da comida, e as autoridades não deveriam menosprezar esse fato.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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