A expansão do comércio varejista foi muito superior a do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2010. Enquanto a expectativa para a alta do PIB é de 7,5% - o maior crescimento em 24 anos - o volume de vendas do comércio varejista ampliado acumulou avanço de 11,9% de janeiro a novembro na comparação com igual período do ano anterior, segundo dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pela pesquisa, em novembro as vendas do comércio em novembro foram 1,4% superiores às de outubro, em volume e descontando os fatores sazonais.
O ritmo do consumo das famílias, no entanto, não tem sido acompanhado pelo incremento da produção na indústria de transformação, que patinou desde o fim dos incentivos tributários, em março do ano passado. O descompasso entre a oferta e a demanda interna tem sido suprido, de maneira crescente, pelos bens importados, auxiliados pelo câmbio valorizado. Esse movimento preocupa os economistas, que temem que o consumo fique muito dependente de bens estrangeiros.
O economista Fernando Rocha, da JGP Gestão de Recursos, calculou que enquanto a indústria de transformação aumentou a produção em apenas 0,2% entre setembro e novembro, o volume de vendas no varejo ampliado cresceu 3%, feito o ajuste sazonal. A saída veio com as importações, que em igual período registraram alta de 7,5%, em volume. Os dados são ainda mais evidentes numa série longa. Entre dezembro de 2009 e novembro de 2010, o volume de bens importados subiu 38,2%, quase três vezes mais que o avanço de 14,5% registrado, em igual período, nas vendas do comércio ampliado, enquanto a indústria ampliou a produção em apenas 4,1% no período, co ajuste sazonal.
"Os importados ainda respondem por uma parcela menor dos bens consumidos, mas o ingresso, em volume, está ocorrendo de maneira absurda, facilitado pelo câmbio. É isso que tem dificultado o trabalho da indústria, que não se sente tão motivada para produzir", avalia Rocha, para quem o consumo das famílias continuará crescendo, neste ano, em ritmo superior ao do PIB. "Há uma distância muito grande entre os ritmos de consumo de bens no varejo e a produção da indústria e isso preocupa, porque cria uma dependência do produto importado, amarrando a política econômica em torno do câmbio valorizado", diz ele.
A produção da indústria de transformação, que avançou 1,1% entre outubro e novembro, foi maior em dezembro, avalia Cristiano Souza, economista do Santander, para quem o processo de ajuste nos estoques formados no começo do ano passado terminou no início do quarto trimestre, liberando a indústria para ampliar a produção. Para Souza, no entanto, o crescimento "incrivelmente acelerado" do consumo, assentado na forte queda do desemprego e na expansão do crédito, encontra desafios no curto prazo. "Os indicadores antecedentes mostram que a indústria retomará a produção, e o câmbio, que continua valorizado, facilita o aumento no volume importado, mas os serviços que não podem ser adquiridos do exterior, como refeição fora de casa e cabeleireiro, por exemplo, estão pressionando a inflação", diz.
Em novembro, os principais itens em alta na PMC ampliada, que inclui a venda de veículos e material de construção, foram equipamentos e material de escritório e livros e revistas, com avanços de 10,5% e 6,6%, respectivamente, em relação a outubro. O segmento de equipamentos e material de escritório acumula avanço de 23,8% entre janeiro e novembro de 2010 - em 2009, a alta foi de 4% em relação ao ano anterior.
O principal item da pesquisa, as vendas em hiper e supermercados, caiu em 0,1% em novembro, resultado explicado pela forte alta nos preços dos alimentos, influenciados pelo contágio internacional das commodities, em alta desde setembro, justamente quando o setor passou a registrar crescimento fraco no volume de vendas.
Para os especialistas, o risco de uma reversão no consumo, embora pequeno, está aumentando. Para Souza, o modelo de crescimento do PIB baseado no consumo depende, em boa parte, do câmbio valorizado, fator que, para Rocha, pode passar por reversão entre o fim deste ano e o começo de 2012.
Veículo: Valor Econômico