Aos olhos de muitos brasileiros a crise financeira internacional parece um tema distante, mas um efeito começa a aparecer com sutileza: o aumento de preços influenciados pelo dólar. Em outubro, o Índice Geral de Preços - 10 (IGP-10), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiu 0,78%, acima das projeções de economistas, que previam alta de 0,6%, em média. Em relação a agosto (que teve deflação de 0,42%), houve avanço de 1,2 ponto percentual - o mais alto desde julho de 1999.
Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da FGV, afirmou que a aceleração medida entre 11 de setembro e o dia 10 deste mês teve como principal causa a elevação nos preços de produtos agrícolas, ligada a fatores sazonais. A valorização de 16,45% do dólar frente ao real ocorrida em setembro, já por conta das incertezas do mercado financeiro, contudo, foi repassada para os preços de itens do atacado, contribuindo também para a aceleração do índice acima do previsto.
Dois terços da aceleração do Índice de Preços do Atacado (IPA) - que saiu de um recuo de 0,75% em setembro para uma elevação de 0,98% neste mês - deveu-se à alta nos preços de soja (de 2,49% após recuar 7,75% em setembro), tomate (12,76% após queda de 47,37%) e mandioca (de 29,46% após queda de 5,71%). Juntos, esses produtos contribuíram com 1,2 ponto percentual do avanço de 1,73 ponto percentual do IPA entre setembro e outubro, maior variação mensal desde novembro de 2002. Segundo Quadros, esses produtos não sofreram influência do câmbio.
O maior reflexo da volatilidade da moeda, segundo ele, foi notado nos bens intermediários no atacado, que passaram de 0,81% de alta para 1,21% entre setembro e outubro. No grupo materiais e componentes para manufaturas, que tem grande incidência de preços atrelados ao dólar e peso de 18,16% no IPA, houve aceleração de 0,08% para 1,03% entre setembro e outubro o preço da amônia pulou de 2,31% para 20,45% e a celulose saiu de 2,63% para 13,20%. "Há alguns produtos no IPA em que o efeito do câmbio prevalece", explicou. No varejo, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) subiu 0,1% após recuar 0,03% em setembro, influenciados pelo grupo alimentação, que recuou 0,44% em outubro, ante queda de 1,06% em setembro.
Para Tatiana Pinheiro, economista do Banco Real, o efeito do câmbio sobre a inflação no atacado brasileiro foi mais rápida e mais forte do que o esperado. O banco esperava para o IGP-10 uma alta de 0,59%, mas mantém para o IGP-DI (que avalia a inflação no mês fechado) de outubro alta entre 0,6% e 0,7%. A economista cita relatório do Banco Central que indica que, na média, três meses é o intervalo necessário para que 50% da variação do dólar seja repassada para o IPA e comece a influenciar o IPCA. E seis meses é o intervalo que permite uma absorção de 80% da variação cambial pelo varejo. "Essa pequena influência no IPA-10 de outubro foi resultado da alta do dólar que ocorreu em agosto [de 4,61%] e começo de setembro", afirmou. O efeito da volatilidade cambial sobre a inflação no varejo, disse, deve aparecer com mais força a partir de dezembro.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da SLW Asset Management, que previa para o IGP-10 alta de 0,69%, considerou como 'elemento-surpresa' a alta mais forte em bens intermediários, como apontado por Quadros. "O efeito do dólar foi pior do que eu imaginava. Achava que a queda nos preços das commodities fosse inibir o efeito do câmbio", afirmou. Segundo o economista, o repasse da variação cambial sobre a inflação varia de 6% a 11% no ano, o que significa que, para cada 1% de alta do dólar no ano, a inflação medida pelo IPCA sobe entre 0,06 e 0,11 ponto percentual. No acumulado do ano, o dólar subiu 21,72%, de acordo com cálculo do Valor Data. Para o IGP-DI, Gomes elevou a sua projeção de 0,97% para 1,04%, em função do câmbio.
A Tendências Consultoria Integrada previa para o IGP-10 alta de 0,47% e de 0,6% para o IGP-M, com altas mais próximas de 1% em novembro e dezembro, em função do efeito cambial, de acordo com o economista da consultoria Gian Barbosa. Marcela Prada, também da Tendências, observa que, em outubro, o índice CRB (que aponta a evolução de preços das 24 commodities mais negociadas no mercado internacional) em reais tem recuo de 5,6%, sem considerar o petróleo (incluindo petróleo, a queda é de 0,9%), enquanto o dólar sobe 13,6% - um indicativo de que, nesses primeiros dias do mês, a alta do dólar mais do que anula a queda das commodities.
Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING, considera perigoso importar a relação direta entre CRB e dólar, porque as commodities nesse índice têm pesos diferentes em relação à representatividade na economia brasileira. "O minério de ferro, por exemplo, não está no CRB, mas o preço no Brasil sofre impacto do câmbio", acrescentou. Para a economista, existe uma tendência de repasse das altas registradas no atacado para o varejo, mas ainda é difícil saber o efeito final. "Esse repasse dependerá do nível de atividade de cada setor e do peso que o câmbio tem em cada cadeia." (* do Valor Online)
Veículo: Valor Econômico